A Resolução CVM 193 e a divulgação dos Relatórios IFRS S1 e S2

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A Resolução CVM 193, de 20 de outubro de 2023, posteriormente alterada pelas Resoluções CVM 219/24 e 227/25, inaugura uma etapa decisiva para o amadurecimento do mercado de capitais brasileiro no que tange à transparência e à integração de critérios de sustentabilidade à estratégia empresarial.

Com a nova norma, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) passa a exigir a elaboração e divulgação do relatório de informações financeiras relacionadas à sustentabilidade, em linha com os padrões internacionais emitidos pelo International Sustainability Standards Board (ISSB), conforme recomendação da Organização Internacional das Comissões de Valores Mobiliários (Iosco). A medida posiciona o Brasil como protagonista na adoção formal dos requisitos do ISSB ao seu arcabouço regulatório.

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O ISSB é um órgão técnico criado em 2021 pela International Financial Reporting Standards Foundation com o objetivo de consolidar padrões globais para divulgação de informações financeiras relacionadas à sustentabilidade, de modo a oferecer aos investidores e demais agentes de mercado dados consistentes, comparáveis e verificáveis sobre os riscos e oportunidades climáticas e ambientais que impactam os emissores.

Em junho de 2023, o ISSB publicou seus dois primeiros padrões: o IFRS S1 e o IFRS S2. O IFRS S1 (General Requirements for Disclosure of Sustainability-related Financial Information) estabelece as bases para que empresas divulguem, de forma estruturada e conectada às demonstrações financeiras, informações relevantes sobre riscos e oportunidades sustentáveis que possam afetar seu desempenho, posição financeira e fluxo de caixa no curto, médio e longo prazo.

Já o IFRS S2 (Climate-related Disclosures) complementa o IFRS S1 e determina requisitos específicos para a divulgação de informações relacionadas às mudanças climáticas, com base nas recomendações da Task Force on Climate-related Financial Disclosures (TCFD), incluindo aspectos de governança climática, cenários climáticos e métricas de emissões de gases de efeito estufa (GEE).

Como resultado dos esforços de internalização desses padrões, em outubro de 2024, a CVM publicou as Resoluções CVM 217 e 218, que tornam obrigatórios para as companhias abertas os Pronunciamentos Técnicos CBPS 01 (Requisitos Gerais para Divulgação de Informação Financeira relacionadas à Sustentabilidade) e CBPS 02 (Divulgações Relacionadas ao Clima), ambos emitidos pelo Comitê Brasileiro de Pronunciamentos de Sustentabilidade (CBPS), que atua como ponto de contato do ISSB no Brasil.

As normas nacionais replicam e adaptam os padrões IFRS S1 e S2 à realidade do mercado brasileiro, promovendo maior clareza, segurança jurídica e convergência regulatória.

A divulgação dos novos relatórios será obrigatória para as companhias abertas a partir dos exercícios sociais iniciados em ou após 1º de janeiro de 2026. A Resolução CVM 193, no entanto, previu a possibilidade de adoção voluntária do padrão já a partir de 2024, para exercícios iniciados em 1º de janeiro daquele ano, com divulgação dos relatórios em 2025. A norma não abrange, por ora, companhias fechadas, fundos de investimento ou emissores de menor porte.

A medida tem como consequência direta ampliar a transparência e o acesso dos stakeholders a informações concretas relacionadas aos riscos e oportunidades antevistas pelas companhias com relação à sustentabilidade e ao clima e entender como o tema afeta as decisões da administração.

A falta de divulgação de informações a respeito do tema, como no caso Abrahams vs. Commonwealth Bank of Australia, proposta por acionistas da CBA sob a alegação de que a instituição financeira deixou de divulgar os riscos de negócios relacionados às mudanças climáticas no relatório anual de 2016, teve como resultado um acordo entre as partes.

Nesse acordo, a instituição financeira se comprometeu a realizar análises de cenários relacionados às mudanças climáticas no financiamento de futuros projetos de carbono e garantir que suas políticas de concessão de crédito empresarial apoiem a transição responsável para uma economia de emissões líquidas zero até 2050.

Relevante, também, a ação proposta em 2018 pelo Estado de Nova Iorque contra a Exxon Mobil, multinacional de petróleo e gás, sob o argumento de que a sociedade teria enganado acionistas ao minimizar os riscos esperados das mudanças climáticas em seus negócios.

O Brasil demonstra, com a regulação em referência, não apenas sensibilidade à agenda climática e socioambiental, mas também visão estratégica: ao harmonizar as normas de divulgações com padrões internacionais, aumenta a competitividade das sociedades no ambiente global e favorece a aproximação do mercado internacional, em especial no que tange aos investimentos sustentáveis.

Isso não significa dizer, todavia, que as companhias abertas não enfrentem desafios para a implementação dessas regras. Entre os pontos que demandam atenção, pode-se destacar a necessidade de coordenação entre as áreas da companhia que atuam nas diferentes frentes abordadas pelas normas, a demanda por profissionais capacitados para implementação e, ainda, no cenário macro, a definição da estrutura de governança sob a qual o relatório será elaborado.

Apesar dos desafios, a Resolução CVM 193 inaugura uma era de reporte corporativo no Brasil, integrando de maneira mais tangível e objetiva os fatores relacionados à sustentabilidade às decisões de investimento.

Autores:

Roberta Jardim de Morais, Fernanda Montorfano e Julia Franco – Sócias do Cescon Barrieu

Victor Campinho, Carolina Teixeira Piñeira e Caroline Matos – Advogados associados do Cescon Barrieu