O Congresso Nacional decretou e a Presidência da República sancionou, com vetos, a Lei Complementar 204 de 28 de dezembro de 2023 tratando da não incidência do ICMS na remessa de bens e mercadorias entre estabelecimentos de mesma titularidade.
Conforme mencionamos anteriormente, o vácuo normativo decorrente da tese firmada pelo STF na ADI 49, segundo o qual o deslocamento de mercadorias entre estabelecimentos do mesmo titular não configura fato gerador da incidência de imposto estadual, e sua posterior modulação dos efeitos da decisão, deveria ser preenchido com a edição de lei complementar pelo Congresso Nacional.
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É importante lembrar que a origem da referida lei complementar é o PLP 116/2023, que previa duas alternativas para a transferência do crédito. A primeira, com a manutenção do crédito, independente do oferecimento à tributação da operação. A segunda, com a transferência do crédito, por opção do contribuinte, equiparando a transferência a operação sujeita a ocorrência do fato gerador do imposto.
A segunda opção foi acertadamente vetada pela presidência da república, uma vez que a determinação do STF era que os Estados disciplinassem a transferência de créditos de ICMS entre estabelecimentos do mesmo titular, considerando, precipuamente, que essa não é uma operação sujeita a incidência do imposto[1].
Ocorre que permanece vigente o Convênio ICMS n.º 178/2023, que é uma tentativa, ilegal e inconstitucional, dos Estados Federados, por meio do CONFAZ, em regular a matéria atinente a transferência do crédito de ICMS nas mencionadas operações.
Primeiro, o Convênio ICMS não é veículo normativo apto para regulamentar a matéria aqui debatida, posto que cabe somente a lei complementar dispor sobre o assunto[2].
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Segundo o Convênio regula a matéria de forma contrária ao que foi decidido pelo STF na ADI 49, que determinou a não incidência do ICMS na remessa de mercadorias entre estabelecimentos da mesma empresa, e ainda, determinou que os estados tão somente disciplinassem a transferência dos créditos.
No entanto, a alternativa proposta pelo CONFAZ é que o ICMS a ser transferido seja lançado a débito na escrituração do estabelecimento remetente, o que se equipara a uma operação com ocorrência do fato gerador (Cláusula Segunda, § 1º, I).
Além disso, o Convênio também prevê a “base de cálculo” da transferência como sendo o valor a correspondente à entrada mais recente da mercadoria ou métodos baseados em apropriação dos custos. Porém, o referido ato normativo também não está apto a definir qualquer alcance do “valor atribuído à operação de transferência realizada”, conforme previsão do inciso I, § 4º do art. 12 da Lei Kandir, conforme alteração da LC 204/2023.
Não fosse somente a açodada regulamentação do CONFAZ, alguns dos Estados Federados estão internalizando as referidas regras na legislação estadual, exigindo o lançamento a débito do imposto destacado na nota fiscal de saída pelo remetente, mesmo após a publicação da lei complementar[3].
Em verdade, qualquer regulamentação que não preveja a não incidência do ICMS na remessa entre estabelecimentos da mesma empresa, garantindo o direito de transferências de créditos da operação contraria o que foi definido pelo Poder Judiciário, e, posteriormente, disciplinado pelo Congresso Nacional.
Está lançado o novo capítulo da celeuma envolvendo a incidência do ICMS na transferência de ICMS, com a colaboração do STF, que sequer deveria se debruçar sobre esse tema já consolidado pelo STJ desde 1996 (Súmula 166 do STJ[4]), do CONFAZ e dos Estados, por regulamentarem o tema material e formalmente de forma contrária ao Supremo, no qual todos auxiliam para a aumentar desordem do nosso conturbado sistema tributário.
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[1] Razões do Veto, nos termos da manifestação do Ministério da Fazenda, acompanhando pelo Presidente da República: “Em que pese a boa intenção do legislador, a proposição legislativa contraria o interesse público, ao trazer insegurança jurídica, tornar mais difícil a fiscalização tributária e elevar a probabilidade de ocorrência de elisão fiscal ou, até mesmo, de evasão.”
[2] Cabe à lei complementar, descrita no art. 146 do Constituição Federal, veicular “normas gerais em matéria de legislação tributária”. Em relação ao ICMS existe dispositivo constitucional expresso pela necessidade de edição de lei complementar para disciplinar o “regime de compensação do imposto”, nos termos da alínea ‘c’, do incido XII, do § 2º, do art. 155, da Constituição Federal.
[3] Exemplos de Estados que regulamentaram a matéria até 03/01/2024: Espírito Santo (Decreto 5.590-R/2024) Rio Grande do Sul (Decreto 57.415/2023), Pernambuco (Decreto 55.989/2023)
[4] SÚMULA N. 166. Não constitui fato gerador do ICMS o simples deslocamento de mercadoria de um para outro estabelecimento do mesmo contribuinte. DJ 23.08.1996