Agrotóxicos versus agroecologia, bioeconomia e biotecnologia

  • Categoria do post:JOTA

O PL 1459/2022, conhecido como PL do Veneno, buscava a liberação mais rápida de agrotóxicos, tornando algumas exigências mais brandas. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou, no final de dezembro de 2023, a Lei 14.785, decorrente do referido projeto, que alterou o processo de registro de agrotóxicos no Brasil.

Lula, no entanto, vetou o seguinte: retirada da entidade ambiental federal e da Anvisa da função de analisar impactos à saúde e ao meio ambiente em casos de agrotóxicos já registrados que venham a sofrer algum tipo de alteração em sua composição química (art. 27); reavaliações de agrotóxicos pelo Ibama e pela Anvisa passam a ser apenas complementares à análise do Ministério da Agricultura, cabendo a ele requerer ou não essas informações (art. 28); autorizações pelo ministério para agrotóxicos enquanto seus processos de reanálise de risco não forem concluídos, e mesmo poder ao Ibama de conceder o registro antes do fim da reanálise (arts. 29 e 30); dispensa da exigência de aviso de “não reaproveitamento da embalagem” (art. 41); e regulamentação de uma “taxa de avaliação e registro” em detrimento de outras já existentes (art. 66).

As Resoluções da Diretoria Colegiada da Anvisa 294 (critérios para avaliação e classificação toxicológica, priorização da análise e comparação da ação toxicológica de agrotóxicos), 295 (critérios para avaliação do risco dietético decorrente da exposição humana a resíduos de agrotóxicos) e 296 (informações toxicológicas para rótulos e bulas de agrotóxicos) já haviam estabelecido um novo marco regulatório para a avaliação de riscos de agrotóxicos, possibilitando que pesticidas considerados altamente tóxicos fossem rotulados como de toxicidade moderada. A lista de produtos “extremamente tóxicos” foi reduzida de 702 para 43. Foram 1.560 novos ingredientes ativos registrados entre janeiro de 2019 a fevereiro de 2021.

O Decreto 10.833/2021 do Ministério da Agricultura também já havia estabelecido o fim da obrigatoriedade de publicação dos registros de agrotóxicos no Diário Oficial da União; “avaliação de risco” mais permissiva, com risco aceitável se em “condições de uso ideais”; flexibilização do processo de autorização; permissão do estabelecimento de uma “dose segura” para agrotóxicos antes proibidos; diminuição do controle e acompanhamento sobre a venda; laudos de impurezas não devem mais ser enviados; possibilidade de uso de agrotóxico vencido, por meio de revalidação, retrabalho ou reprocessamento; possibilidade de agrotóxicos não registrados no Brasil serem fabricados no país para exportação.

O referido decreto foi alvo da ADPF 910, que, em junho de 2023, fixou que a expressão “mesmo ingrediente ativo” fosse compreendida como a totalidade dos ingredientes ativos dos produtos técnicos, pré-misturas, agrotóxicos ou afins que busque se registrar; que a publicidade aos resumos de pedidos e concessões de registro seja realizada por meio do acesso livre, sem a exigência de cadastro para consulta dessas informações; e que os critérios referentes aos procedimentos, aos estudos e às evidências suficientes sejam aqueles aceitos por instituições técnico-científicas nacionais ou internacionais reconhecidas.

Políticas ambientais sempre são colocadas como um entrave ao progresso. As restrições ambientais, que de fato operam no âmbito econômico, são atacadas por impedirem o desenvolvimento. Mas é preciso um olhar mais atento para a ideia de sustentabilidade.

A chamada “revolução agrícola”, ocorrida há cerca de 10 mil anos, fez os seres humanos começaram a dedicar quase todo o seu tempo e esforço para cultivo de algumas espécies de animais e plantas, o que representaria a mudança do nomadismo para o sedentarismo de alguns povos, com o surgimento das primeiras cidades e assim por diante.

Enquanto a revolução agrícola fixou o homem na terra, milênios depois, uma outra o expulsou: a chamada revolução verde. Essa expressão se refere à profunda modernização na agricultura, consistente em inúmeras inovações na produção, tais como sementes modificadas, maquinário agrícola, fertilizantes e agrotóxicos.

A revolução verde foi responsável por um crescimento global da produção de grãos que superou o crescimento da população. Todavia, com toda a tecnologia envolvida e a enorme quantidade de alimentos sendo produzidos, a FAO (braço da ONU para alimentação e agricultura) aponta que “entre 702 e 828 milhões de pessoas no mundo enfrentaram a fome em 2021”.

O Movimento dos Pequenos Agricultores sustenta que distribuir dinheiro ou alimentos não resolve a questão, pois a exclusão social seria inerente a esse modelo, sendo que essa forma de gerar alimento produz a população pobre. O consumo geral de calorias aumentou, mas a diversidade alimentar diminuiu. A produção massiva de determinados produtos exige alto investimento e cada vez mais terra, para aumentar a escala e reduzir os custos.

Essa fórmula exclui a agricultura familiar de pequena escala e os povos tradicionais. Assim é que a busca de outros modelos não seria só uma questão relativa ao meio ambiente, mas também de sustentabilidade da agricultura familiar e tradicional, com redução ou eliminação do uso de agrotóxicos, preservação dos circuitos locais de comercialização e soberania alimentar das comunidades.

Outros modelos seriam, por exemplo, a agroecologia e a bioeconomia, em que as atividades econômicas dariam retorno financeiro mantendo a floresta em pé. Vários estudos insistem há algum tempo que a economia com a floresta em pé, sem novas hidrelétricas nem grandes estradas, geraria mais empregos e mais renda do que o atual modelo. Essa é sem dúvida a grande discussão atualmente, já que não se admite mais ideias puramente preservacionistas que não atentem para grande parte da população, principalmente em um país desigual como o Brasil.

Não é de surpreender que há necessidade de apoio governamental para o desenvolvimento desses outros modelos. Essa constatação pode militar contra o argumento da viabilidade efetiva dessa alternativa econômica. Mas é preciso ter em conta que todas as atividades agrícolas no país contaram, desde os primórdios, com vultosos apoios, incentivos, subsídios e financiamentos estatais.

Para fazer um corte, desde a institucionalização do crédito rural pela Lei 4.829, de 1965, pelo menos até 1994, o financiamento do agronegócio brasileiro caracterizou-se por uma forte dependência de recursos oficiais e o governo exercendo grande interferência no mercado.

Vale mencionar ainda a biotecnologia, que se constitui na aplicação tecnológica que utilize sistemas biológicos, organismos vivos ou seus derivados para criar ou modificar produtos ou processos para utilização específica. Já a utilização de recursos genéticos significa a realização de atividades de pesquisa e desenvolvimento sobre a composição genética e/ou bioquímica dos recursos genéticos, inclusive por meio da aplicação da biotecnologia.

A biotecnologia se relaciona com povos e comunidades tradicionais na medida em que são obtidos benefícios derivados da utilização do conhecimento tradicional associado aos recursos genéticos. A biotecnologia é outra forma de se pensar uma opção econômica com a floresta em pé. O desafio aqui é novamente a repartição de maneira justa e equitativa com a parte provedora desses recursos genéticos.

As exportações do agronegócio brasileiro bateram o recorde de mais de US$ 140 bilhões em 2023, segundo dados do Ministério da Agricultura. Isso se deu antes da vigência de quaisquer das flexibilizações nas exigências relativas a agrotóxicos promovidas pelo PL do Veneno, que agora se converteu na referida Lei 14.785/23.

Assim, talvez não houvesse nenhuma necessidade de diminuição nas exigências sobre agrotóxicos, mas de se pensar mais nas alternativas da agroecologia, bioeconomia e biotecnologia.