Controvérsia — diferença de opiniões ou polêmica, segundo o Aulete — é uma das primeiras expressões que aparecem na ementa do acórdão 51, de 2024, do plenário do Tribunal de Contas da União (TCU). Foi utilizada para descrever situação levada à Secretaria de Controle Externo de Solução Consensual e Prevenção de Conflitos (SecexConsenso). Mas a leitura do documento dá a impressão de que o caso, desde o início, contava com certa concordância entre os envolvidos — Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), Ministério dos Portos e Aeroportos e Aeroeste Aeroportos S/A, concessionária do aeroporto de Cuiabá.
A história é a seguinte: o contrato de concessão trazia uma obrigação que poderia ser satisfeita de variadas formas. E a concessionária havia previsto, em projeto aprovado pela Anac, que tal obrigação seria atendida mediante a construção de uma nova pista de pouso e decolagem. Mas, durante a execução contratual, em função da demanda do aeroporto estar abaixo da estimada, Anac, ministério e concessionária concluíram que seria injustificável a construção da nova pista e que aqueles investimentos deveriam ser redirecionados a outros aspectos contratuais.
Concedente, regulador e concessionária, todo mundo alinhado.
Mas aí a Anac formulou solicitação de solução consensual ao TCU, chamando-o a participar na resolução de “controvérsia envolvendo a obrigação de investimento para adequação do sistema de pista do Aeroporto de Cuiabá”. A agência queria saber sobre a “necessidade, ou não, sob o aspecto do interesse público” do cumprimento da obrigação contratual na forma de construção da pista. Em outras palavras: a Anac queria saber se poderia mudar seu entendimento quanto ao modo de cumprimento da obrigação.
O procedimento da SecexConsenso contou com envolvimento da auditoria especializada do TCU e do Ministério Público de Contas. Ao final, foi aprovado um Termo de Autocomposição permitindo que a obrigação de construção da pista fosse substituída por outra, a ser definida futuramente.
Ao ler o acórdão, minha primeira percepção foi a de que o desfecho foi bem razoável — ao menos considerando as informações que constam do documento. Mas, logo na sequência, fiquei me indagando se teria sido mesmo necessário envolver o TCU. Uma vez que os envolvidos estavam de acordo com a requalificação da obrigação, e a Anac dispunha de competência para decidir sobre o assunto, por que chamar o TCU para atuar como “conciliador”?
Penso que talvez o TCU tenha servido aos envolvidos mais como “homologador” da solução imaginada, dando-lhes respaldo de que ela não seria posteriormente contestada quando o tribunal estivesse desempenhando sua função fiscalizatória.
Aqui, a via da consensualidade parece ter sido utilizada para viabilizar consulta para o caso concreto — a consulta a que alude a Lei Orgânica do TCU apenas o autoriza a responder a dúvidas em tese. Por essa ótica, a SecexConsenso teria ajudado na prevenção de um possível conflito: que teria, de um lado, Anac, ministério e concessionária, e, de outro, o próprio TCU, mas na condição de fiscalizador.