A Constituição Federal de 1988 foi a primeira constituição brasileira a dar competência para o Tribunal de Contas da União (TCU) aplicar sanções. Até então, o tema era tratado apenas em normas infraconstitucionais. Ela diz que, “em caso de ilegalidade de despesa ou irregularidade de contas”, compete ao TCU aplicar aos “responsáveis” as sanções previstas em lei (art. 71, VIII).
São três grupos que podem ser punidos pelo TCU, segundo a Constituição (art. 70, parágrafo único): o de pessoas que gerenciam dinheiro, bens ou valores públicos; o de pessoas que gerenciam recursos, mesmo que privados, pelos quais a União responda; o de pessoas que, em nome da União, assumam obrigações de natureza pecuniária. A conclusão lógica é que são esses, portanto, os “responsáveis” por eventual despesa ilegal ou conta irregular.
Isso significa que o TCU detém competência sancionadora sobre integrantes da administração pública direta e indireta, bem como sobre particulares, externos à estrutura estatal, que recebem recursos públicos para gerenciá-los — a exemplo de entidades do terceiro setor. Mas o regime constitucional também incluiria particulares contratados pela administração? Há dúvidas.
A Constituição não foi o primeiro diploma a utilizar o termo “responsáveis” para designar quem poderia ser sancionado pelo TCU. Entender como o termo apareceu na legislação brasileira, ao longo dos anos, pode ajudar a compreender quem está abarcado pelo regime constitucional.
Historicamente, particulares contratados pela administração estiveram incidentalmente sujeitos à fiscalização do TCU por conta da análise da legalidade contratual feita pelo órgão. A eles, contudo, não eram direcionadas sanções, pois nunca foram abarcados no conceito de “responsáveis”, utilizado na legislação.[1]
Eram “responsáveis” perante o TCU agentes públicos ou privados que guardassem ou gerissem valores ou bens públicos. Alguns desses responsáveis estavam sujeitos ao poder sancionador do TCU, que se traduzia em multa. A multa era direcionada: 1) entre 1892 e 1921, a agentes públicos ou privados que deixassem de entregar ao tribunal documentos necessários à fiscalização de contas; 2) entre 1922 e 1966, além dos anteriormente mencionados, a agentes públicos que atuassem em prejuízo da legislação financeira e orçamentária; 3) a partir de 1967, a agentes públicos ou privados, infratores da legislação administrativa financeira.
Há alguns anos, iniciei pesquisa para entender os movimentos legais que pautaram a atuação sancionadora do TCU desde a sua criação, em 1890, até a edição da sua atual lei orgânica, em 1992. Recuperei essa memória legislativa em artigo que será publicado em 2024, em obra coletiva do Observatório do TCU, coordenada por meus colegas André Rosilho e André Braga. Os achados que expus nesta coluna estarão relatados lá em detalhes, além de outros que, creio, ajudarão a compreender como as sanções do TCU evoluíram ao longo dos tempos.
[1] Conferir as seguintes normas: decreto-lei 966-A, de 1890; decreto 1.166, de 1892; decreto 392, de 1986; Regimento Interno do TCU, de 1896; decreto 4.536, de 1922; Regulamento Geral de Contabilidade Pública, de 1922; lei 830, de 1949; decreto-lei 199, de 1967; Regimento Interno do TCU, de 1977.