A tecnologia como arma contra a violência de gênero

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A violência contra a mulher tem características estruturais na sociedade brasileira. Uma pesquisa alarmante do instituto DataSenado sobre o tema estabelece a dimensão do problema. A Pesquisa Nacional de Violência contra a Mulher de 2025 mostra que 27% das brasileiras já sofreram violência doméstica ou familiar provocada por um homem ao longo da vida. Nos 12 meses anteriores à pesquisa, 4% relataram ter sido vítimas, o que significa cerca de 3,7 milhões de mulheres em um único ano.

A pesquisa também revela que a violência é, em grande parte, contínua e silenciosa. Quase 60% das vítimas relatam agressões repetidas em um intervalo inferior a seis meses, e a maioria dos episódios ocorre na presença de outras pessoas, muitas vezes crianças que convivem diariamente com esse cenário de abuso.

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Combater a violência contra a mulher requer presença constante das instituições. Nisso, como em outros casos, a tecnologia pode ser uma aliada essencial. Os dados da TIC Domicílios 2024 mostram isso com clareza.

O acesso à internet alcança 84% dos brasileiros com 10 anos ou mais, o equivalente a cerca de 159 milhões de pessoas. Em 60% dos casos, a conexão é feita exclusivamente pelo telefone celular, que é o principal dispositivo de acesso. Entre as mulheres, o uso exclusivo do celular é maior do que entre os homens (66% contra 54%), e nas classes D/E chega a 86%, o que reforça a centralidade do smartphone na vida de quem está em situação de maior vulnerabilidade.

É nesse contexto que a Defensoria Pública do Estado de São Paulo, a maior do país, se consolidou como uma das principais instituições de apoio às mulheres vítimas de violência. A premissa é de que uma mulher vítima de violência deve ter atendimento completo, englobando o jurídico, psicossocial e orientação integral, sempre com foco em proteção, sigilo e resposta rápida, elementos essenciais em situações de risco iminente. O atendimento presencial continua fundamental, com equipes multiprofissionais que orientam sobre medidas protetivas, registram pedidos urgentes ao Judiciário, oferecem suporte em casos de guarda, alimentos, divórcio, avaliação de risco e encaminhamento a abrigos.

Mas a grande transformação dos últimos anos foi a adoção e ampliação do atendimento remoto, que se tornou uma porta de saída para mulheres que vivem sob vigilância constante. O suporte digital da DPE-SP inclui início de atendimentos por assistentes virtuais como a recém-lançada “Júlia” e WhatsApp, envio de documentos e articulação imediata de pedidos junto às varas de violência doméstica.

O modelo permite que a mulher peça ajuda imediatamente, usando justamente o dispositivo que já faz parte do seu cotidiano. A instituição, com essa estrutura, consegue estar presente e acessível, superando barreiras físicas por meio da rede digital — algo viável porque o celular está horizontalizado entre as mulheres, chegando a praticamente todas as faixas etárias e sociais.

No ano de 2025, entre os meses de abril a outubro, foram realizados 3456 agendamentos referentes a pedidos de medidas protetivas por meio do assistente virtual de atendimento da Defensoria Pública do Estado de São Paulo. Além disso, no primeiro semestre do ano, foram realizados 3.092 atendimentos especializados a mulheres vítimas de violência doméstica, sendo 1.306 virtuais. Em casos de agressão física essa modalidade de atendimento colaborou, em muitos casos, para a proteção da vítima.

Além disso, canais tradicionais como o Disque 180 e o atendimento telefônico continuam ativos e conectados à rede de proteção, integrando a Defensoria com delegacias especializadas, centros de referência, hospitais e o Ministério Público. A lógica é simples: quanto mais formas de contato existirem, mais chances a vítima terá de romper o ciclo de violência.

A combinação entre alta horizontalização do uso de smartphones e o acesso à internet e ferramentas de alta tecnologia expande o alcance das políticas de combate à violência. Ferramentas digitais de segurança, denúncias silenciosas, geolocalização e aplicativos de emergência já fazem parte da rotina de proteção das mulheres. A tecnologia não substitui as políticas públicas, mas amplia seu alcance e sua eficácia.

Cada ligação, cada mensagem enviada, cada pedido de ajuda feito com um simples toque na tela mostra o mesmo padrão: quando a mulher tem um celular à mão, ela carrega também um instrumento de defesa, autonomia e esperança. Em um país onde o telefone móvel é quase onipresente e a internet chega à maioria da população, a tecnologia deixa de ser um acessório e se torna uma aliada decisiva no enfrentamento da violência contra a mulher.