A reforma tributária do consumo e as indispensáveis ações empresariais

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Após anos de debate no Congresso Nacional, finalmente temos uma reforma tributária aprovada para substituição da tributação de consumo atual (PIS, Cofins, ICMS, ISS e IPI) por um sistema de IVA dual (CBS e IBS).

Para a entrada em vigor, é necessária a regulamentação do novo sistema pelo Congresso Nacional a partir da criação de leis complementares que irão detalhar o funcionamento do IVA dual, do Imposto Seletivo e do Comitê Gestor do IBS – que já estão sendo preparadas pelos Grupos de Trabalho criados no âmbito do Ministério da Fazenda[1]. Além disso, é necessário o cumprimento do período de transição de sete anos, que termina em 2032.

Entretanto, apesar de a entrada em vigor do novo sistema ainda depender da regulamentação e do período de transição, são muitos os desafios a serem enfrentados por profissionais das áreas financeira, tributária e de compliance a respeito dos impactos das mudanças que virão com a implementação do novo sistema.

Muitos pontos, de fato, ainda serão objeto de regulamentação, mas o desenho principal dos tributos (fundamentados em experiências internacionais) já é conhecido. Assim, cientes das distorções do sistema anterior, entendemos já ser possível antecipar quatro pontos de atenção que deverão ser observados pelas empresas, quais sejam: (i) preço dos contratos (valor líquido x valor bruto), (ii) nova regra de creditamento, (iii) incentivos fiscais e (iv) sistemas de tecnologia.

Preço dos contratos (valor líquido x valor bruto)

O primeiro ponto para o qual chamamos a atenção é o valor dos bens e serviços, o que inclui a necessidade de revisão da precificação de contratos utilizados atualmente para a formalização das vendas e prestações de serviços.

O atual sistema tributário do consumo prevê a inclusão dos tributos – em especial, ICMS, ISS, PIS e Cofins – no preço das mercadorias e dos serviços.

O novo regime de tributos, por sua vez, incidente sobre o consumo substituiu o ICMS e o ISS pelo IBS e o PIS e a Cofins pela CBS, que são tributos não incluídos no preço das mercadorias e dos serviços.

Portanto, é importante que as empresas revisitem os contratos firmados para reajustar as regras de formação dos seus preços, já que, com a entrada em vigor do novo sistema de tributação, os valores do IBS e da CBS não irão compor o preço das mercadorias e dos serviços.

Além disso, recomendamos que eventuais alterações nos contratos firmados sejam comunicadas/negociadas com as contrapartes com antecedência, para que os aditivos aos contratos vigentes possam ser implementados a tempo, se necessário for.

Nova regra de creditamento

Destacamos, ainda, um segundo ponto para o qual, a nosso ver, as empresas devem estar atentas antes mesmo da entrada em vigor do novo sistema: a identificação dos bens e serviços adquiridos pelo contribuinte que darão direito a créditos do IBS e da CBS.

Atualmente, IPI, PIS, Cofins e ICMS dão direito a créditos dos tributos em relação a alguns insumos que são adquiridos pelo contribuinte, em especial aqueles que são utilizados no processo de produção e incorporados no bem a ser comercializado. O ISS, por sua vez, não dá direito a créditos do imposto no sistema atualmente vigente.

No novo sistema criado pela Emenda Constitucional 132, o contribuinte poderá apropriar-se de créditos do IBS e da CBS sobre todas as aquisições de bens e serviços pelo contribuinte, ainda que não incorporados ao bem ou serviço comercializado pelo contribuinte.

E o novo regime poderá trazer reflexos tanto (i) na carga tributária da empresa, que poderá tomar créditos sobre novos bens e serviços; (ii) no custo de aquisição dos insumos, ou em razão da base ampla do IBS e da CBS, da alteração da carga tributária ou do fim de benefícios fiscais, o que poderia demandar mais caixa das empresas para a aquisição de insumos; como (iii) na carga tributária das etapas subsequentes, que poderão impactar o preço final dos bens e serviços.

Portanto, é importante que as empresas façam uma análise econômica detalhada de todos os bens e serviços atualmente adquiridos que darão direito a créditos do IBS e da CBS no novo sistema e, também, do eventual aumento da carga tributária dos insumos adquiridos e das etapas subsequentes, o que poderá ser feito antes mesmo da entrada em vigor do novo sistema a partir das alíquotas de referência IBS e da CBS indicadas no estudo divulgado pelo Ministério da Fazenda[2].

Incentivos fiscais

Outro ponto que vale ser explorado é a forma como as empresas organizam os seus negócios, a partir de incentivos fiscais estaduais e municipais que se traduzem em carga tributária mais amena e que, muitas vezes, definem a localização dos negócios em razão de tratamentos tributários favorecidos, em especial no que diz respeito ao ICMS e ao ISS.

A Reforma Tributária alterou a forma de cobrança dos tributos incidentes sobre o consumo. Atualmente, a cobrança é feita na origem, mas a partir da entrada em vigor do novo sistema, a cobrança será feita apenas no destino da operação de consumo.

Justamente em razão dos impactos da mudança do local da tributação, a Emenda Constitucional 132 previu a criação de um Fundo de Compensação de Benefícios Fiscais, ainda pendente de regulamentação por lei complementar, que, por anos, irá mitigar as consequências financeiras da mudança do local da tributação.

Ainda assim, eventuais mudanças futuras em modelos de negócios em razão da alteração do local da tributação, em especial na localização dos estabelecimentos industriais e comerciais, podem exigir a realização de reorganizações societárias, custos de logística, demissões de empregados, entre outras providências que, além de tempo, poderão demandar custos extraordinários não previstos pelas empresas.

Portanto, recomendamos que as empresas de diferentes indústrias reavaliem as decisões tomadas sobre a organização dos seus negócios, contratando a análise de auditorias com projeções da carga tributária no novo sistema, sem a utilização dos benefícios fiscais, para que sejam compreendidos os impactos do novo regime de tributação do consumo às respectivas atividades. Assim, será possível às empresas antecipar a eventual tomada de novas decisões com uma estimativa dos custos e dos prazos para possíveis mudanças nos modelos de negócios.

Sistemas de tecnologia

O quarto e último ponto que entendemos importante é a avaliação dos sistemas de tecnologia que são utilizados para a formação dos preços das mercadorias e dos serviços.

Atualmente, a maioria das empresas utilizam sistemas de tecnologia que possuem fórmulas que automaticamente fazem o cálculo dos preços das mercadorias e dos serviços a partir de métricas que são inseridas pelas empresas nesses sistemas, além de servirem de base para a emissão de documentos fiscais e contábeis.

Assim, com as mudanças trazidas pelo novo sistema, é importante que as empresas estejam atentas à necessidade de revisão das métricas utilizadas nos sistemas de tecnologia.

Inclusive, durante o período de transição, o sistema tributário atual coexistirá com o novo sistema aprovado pela Emenda Constitucional 132, de tal forma que os sistemas de tecnologia deverão acompanhar a precificação de bens e serviços a partir das regras dos dois sistemas durante a transição.

Recomendamos, portanto, que sejam avaliados os softwares utilizados para que sejam obtidos esclarecimentos sobre procedimentos, custos e prazos para ajustes nos sistemas. Assim, quando a nova sistemática de tributos passar a vigorar, esses ajustes já terão sido finalizados e implementados.

[1] Os Grupos de Trabalho foram criados pela Portaria MF nº 34/2024

[2] Disponível em: “www.gov.br/fazenda/pt-br/acesso-a-informacao/acoes-e-programas/reforma-tributaria/estudos/8-8-23-nt-mf_-sert-aliquota-padrao-da-tributacao-do-consumo-de-bens-e-servicos-no-ambito-da-reforma-tributaria-1.pdf”