Administração Direta e Administração Indireta: hora de discutir a relação

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A engenhosa diferenciação entre Administração Direta (AD) e Administração Indireta (AI), criada por ocasião do Decreto-Lei 200/1967 – muito citado, pouco conhecido e menos ainda compreendido – parece perdida no tempo.

A Constituição de 1988, a criação da Secretaria do Tesouro Nacional em 1986, a Emenda Constitucional 19/1998, as legislações sobre Compras e Contratos na Administração Pública Federal (Lei 8.666/1993 e Lei 14.133/2021), a Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar 101/2001), a Lei da Governança das Estatais (Lei 13.303/2016) e outros dispositivos legais surgidos nas últimas décadas foram introduzindo camadas de legislações sobre a formulação original a ponto de apenas os servidores públicos mais antigos – a maioria já sexagenária – ainda terem alguma lembrança do sentido da diferenciação.

Na sua formulação original, o DL 200 redesenhava a forma de organização do Estado brasileiro. Incorporou algumas das ideias mais avançadas da época. Valorizou temas como planejamento e orçamento, na época codificados nos conceitos de Planning-Programming-Budgeting Systems (PPBS). Antecipou tendências associadas à vertente mais progressista da Nova Gestão Pública (NGP) associadas às ideias de desconcentração e descentralização administrativa, de modo a favorecer a implementação de políticas públicas.

Distinguiu o controle interno do controle externo, estruturando os princípios que algumas décadas depois dariam origem à Controladoria-Geral da União (CGU), ao mesmo tempo em que retirava do Tribunal de Contas da União (TCU) a atribuição de atuar de forma ex-ante no âmbito do exercício das atividades de controle externo. Previu a necessidade de se estruturarem mecanismos de supervisão ministerial de maneira que a estruturação, expansão e atuação da Administração Indireta ocorresse de forma alinhada com as diretrizes da Administração Direta.

A sofisticação do arranjo institucional proposto na época revelou-se incompatível com a dinâmica governamental adotada pelo governo autoritário (1964-1985). Não surpreendentemente, cada tronco temático acabou produzindo desenvolvimentos próprios. Com isso, perdeu-se a coerência do conjunto e o conteúdo transformador embutido no texto de então.

No campo do planejamento, as ideias de “planejamento para o desenvolvimento” foram sendo progressivamente abandonadas. Num primeiro momento, em função de sua associação com o DNA autoritário do período. Posteriormente, com o formalismo jurídico introduzido pela Constituição de 1988.

Quanto à dinâmica da execução orçamentária e financeira, regida ainda em grande parte pela Lei 4.320/1964, esta perdeu a aderência ao país. A lógica orçamentária foi intensamente judicializada, a ponto de os três Poderes hoje possuírem práticas permanentes de consultas recíprocas, tamanha a incerteza jurídica que cerca a legislação em vigor.

No capítulo “compras públicas”, em quase todo o período de vigência da Lei 8.666 (de 1993 a 2023), aplicavam-se praticamente as mesmas regras de compras e contratos para a administração direta e indireta. Somente após a aprovação da Lei da Governança das Estatais pacificou-se o entendimento de que algumas organizações, como as empresas estatais não dependentes, poderiam possuir regramentos próprios sobre o assunto.

Na esfera de pessoal, a adoção do regime jurídico único em autarquias e fundações, determinada pela Constituição de 1988, produziu uma estatutorização do funcionalismo público, em grande parte motivada pela expectativa do recebimento de aposentadorias integrais (diferentemente daquelas previstas no regime geral de previdência social) e pela percepção de que o regime estatutário garantiria aos servidores públicos uma maior estabilidade no emprego em relação aos empregados contratados sob o regime celetista. Esta interpretação é responsável por uma grande confusão sobre as vantagens e desvantagens de cada um dos dois regimes, debate sempre perpassado por visões distorcidas sobre os deveres, responsabilidades, direitos e benefícios associados a cada um.

A estruturação do caixa único do Tesouro Nacional, inovação institucional do período da Nova República (1985-1990), foi uma importante medida saneadora das finanças públicas. No entanto, a incorporação de autarquias, fundações e estatais dependentes à lógica da centralização financeira, em nome da solidez da política fiscal, dificultou a possibilidade da criação de estruturas de incentivos que promovessem a busca pelo aumento das receitas próprias e o esforço por uma maior produtividade dos gastos destas organizações, ao privá-las dos benefícios oriundos destas ações.

Uma administração pública contemporânea voltada para o desenvolvimento nacional sustentável e para a qualidade e eficiência das entregas públicas para a população e para o país precisa ser pautada por modelos de governança ágeis e efetivos. Precisa retomar sua capacidade de planejamento, não apenas como instrumento burocrático, mas sim como fio condutor da implementação de políticas públicas.

Precisa organizar sua força de trabalho, suas estratégias de compras públicas, sua gestão orçamentária e financeira, seus arranjos institucionais a partir de abordagens modernas, capazes de garantir as flexibilidades necessárias para uma gestão eficaz, a partir de um produtivo alinhamento de incentivos.

Isto passa por resgatar – e atualizar – as distinções entre administração pública direta e indireta, seus modelos institucionais e as consequências práticas e jurídicas desta distinção. Investir em capacidades estatais implica modelar organizações capazes de desempenharem seu papel na tarefa de servir ao público. É chegada a hora de discutir a relação entre administração pública direta e indireta, para aprimorar a gestão pública do país, tornando-a capaz de entregar mais e melhores políticas públicas.