A presidente da Anamatra, Luciana Conforti, afirma ver com ‘estranheza’ a ação em que o Partido Novo requer ao Supremo Tribunal Federal (STF) que a Justiça Comum seja considerada o fórum competente para processar e julgar demandas em que se alegue fraude, alguma irregularidade trabalhista ou outros vícios em contratos de franquia. Se aceito o pedido do Partido Novo, apenas se a Justiça Comum considerar inválido o contrato é que seria possível discutir o vínculo empregatício na Justiça do Trabalho.
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“É uma ação realmente inusitada, eu creio que a gente nunca teve esse tipo de questionamento, tão especifico, com relação a decisões da Justiça do Trabalho, em casos envolvendo contratos de franquia. A ação é muito especifica”, afirma Conforti. “É uma matéria muito próxima de uma situação alegada pela Prudential no CNJ. São os mesmos argumentos, de que o contrato de franquia prevaleceria sob qualquer alegação de fraude. Há mesmo uma divergência nessa interpretação, porque desde que a Justiça do Trabalho é a Justiça do Trabalho, ela analisa se há os requisitos do contrato de emprego, a partir de uma alegação, a existência de fraude”.
Já o juiz do Trabalho Giani Gabriel Cardozo, presidente da Associação Brasileira de Magistrados do Trabalho (ABMT), considera — em caráter pessoal — que a ação do Novo está em sintonia com os princípios que norteiam a atuação dos políticos do partido. “Não me cabe um juízo de valor. O fato de eles estarem atuando é positivo porque estão defendendo os interesses deles, aquilo que eles acreditam, dentro da previsão legal”, afirma.
Para Cardozo, a ação do Novo não tem o condão de reduzir a competência da Justiça do Trabalho. “O número de ações trabalhistas relacionadas a contratos de franquias é pequeno. A prova disso é que eu nunca me deparei com nenhum caso”, afirma. “Além disso, a intenção do Novo é que se aplique a mesma tese de outras decisões do STF, de que inicialmente o juiz estadual analise a regularidade e legalidade do contrato entre o franqueado e o franqueador. Então, não vejo como uma retirada de competência, já que se esse contrato for irregular, posteriormente o processo virá para o juiz do Trabalho analisar se existe um vínculo”, avalia. O risco, na visão de Cardozo, é de os processos se arrastarem mais, já que terão que tramitar em duas esferas distintas.
Quando acusam a Justiça do Trabalho de parcialidade ou de ser tendenciosa, a presidente da Anamatra lembra que a causa das reclamações trabalhistas é o descumprimento das leis e afirma que os críticos esquecem que a legislação é protetiva ao trabalhador. “O Direito do Trabalho é constitucionalizado e a Justiça do Trabalho tem o dever de aplicá-lo. Então, na verdade, há uma narrativa que nos coloca numa posição de desprestígio institucional. E isso é muito preocupante porque a gente está falando de um segmento do Poder Judiciário que tem, e deveria ter, o mesmo respeito que os demais. E não ser colocado como uma Justiça inferior, dizer que a Justiça comum tem mais condições de dizer se aquilo é uma fraude do que a Justiça do Trabalho”.
Consorti considera que os magistrados trabalhistas não estão julgando de forma divergente ao que o STF decidiu, já que casos de pejotização, de Uber e outros que estão sendo levados à Suprema Corte em reclamações não foram incluídos no RE 958.252 (Tema 725 da Repercussão Geral), nem em outros precedentes. “Na verdade, no próprio tema 725 existe um reconhecimento no voto da ministra Rosa Weber de que a pejotização não constou naquela discussão”, argumenta.
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Para o presidente da ABMT, uma eventual decisão do STF na ação trará uma maior segurança jurídica já que por enquanto os ministros do STF só se manifestaram em reclamações, que só produzem efeitos entre as partes. “Não são decisões vinculantes. Então, ainda que exista um estímulo para que se aplique aquela decisão, não é uma aplicação obrigatória, não tenho o dever de observar, embora se possa prestigiar essas decisões individuais”, afirma Cardozo. Uma decisão na ADPF, por outro lado, teria efeito para todos.
Por outro lado, apesar do atual cenário em que algumas reclamações são aceitas e outras não, Conforti considera que a ação de controle concentrado do Novo não é capaz de trazer mais segurança jurídica. “Vejo com uma certa reserva porque o que dá a impressão é que é uma ação constitucional sendo manejada para beneficiar certo segmento econômico, com empresas de alta monta, como a Prudential”, diz a presidente da Anamatra. “Ela traria, sim, uma blindagem para empresas deste segmento específico em que há um interesse econômico muito grande por trás disso”.
“Quem que irá contratar alguém pela CLT se basta que tenha um contrato escrito para remeter para a Justiça Comum e depois, se ela achar que deve, remeter pela Justiça do Trabalho?”, questiona a magistrada.
A presidente da Associação Nacional dos Procuradores e das Procuradoras do Trabalho (ANPT), Adriana Augusta de Moura Souza, assim como a presidente da Anamatra, discorda do pedido da ação. “Os princípios que emergem das ADIs 3.961 e 5.625, ADPF 324, ADCs 48 e 66 e RE 958.252, no tema 725 de repercussão geral sobre a nova morfologia do trabalho e formas de organização da produção e contração sob o manto da terceirização de serviços não conduzem à supressão da competência de uma justiça destacada constitucionalmente para definir a existência ou não de um contrato de emprego em detrimento de um contrato civil”, afirma.
A posição da Associação Brasileira de Liberdade Econômica e da Prudential
Na visão de Juliano Sangalli, presidente da Associação Brasileira de Liberdade Econômica (ABLE), “a lei de franquia tem uma estrutura com ritos contratuais bem definidos e já prevê as hipóteses de nulidade. Um bom exemplo é a exigência da circular de oferta de franquia onde o franqueador tem que, previamente, ao contrato de franquia informar por escrito as condições do contrato e o franqueado pode analisar se aceita aquelas condições contratuais”.
“Isto sem falar que ao escolher o formato de franquia o franqueador se compromete com obrigações contratuais bem definidas. E a competência para o julgamento de questões contratuais foge da esfera da relação de trabalho”, afirma.
“A ABLE defende a livre iniciativa, que é um direito fundamental de empreender previsto na Constituição Federal. Todas evidências científicas vão na linha de que o desenvolvimento econômico anda junto com liberdade econômica. A atuação dos agentes econômicos requer previsibilidade e um pensar sobre as consequências econômicas das decisões judiciais; de forma que a Justiça do Trabalho precisa ser menos interventiva no tema das franquias e seguir a orientação do STF sob pena de gerar insegurança jurídica e interferir na estrutura dos negócios”, avalia Sangalli.
Procurada por ter sido mencionada, a Prudential afirmou que “apoia medidas que promovam a segurança jurídica e fomentam a previsibilidade para se fazer negócios no Brasil”.
“No contexto de decisões judiciais que indevidamente reconhecem o vínculo de emprego em relações jurídicas tipicamente empresariais, inclusive de diferentes setores econômicos, os argumentos apresentados em manifestações da Prudential e de outras empresas representam rigorosamente mera articulação dos princípios fundamentais da Constituição Federal, de leis gerais e normas setoriais, bem como da jurisprudência firme que o próprio Supremo vem elaborando nos últimos anos em termos de ordem constitucional econômica – ADC 48, ADPF 324, temas 725 e 550, por exemplo, e pronunciamentos a pretexto de Reclamações Constitucionais”, afirmou a empresa em nota.
“A ADPF 1149 representa uma oportunidade para o Supremo Tribunal Federal (STF) ratificar e densificar a intepretação constitucional da Corte no sentido de garantir a livre iniciativa, a liberdade de contratação e organização empresarial, assim como o respeito à Separação dos Poderes, às leis, ao juiz natural e à ordem de competência jurisdicional, assegurando a higidez do sistema de franquias e, eventualmente, outros sistemas jurídicos de direito privado”, conclui a Prudential.
O que diz a ação ajuizada pelo Novo no STF sobre os contratos de franquia e a Justiça do Trabalho
Na ação ajuizada no STF nesta terça-feira (14/5), numerada como ADPF 1.149, o Partido Novo requer que seja determinado, em caráter liminar, aos órgãos jurisdicionais de todas as instâncias da Justiça do Trabalho a necessidade de se abster de proferir decisões quando se discuta a validade do contrato de franquia. Caso a liminar não seja concedida, os advogados do Novo pedem ao menos que sejam suspensos todos os processos que discutam o reconhecimento de vínculo empregatício, nos casos em que as partes tenham celebrado prévio contrato de franquia.
“Em que pese alguns franqueadores tenham obtido decisões favoráveis em recentes reclamações constitucionais propostas nesse Egrégio STF contra decisões judiciais que reconheceram a competência da Justiça trabalhista e declararam indevidamente o vínculo empregatício com ex-franqueados, como essas decisões não possuem efeito vinculante, o impacto sistêmico acabou sendo prejudicial para o setor de franquias e para a economia como um todo”, argumentam os advogados Eduardo Antônio Lucho Ferrão, Luciano Benetti Timm, Luiz Felipe Bulus e Lucas Rabêlo Campos, que representam o Partido Novo.
Ao defender a competência da Justiça Comum para julgar os processos que requerem a configuração de vínculo empregatício quando há contratos de franquia, o partido afirma que os magistrados da Justiça Estadual ou árbitros são “experientes em disputas envolvendo franquias e contratos comerciais diversos” e “certamente teriam maior familiaridade e facilidade para analisar os contratos de franquia, inclusive para decidir sobre sua validade e eficácia, o que diminuiria as chances de sucesso de demandas temerárias.”
Por outro lado, afirmam que a escolha de ex-franqueados pela Justiça do Trabalho “para propor essas demandas se deu com o intuito de aproveitar-se da parcialidade sistêmica da Justiça trabalhista, em nítida afronta ao preceito do juiz natural”.
Em 60 casos, elencados no processo, em que os magistrados trabalhistas verificaram haver vínculo empregatício apesar da existência do contrato de franquia, o partido sustenta que não houve “análise ao atendimento à lei de franquia pelos contratos e pela relação vivenciada pelos contratantes. A Justiça Trabalhista, amparando-se em interpretação inconstitucional do princípio da primazia da realidade, passa direto à uma análise tendenciosa acerca dos requisitos estabelecidos na CLT como aptos a configurar a relação empregatícia”. O cenário, afirmam, é de “completa insegurança jurídica”.
De acordo com a petição do Partido Novo, a competência da Justiça Trabalhista, especializada, foi estabelecida pelo que preceitua o art. 114 da Constituição Federal e nesse dispositivo não há previsão para a resolução de controvérsias relacionadas ao Direito Empresarial. Desta forma, “ainda que as reclamações trabalhistas incluam pedido de reconhecimento de vínculo empregatício, a pretensão do ex-franqueado continua condicionada à declaração de nulidade da relação empresarial decorrente da Lei de Franquias”.
Não se ignora a possibilidade de o Poder Judiciário considerar que certos contratos foram inexistentes, ou que são inválidos, ou mesmo que não podem produzir efeitos, dizem os advogados. Mas eles defendem que essa avaliação deve ser feita anteriormente na Justiça comum, por juízes especializados em temas cíveis e mercantis, já que essa foi a opção do legislador.
O Partido Novo afirma que ao analisar 2.565 Reclamações Trabalhistas identificou uma contingência na ordem de R$1.22 bilhão de reais, algo como R$510 mil por ação judicial. Para fins de comparação, de acordo dados do IPEA, as causas trabalhistas têm valor médio em torno de R$42 mil, ou seja, aproximadamente 8% do valor em litígio envolvendo franquias. De forma que, “sob o ponto de vista macro, resta óbvio não se tratar de uma demanda judicial envolvendo profissionais hipossuficientes”.
Os advogados do partido avaliam que “parece claro que todo esse imbróglio e incentivo à litigância decorrentes dos persistentes precedentes da Justiça Trabalhista acabam gerando ineficiência. Recursos consideráveis do orçamento público são direcionados para subsidiar os custos dos processos, assoberbando a justiça trabalhista. Pior ainda, essa sobrecarga resulta na alocação de fundos para o julgamento de demandas entre partes hipersuficientes, prejudicando as ações trabalhistas de partes hipossuficientes, que efetivamente necessitam da Justiça especializada. Isso sem mencionar o aumento das despesas associadas à abertura e manutenção de um negócio”.
A medida é importante para dar racionalidade ao sistema de justiça; é uma medida de economia processual. Não faz sentido o contribuinte arcar com o custo de litigar criado por parte da Justiça do Trabalho, quando já existem precedentes consolidados no STF sobre terceirização e sobretudo sobre a natureza comercial do contrato de franquia, que deve ser julgado no foro eleito ou arbitral”, afirma Luciano Benetti Timm, do CMT Adv, um dos advogados que assina a peça.
Na ação é mencionado que o caso é análogo à ADC 48, na qual o STF firmou tese no sentido de que “uma vez preenchidos os requisitos dispostos na Lei 11.442/2007 [que regula o transporte rodoviário de cargas por terceiros e mediante remuneração], estará configurada a relação comercial de natureza civil e afastada a configuração de vínculo trabalhista”.
Os advogados também consideram que o pedido se relaciona com a razão de decidir do RE 606.003 (Tema 550 da repercussão geral), sobre contratos de representação comercial, no qual foi fixado a tese de que “preenchidos os requisitos dispostos na Lei 4.886/65, compete à Justiça Comum o julgamento de processos envolvendo relação jurídica entre representante e representada comerciais, uma vez que não há relação de trabalho entre as partes”.
O STF e a Justiça do Trabalho
Os ministros do STF têm se manifestado sobre o volume de reclamações constitucionais envolvendo decisões trabalhistas e a divergência de entendimentos da Suprema Corte e dos juízes do Trabalho.
Em março, a ministra Cármen Lúcia, ao falar sobre o papel constitucional do STF nos conflitos decorrentes das novas relações trabalhistas, lembrou que a Corte é a guardiã da Constituição e, como tal, tem prerrogativa para julgar questões sobre trabalho. “Quem diz do Direito Constitucional do Trabalho, em última instância, é o Supremo”, afirmou.
Para Cármen Lúcia, a desobediência de juízes diante de decisões vinculantes do STF gera uma instabilidade individual, empresarial e trabalhista. Ao citar Pontes de Miranda, a ministra lembrou que os operadores do Direito podem questionar para que se mude uma lei, mas enquanto ela estiver vigente, é preciso aplicá-la.
“Eu acho que [essa litigiosidade] prejudica o país, a segurança jurídica e a atratividade do país para fins de investimentos. Você só sabe o custo de uma relação do trabalho no Brasil depois que ela termina, isso é muito problemático, inclusive, do ponto de vista da empregabilidade”, afirmou o presidente do STF.
Em outubro do ano passado, o ministro Gilmar Mendes, em sessão da 2ª Turma da Corte, apresentou pesquisa feita no acervo processual do Supremo que mostra que das 4.781 reclamações protocoladas na Corte naquele ano, 2.566 são classificadas como “Direito do Trabalho” e “Processo do Trabalho”. Em relação à categoria “ramo do Direito”, elas são maioria, representam 54%. Ainda segundo ele, quando alterado o fator de busca e inserida a expressão “Direito do Trabalho” no campo assunto, a quantidade de reclamações sobre o tema localizadas aumenta para 3.055.
Para o ministro, esse dado “não causa espanto” por causa da “visão distorcida” da Justiça do Trabalho, o que pode fazer com que o Supremo tenha que aferir “dezenas, quem sabe centenas de decisões”, que talvez façam com que o Supremo se torne uma “Corte Superior ou Suprema Justiça do Trabalho.”
Já o ministro Edson Fachin tem divergido da posição majoritária da Corte nas reclamações envolvendo Direito do Trabalho. Em um caso específico, envolvendo uma advogada associada e um escritório de advocacia, ele foi seguido por Nunes Marques e Dias Toffoli para negar uma reclamação na 1ª Turma do STF. O ministro Flávio Dino também tem divergido da maioria dos colegas.
A ministra Cármen Lúcia foi sorteada como relatora da ADPF 1.149.