Ato 1
Poucos meses após a promulgação da Lei nº 13.655/2018 – que trouxe diversas inovações ao Decreto-Lei nº 4.657/1942 (“LINDB”) –, o TCU publicou o Acórdão nº 2391/2018. Nele se fixou o equivocado entendimento de que a exigência do dolo ou erro grosseiro como requisito subjetivo para responsabilização dos agentes públicos (art. 28, LINDB[1]) poderia afastar somente a imposição de penalidades, mas não a pretensão de ressarcimento ao erário. Essa posição se reproduziu em diversas decisões posteriores.
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Ato 2
Seis anos depois, o Tribunal proferiu o Acórdão nº 1835/2024, julgando o mérito de Tomada de Contas Especial que envolvia a imputação de vultosos débitos a ex-agentes públicos[2]. Tratamos dele nesta coluna. A questão do art. 28 não foi apreciada frontalmente, pois naquele caso foi invocada a presença de dolo ou erro grosseiro, o que já seria suficiente para justificar a reparação do dano.
Ainda assim, merece nota o voto declarado pelo Min. Jhonatan de Jesus, que, de forma clara, desassombrada e bem fundamentada, alertou para a necessidade de uma evolução na jurisprudência do TCU sobre o tema.
Como resultado dessas discussões, foi determinado à Segecex que avaliasse os possíveis impactos sobre os processos já julgados pela Corte em razão de possível mudança de entendimento jurisprudencial em relação à aplicação do referido dispositivo da LINDB.
Ato 3
Por fim, na sessão realizada na última quarta-feira, 08/10/2025, foi proferido o Acórdão nº 2305/2025, no qual foram aprovados os resultados dos estudos realizados sob a coordenação da Sejus, em observância à mencionada determinação do Acórdão nº 1835/2024.
Segundo relatado na decisão, tais estudos foram baseados em uma seleção de decisões por amostragem, com utilização de ferramenta de inteligência artificial para a avaliação inicial do conteúdo dos processos selecionados, e sem análise pormenorizada, pela Sejus, de nenhum dos casos concretos filtrados. Também não foi verificado se e em qual medida as decisões que compuseram a base de dados selecionada foram revertidas pelo próprio TCU ou por decisões judiciais.
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Feitas tais ressalvas, estimou-se que a adequação da jurisprudência da Corte ao disposto no art. 28, afastando-se a responsabilização pela reparação do dano quando não verificado sequer o erro grosseiro, poderia afetar, em tese, 215 processos, envolvendo débitos que totalizariam cerca de R$ 840 milhões de reais.
Conforme consignado pelo Relator Min. Benjamin Zymler, os autos tinham somente o “intuito limitado de apresentar os resultados do grupo de trabalho, sem ter, portanto, a pretensão de definir qualquer mudança jurisprudencial a respeito”, sendo “apenas um subsídio para o tratamento da questão nos processos de controle externo.”
Conclusão
Não se sabe ao certo que caminho o TCU seguirá a partir das estimativas especuladas no Acórdão nº 2305/2025, se tais números de fato serão levados em conta como fundamento para a interpretação do art. 28 da LINDB, nem mesmo para qual lado penderá tal interpretação a partir dessas cogitações consequencialistas.
Passados sete anos desde a promulgação da LINDB, urge que o TCU enfrente de forma direta e definitiva a questão, e revisite sua jurisprudência, evitando-se o prolongamento dessa interrogação[3].
Até que isso ocorra, o art. 28 seguirá com sua eficácia limitada por um excesso interpretativo que impede que a norma atinja o fim almejado pelo legislador: a promoção de um ambiente de maior segurança jurídica para os agentes públicos zelosos e de boa-fé.
[1] Art. 28. O agente público responderá pessoalmente por suas decisões ou opiniões técnicas em caso de dolo ou erro grosseiro.
[2] Como consequência dos debates havidos no julgamento do caso, o TCU instituiu grupo de trabalho para avaliar a possibilidade de aplicação supletiva do art. 944, parágrafo único do Código Civil, permitindo-se a redução equitativa da indenização devida ao erário, nos casos em que se verificasse excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano apurado. O resultado foi consignado no Acórdão nº 1370/2023. E, embora não fosse objeto original do grupo de trabalho, o Ministério Público de Contas propôs, já naquela ocasião, que o TCU revisitasse seu entendimento restritivo ao alcance do art. 28 da LINDB, a fim de que fosse afastada a condenação de ressarcimento ao erário quando não verificada a presença de dolo ou ao menos erro grosseiro.
[3] O Acórdão nº 1460/2025, de Relatoria do Min. Bruno Dantas, proferido em julho de 2025, parece sinalizar o começo de uma guinada na jurisprudência do TCU sobre a matéria, sob o entendimento de que a responsabilidade pela reparação ao erário não poderia recair sobre o agente público se este nem sequer fosse beneficiado pelo ato que originou o dano.