À primeira vista, o título deste artigo pode parecer fora de contexto ou exagerado, mas ele aponta para um fenômeno cujos primeiros contornos são observáveis desde já: a aplicação extraterritorial de normas relativas à regulamentação do lobby.
Hoje, a regulamentação é uma matéria de competência doméstica, de cada país. Há iniciativas internacionais, como, por exemplo, as recomendações da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) sobre princípios de transparência e integridade no lobby, mas, como o próprio nome do ato informa, trata-se de uma recomendação, que deixa margem para ação (ou inação) de cada membro da organização.
O escopo da regulamentação varia de acordo com o país (ou bloco econômico) que a adota, mas um traço comum é a exigência de transparência, operacionalizada por meio de compartilhamento obrigatório de informações com um órgão supervisor ou regulador. Esse traço está presente desde que os Estados Unidos adotaram a primeira medida do tipo, nos anos 1940.
Essa exigência de transparência é o fundamento por meio do qual está surgindo a aplicação extraterritorial da regulamentação do lobby; e essa aplicação é também consequência da nova geração de normas de notificação relacionadas a critérios ambientais, sociais e de governança – o ESG.
O primeiro caso concreto de potencial com grande repercussão é uma diretiva da União Europeia sobre notificação de sustentabilidade por parte de empresas – a CSRD. Essa diretiva, adotada em 2022, altera e amplia norma anterior, criando exigências de compartilhamento de informações por empresas, dentro e fora do bloco, enquadradas em seu escopo.
Esse compartilhamento obrigatório está baseado em um padrão europeu de notificação sobre sustentabilidade – o ESRS. O padrão contém 12 requisitos que as empresas precisam seguir ao realizarem o compartilhamento: dois gerais, horizontais; cinco relacionados a questões ambientais (E); quatro a questões sociais (S); e um sobre conduta empresarial, relacionado à governança (G).
Embora a governança tenha apenas um requisito, o conceito de conduta empresarial é amplo e inclui elementos diversos, de ética e cultura corporativa a anticorrupção, inclusive engajamento político – e esse último conceito abarca influência política, tanto na forma de financiamento de campanha, quanto de lobby.
O texto do ESRS informa que o objetivo da notificação é “prover transparência sobre as atividades e compromissos da organização relacionados ao exercício da sua influência política por meio de contribuições políticas, incluindo o tipo e o propósito das atividades de lobby”.
Ao descrever, de modo distintivo, a exigência relacionada ao lobby, o ESRS especifica que “os principais temas cobertos pelas atividades de lobby e as principais posições adotadas pela organização” devem ser resumidos na notificação.
Além dessas informações, o ESRS recomenda que os valores gastos com lobby sejam notificados, incluindo despesas internas e externas, e despesas com entidades de classe que realizam lobby. Caso estas sejam compulsórias, ela também precisa ser notificada, como parece ser o caso do pagamento compulsório de contribuições às entidades do Sistema S no Brasil, que por sua vez transferem uma parte desse recurso às confederações nacionais e federações estaduais dos principais setores da economia, que realizam atividades de lobby.
A CSRD entrou em vigor em 1º de janeiro, com a primeira leva de compartilhamentos de informações em 2025. A expectativa é que cerca de 50 mil empresas sejam sujeitas à norma.
Sua implementação será por fases: primeiro apenas grandes empresas europeias consideradas de interesse público; depois, grandes empresas europeias em geral ou que sejam matrizes de grandes grupos empresariais; na sequência, pequenas e médias empresas europeias listadas na UE; e, por fim, matrizes não europeias com negócios substanciais na Europa.
Como se percebe, desde o princípio, empresas europeias com atuação no Brasil enquadradas na CSRD deverão notificar suas atividades de lobby no país. Mais à frente, empresas brasileiras que tenham operação substancial na Europa e, portanto, também sejam enquadráveis no escopo da diretiva, terão que realizá-las.
As grandes empresas brasileiras com operação na Europa deverão iniciar a coleta dos dados a partir de 2028, com notificação prevista para o biênio 2029-2030. No caso das empresas europeias com atuação no Brasil, a coleta de dados deverá ter início em 2025, com notificação prevista para o biênio 2026-2027 – prazo que já se iniciou em 2024 no caso de empresas que se enquadrem no conceito europeu de “entidades de interesse público”.
O fim da década parece um horizonte de tempo largo, mas as empresas não devem se acomodar diante dele, pois a CSRD indica uma tendência. Se considerarmos que a UE, pelo seu peso econômico no mundo, costuma ser um regulador de referência, propagando suas normas por meio do chamado “efeito Bruxelas”, é questão de tempo até outros países adotarem padrões de notificação ESG cuja aplicação seja extraterritorial e inclua atividades de lobby.
Assim, as empresas transnacionais brasileiras devem acompanhar a implementação da norma e se preparar para a devida notificação. Por fim, esse é mais um indicativo de que o Brasil está atrasado na agenda de regulamentação da atividade de lobby, sobretudo para conferir-lhe mais transparência.