AGU questiona STF sobre pontos de decisão que proíbe recursos de programas sociais em apostas

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A Advocacia-Geral da União (AGU) recorreu da decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que determinou ao governo adotar medidas protetivas imediatas para impedir o uso de programas sociais, como o Bolsa Família, em apostas. A AGU considerou que a determinação não é clara quanto à implementação prática das restrições e a quais programas a restrição deveria ser imposta.

A União também citou dificuldades técnicas, já expressadas por ministérios do governo, para impedir que beneficiários façam uso do dinheiro dos programas assistenciais nas apostas. “A adoção de “medidas imediatas” encontra barreiras de ordem prática de difícil superação”, diz a AGU.

Uma das dificuldades, de acordo com relatório citado pela AGU, é que a conta bancária de pagamento dos benefícios do PBF (utilizada por 99% das famílias beneficiárias) não é de uso exclusivo do Programa. De forma que essa conta pode movimentar valores monetários oriundos de fontes diversas, sem qualquer vínculo com o Bolsa Família.

A determinação foi feita, há um mês, pelo ministro Luiz Fux, relator das Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADI) 7721 e 7723, que tratam das apostas de cotas fixas. Ainda em novembro, foi referendada por unanimidade no plenário do Supremo.

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Nos embargos de declaração opostos à Suprema Corte terça-feira (12/12), a União pediu que o STF detalhe quais programas de benefícios sociais federais deveriam ser incluídos na decisão, além do Bolsa Família e do Benefício de Prestação Continuada. Leia a íntegra.

A AGU questiona também se os programas de benefício estaduais devem ser incluídos na restrição. Nestes casos, pede que STF direcione quais seriam as atribuições dos estados no cumprimento do que foi determinado pela Corte.

Ainda pede que o Supremo esclareça como deve ser viabilizado o impedimento à participação nas apostas, considerando dificuldades técnicas apontadas por alguns departamentos do governo.

Em nota técnica de setembro, a Secretaria de Prêmios e Apostas (SPA), do Ministério da Fazenda, departamento que está na linha de frente das tratativas sobre o tema no governo, disse que não seria possível a ela impedir ou limitar as apostas com recursos dos programas, já que não está na sua competência tratar dos dados de beneficiários, incluindo os recursos pagos.

O Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome, também em nota técnica, já havia manifestado não ser operacionalmente viável distinguir entre a renda proveniente do trabalho e o benefício financeiro recebido pelo Bolsa Família. Dessa forma, segundo o ministério, não há como estabelecer controles específicos quanto ao uso do dinheiro pelas famílias beneficiárias.

A Secretaria Nacional de Renda de Cidadania (Senarc), vinculada ao ministério, afirmou que “não dispõe de meios técnicos para impedir que os valores do Programa Bolsa Família depositados em uma conta bancária sejam utilizados para fins específicos (como para apostas de quota fixa)”.

Segundo o Banco Central, é tecnicamente possível vedar o uso de cartões de crédito para o cumprimento da decisão do Supremo. No entanto, a eficácia da medida é limitada. As apostas poderiam continuar sendo realizadas com o recurso dos programas por outros meios de pagamento.

Ações contra as Bets

A Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC)  ajuizou, em setembro, uma ação no STF pela suspensão cautelar e declaração de inconstitucionalidade da  Lei 14.790/2023, conhecida como Lei das Bets, que regulamenta as apostas de cota fixa. A ação afirma que o dispositivo não instituiu regras efetivas para combater o vício em apostas e coloca em risco a saúde econômico-financeira das famílias brasileiras.

Na ação, os advogados da CNC argumentam que com a suspensão da eficácia da Lei das Bets, também deveria ser suspensa a realização de jogos de apostas online, “de modo a evitar o agravamento da situação econômica nacional”. A medida, afirmam, é indispensável para evitar que o setor do comércio varejista nacional, assim como toda sociedade em geral, “sofra ainda mais com as nefastas consequências negativas geradas ao cenário da economia doméstica em decorrência do aumento dos níveis de endividamento das famílias e o redirecionamento dos gastos, outrora havidos com a aquisição de bens e serviços essenciais, à prática dos jogos de apostas online”.

Na ação, a CNC argumenta que o endividamento das famílias, aliado ao comprometimento significativo de seu orçamento com jogos online vem ocasionando a diminuição do consumo de bens e serviços essenciais (alimentação, saúde, vestuário, transporte etc.), afetando diretamente o desenvolvimento socioeconômico das regiões onde se concentra a população menos favorecida, reduzindo consideravelmente a circulação de renda, e agravando ainda mais a situação da economia local, em especial, o comércio varejista que depende (majoritariamente) do poder de compra das famílias.

O impacto das bets é sentido diretamente pelo setor varejista, representado em parte pela confederação. De acordo com a ação, com mais de R$ 68 bilhões gastos em apostas entre 2023 e 2024, o setor varejista enfrenta potencial redução de até 11,2% no faturamento, o que representa uma perda de R$ 117 bilhões por ano, sendo que apenas no primeiro semestre deste ano, a estimativa é que os jogos de apostas on-line já retiraram R$ 1,1 bilhão do comércio.

Além disso, a petição afirma que, segundo dados do Instituto Locomotiva, de setembro de 2023, ao menos 33 milhões de pessoas da população que se encontram em estado de vulnerabilidade financeira já fizeram apostas esportivas. “Entre eles, 22 milhões costumam fazer apostas ao menos uma vez por mês, o que representa o consumo de 20% do orçamento das famílias de baixa renda. O que inicialmente é representado apenas por um número, na realidade gera um impacto de praticamente 100% do valor que antes era consumido no varejo, incluindo mercados e farmácias”, argumenta a CNC.

A entidade afirma que a lei que regulamenta as bets não prevê o estabelecimento de políticas públicas para a saúde mental dos apostadores. Desta forma, a norma teria violado as garantias de saúde psíquica e financeiras previstas pela Constituição Federal. “O Estado estaria contribuindo diretamente para o aumento de agravos à saúde”, argumentam os advogados Alain Alpin MacGregor, Marcus Vinicius Beserra de Lima e Renata Motta Haido de Paiva, que assinam a petição.

Dias depois, foi a vez do partido Solidariedade ajuizar uma ação no Supremo Tribunal Federal (STF) em que requer a suspensão das apostas online no Brasil e a declaração de inconstitucionalidade da Lei 14.790/2023, responsável por regulamentar as apostas de cota fixa e conhecida como ‘Lei das Bets’.

Conforme argumentou o partido, a concessão da medida cautelar solicitada é “absolutamente essencial para evitar que a sociedade brasileira seja ainda mais impactado pelas graves consequências negativas que vêm atingindo a economia doméstica”, além de afetar a saúde mental dos apostadores e de seus familiares. “Logo, a ausência de provimento jurisdicional cautelar, com a demora no curso natural do processo até o julgamento do mérito, certamente causará incalculáveis e irreparáveis perdas econômicas e sociais, atuais e futuras”, afirma.