A acondroplasia, a forma mais comum de nanismo, tem um impacto que se estende muito além do aspecto clínico, exigindo uma profunda reflexão sobre a necessidade de políticas públicas consistentes. Os desafios impostos pela condição, que abrange mais de 700 diferentes, foram o tema central de um encontro realizado na Casa JOTA nesta quarta-feira (26/11), em Brasília.
No evento patrocinado pela BioMarin, os painelistas detalharam que, embora a baixa estatura seja a característica mais reconhecida da acondroplasia, o impacto clínico também é importante. As pessoas com a condição têm complicações físicas que afetam diretamente a qualidade de vida.
A endocrinologista pediatra Ivana Van Der Linden explicou como a desproporção dos membros resulta em desafios diários. Ela ainda afirmou que as limitações de mobilidade, somadas às dores constantes, que afetam mais de 70% dos adultos, e à fadiga, dificultam atividades simples. “Como eles têm os membros mais curtos, o braço às vezes não consegue alcançar a cabeça, então eles têm dificuldade de executar tarefas rotineiras como lavar e pentear os cabelos”, disse.
Ainda, a condição pode envolver compressões estruturais que ameaçam a vida das pessoas com acondroplasia. “A face é pequena e o forame magno é mais estreitado. Isso pode levar a um risco maior de morte súbita”, alertou Der Linden. Além disso, apontou ela, a face média pequena e a hipotonia podem levar a infecções de ouvido, dificuldade auditiva e apneias obstrutivas.
Todo esse quadro é agravado pelo preconceito que vai desde o sofrimento psicossocial e o isolamento dos indivíduos afetados, até a invisibilidade da condição nas políticas públicas. Nesse sentido, Kenia Rio, presidente da Associação Nanismo Brasil (Annabra), ressalta que a luta pela acessibilidade real e o combate ao preconceito passa necessariamente pela atenção política. “Infelizmente, o nanismo é invisível. Politicamente, não veem sobre esse pequeno grupo de pessoas e sobre as necessidades dela.”

Neste contexto, ocorreu o lançamento da primeira Frente Parlamentar Mista da Valorização e Defesa dos Direitos das Pessoas com Nanismo – ou “Frente Parlamentar do Nanismo” – com objetivo de defender os direitos das pessoas com nanismo e promover políticas públicas voltadas a esse grupo. De acordo com o deputado federal Daniel Trzeciak (PSDB-RS), a Frente visa garantir que o tema seja tratado com seriedade no Congresso e disse que a ausência de um censo oficial sobre nanismo no Brasil dificulta a criação de políticas eficazes. “Não podemos ter políticas públicas iguais para pessoas diferentes”, afirmou o parlamentar.
Cuidado multidisciplinar e o tratamento medicamentoso
O cuidado adequado para a acondroplasia é complexo, exigindo uma abordagem multidisciplinar. Isso significa que os pacientes necessitam de acompanhamento integrado com diversos profissionais, incluindo ortopedista, neurologista, fisioterapeuta, fonoaudiólogo e psicólogo, como afirmaram os especialistas presentes no evento “Cenário da acondroplasia no Brasil: avanços e desafios”, com mediação de Vilhena Soares, repórter de Saúde do JOTA.
Luiz Claudio Castro, endocrinologista pediatra, afirmou que “tratar é muito mais do que oferecer uma medicação” e envolve preparar a sociedade para que os pacientes tenham acesso à cidadania. Ele enfatizou que é essencial a mudança da multidisciplinaridade para a interdisciplinaridade, onde os profissionais dialogam e trabalham em equipe. “Inovar é também cuidar, é ter prática assistencial. Os tratamentos podem ser com medicamentos ou sem medicamentos. Uma forma de tratar é preparar a sociedade e aquele indivíduo nas várias situações que ele enfrenta no dia a dia”, citou.
Em termos de tratamento, o cenário evoluiu. Por anos, as alternativas eram escassas, sendo o alongamento ósseo uma opção sofrida e o hormônio de crescimento ineficaz. Atualmente, existe o único tratamento medicamentoso disponível no Brasil. A medicação, aprovada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) em 2021, é um análogo do peptídeo natriurético que age diretamente na mutação genética do FGFR3, “tirando aquele freio que está atrapalhando o crescimento ósseo”.
Der Linden citou que o tratamento pode levar a um crescimento mais proporcional e que estudos de longo prazo (11 anos) indicam que o medicamento pode resultar em um ganho de altura adicional médio de 20 cm para meninos e 16 cm para meninas. Os benefícios vão além do crescimento, impactando positivamente o bem-estar psicossocial, a autonomia e a mobilidade. Por isso, Castro relatou a melhora na qualidade de vida observada nos pacientes. “Muitos passaram a conseguir pentear seus cabelos, lavar a cabeça, alcançar a maçaneta para abrir e fechar as portas. Isso significa que eles conseguem alcançar o mundo”, relatou.

Apesar da aprovação, o acesso ao tratamento pelo Sistema Único de Saúde (SUS) está restrito, dependendo de processos de judicialização. Juliana Yamin, presidente do Instituto Nacional de Nanismo (INN), criticou a lentidão na incorporação pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias (Conitec), o que gera uma desigualdade, pois a janela de oportunidade para o tratamento é curta, indo dos seis meses até o fechamento da placa de crescimento (quando há o encerramento do crescimento em altura). Ela descreveu o sofrimento das famílias: “É muito difícil saber que seu filho tem direito, que existe, que é possível dar pra ele uma qualidade de vida melhor, e isso está sendo negado.”
Trzeciak corroborou que “para quem tem uma doença rara, tempo é vida” e defendeu que esses casos precisam ser tratados com excepcionalidade e agilidade no processo de incorporação. “O processo todo é muito moroso. Porém, os cofres públicos gastam muito mais quando se judicializa um processo. O governo precisa compreender que a incorporação de um medicamento no SUS garante acesso a todos, e também se torna um investimento no planejamento orçamentário necessário”, reforçou.
Assista ao evento na íntegra
Este texto foi produzido com apoio de ferramentas de inteligência artificial e revisado por nossos editores, garantindo rigor e qualidade editorial do JOTA.