Adicional ao SAT por exposição ao ruído: novas perspectivas à luz da jurisprudência recente

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A Receita Federal tem autuado contribuintes para exigir o recolhimento da contribuição adicional ao Seguro Acidente de Trabalho (SAT), destinada ao custeio da aposentadoria especial concedida a trabalhadores expostos ao agente nocivo ruído. O fundamento dessas autuações reside na decisão paradigmática do Supremo Tribunal Federal no Tema 555 da Repercussão Geral.

Naquele julgamento, o Tribunal Pleno concluiu que, caso o trabalhador fique exposto ao ruído acima dos limites legais de tolerância (85 dB), a declaração do empregador quanto à eficácia do Equipamento de Proteção Individual (EPI) não descaracteriza o tempo de serviço especial para fins de aposentadoria.

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A partir dessa tese, a Receita Federal editou o Ato Declaratório Interpretativo RFB nº 02/2019, aplicando o precedente do Supremo de maneira extensiva às obrigações tributárias. Segundo o entendimento fazendário, a concessão automática da aposentadoria especial imporia aos contribuintes o dever de recolher a contribuição destinada ao seu custeio.

Embora essa interpretação tenha encontrado amparo nos contenciosos administrativo e judicial, a discussão segue ganhando novos contornos.

Recentemente, o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais proferiu o Acórdão nº 2201-012.324, negando provimento ao Recurso Voluntário quanto ao mérito da cobrança da contribuição adicional ao SAT de 6% por exposição ao ruído. Apesar de desfavorável ao contribuinte, a decisão não foi unânime.

O voto vencido do relator discordou da interpretação veiculada no Ato Declaratório Interpretativo nº 02/2019, segundo a qual o STF teria estabelecido uma presunção absoluta de ineficácia dos Equipamentos de Proteção Individual.

Na realidade, argumentou o Conselheiro, o Tribunal concluiu apenas pela insuficiência da mera declaração constante no Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), sem negar a possibilidade de que a empresa comprove, por outros meios, a efetiva neutralização da nocividade. Embora tenha prevalecido entendimento diverso no caso concreto — por insuficiência probatória —, o voto vencido sinaliza uma possível evolução na posição do Carf.

Avanços mais significativos, contudo, verificam-se na jurisprudência judicial. Ao julgar a Apelação Cível nº 5000496-22.2021.4.04.7222/SC, a 1ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, deu provimento ao recurso do contribuinte e reconheceu a inocorrência do fato gerador da contribuição adicional ao SAT.

No caso concreto, discutia-se a cobrança relativa ao período de janeiro de 2015 a dezembro de 2016. A empresa havia produzido robusta prova documental demonstrando que seus colaboradores, embora expostos a ambiente com ruído, utilizavam EPIs eficazes que reduziam a exposição a níveis inferiores a 85 dB(A). Os laudos técnicos elaborados por engenheiro de segurança do trabalho, os programas de controle médico de saúde ocupacional e as audiometrias periódicas comprovavam que as medidas adotadas neutralizavam o agente nocivo.

O desembargador federal Leandro Paulsen, relator do acórdão, assentou que a tributação deve obedecer às garantias e regras previstas no ordenamento jurídico. Segundo o magistrado, se a norma que define o fato gerador do tributo estabelece que a contribuição adicional é devida quando o trabalhador está comprovadamente submetido a condições que ensejam aposentadoria especial, a interpretação da hipótese de incidência não admite a utilização de presunções para exigir tributo quando ele, considerados os limites do regulamento, não é devido.

O relator foi enfático ao delimitar o alcance do Tema 555 do STF: a presunção de ineficácia do EPI para ruído, firmada para a relação previdenciária entre segurado e INSS, não pode ser automaticamente transposta para a relação tributária de custeio. A orientação do Supremo é válida para a análise do direito à aposentadoria especial, mas não autoriza a Receita Federal a alterar o fato gerador do tributo com base em interpretação ampliativa e analógica.

A decisão do TRF4 também ressaltou as consequências práticas de se adotar entendimento diverso. Se a empresa, mesmo fornecendo todos os equipamentos de proteção individual e adotando programas de saúde ocupacional, ainda assim for submetida à tributação majorada, o empregador poderá concluir pela desnecessidade de manter tais medidas, já que seus esforços e investimentos passariam a ser desprezados pela autoridade fiscal. Tal resultado, além de juridicamente inadequado, seria nefasto para o próprio trabalhador — a parte hipossuficiente a quem se destina a proteção previdenciária e trabalhista.

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Esses precedentes apresentam uma nova perspectiva para os contribuintes, pois sugerem que o Carf e os tribunais estão revisitando o entendimento outrora adotado, conferindo interpretação mais favorável às empresas. Tal evolução, associada ao futuro julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 7.773 pelo STF, promete trazer um novo olhar sobre a questão da exposição ao ruído — ajustado aos princípios constitucionais que regem o custeio previdenciário e às evoluções tecnológicas no campo da saúde e segurança do trabalho.