A neoindustrialização e a regulação ineficiente da mineração

  • Categoria do post:JOTA

No último dia 22 de janeiro, o governo federal lançou o Plano de Ação para a Neoindustrialização 2024-2026, o Nova Indústria Brasil (NIB), que visa trazer estímulos para que o país retome o caminho de fortalecimento da indústria nacional, uma vez que “é chave para o desenvolvimento sustentável”, e isso passa pela retomada da confiança dos agentes privados e superação dos entraves ao desenvolvimento, segundo consta do texto divulgado.

Entre os princípios do NIB estão o incremento da produtividade, da competitividade e a sustentabilidade, que se basearão em instrumentos financeiros e não financeiros e, entre esses últimos, se vê a regulação, primando pela redução das ineficiências regulatórias do país.

As compras públicas e as obras de infraestrutura também estão entre os instrumentos de fomento à NIB e, nesse contexto, podemos perceber um preocupante cenário vindouro relacionado à mineração (pouco citada no texto de apresentação do NIB[1], aliás), mas que pode ser prontamente corrigido sem maiores esforços políticos.

Sem dúvidas que o texto do NIB descortina um cenário alvissareiro e gera excelentes expectativas, trata-se de um planejamento para que o país trilhe o rumo da modernização industrial, dando a devida relevância ao investimento nacional em tecnologia digital, bem-estar nas cidades e segurança alimentar, tudo permeado pela proteção ambiental, mas é importante ponderar construtivamente alguns elementos.

O programa considera um desafio para a meta de ampliação da infraestrutura o de “incentivar a agregação de valor sobre recursos minerais no país”, mas foca predominantemente em minerais estratégicos, e não nos associados à construção civil, umbilicalmente ligados ao incremento de portos, aeroportos, casas populares, vias urbanas e rodovias e, portanto, tanto ao programa NIB, quanto ao Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).

A mineração é um setor relevante e é base para a economia do país, está direta ou indireta em praticamente todos os setores produtivos e bens de consumo, tanto que é reconhecidamente de utilidade pública e interesse nacional, conforme expresso no art. 2°, I e II[2] do Regulamento ao Código de Mineração (Decreto 9.406/2018).

Há dados que revelam a extrema lentidão de procedimentos para obtenção do direito de exploração mineral (que é um bem da União, e é gerido pela ANM), principalmente nos regimes de autorização e concessão, podendo chegar a cerca de uma década até a decisão final para a publicação de uma portaria de lavra, o que representa um entrave ao desenvolvimento, que deve ser superado, e gera desconfiança dos agentes privados na tomada de decisão do investimento (justamente quadros que o NIB se propõe a mudar).

As normas jurídicas minerárias preveem um expediente onde minerador pode explorar o bem mineral antes do ato administrativo de concessão da lavra, que se chama Guia de Utilização (GU). O ordenamento jurídico se refere à GU como algo excepcional, entretanto, a dinâmica dos mercados e, principalmente, o sucateamento do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), substituído pela ANM (que ainda enfrenta severos problemas de recursos humanos e orçamentários), fizeram dela uma solução para que o investimento na mineração (e geração de renda e empregos) se desenvolvesse nas últimas décadas.

Ilustrativamente, só no ano de 2020 foram emitidas mais de mil guias de utilização, enquanto foram 527 Portarias de Lavra. Portanto, é de se presumir que muitas das frentes de lavra em operação no Brasil operam com base em GU.

Ocorre que, no Governo Temer, foi publicado o citado Regulamento do Código de Mineração, em junho de 2018, onde foi limitada as emissões das GU, estipulando que deveriam ter prazos de um a três anos, sendo permitida uma única prorrogação[3], antes do Decreto não havia essa limitação e ela passou a ser considerada a partir da publicação da Resolução ANM 37, em junho de 2020.

Então, diante das perspectivas criadas pelo texto do programa NIB, permita-se conjecturar algumas hipóteses plausíveis.

Primeiro, se após a Resolução ANM 37/2020 há a limitação de um prazo (se no máximo) de seis anos para as GU emitidas, isso significa que até 2026 muitas frentes de lavra estarão na iminência de paralização por falta de ato administrativo autorizativo. Inclusive, isso pode estar acontecendo agora, caso o prazo estabelecido na GU seja de dois anos e, considerando ainda a histórica demora na publicação de portarias de lavra.

Esse quadro é de extrema insegurança jurídica para o investimento, para a manutenção de empregos e ainda, caso o mineral esteja na pauta de exportação, uma ameaça à diversificação nas vendas internacionais. Há aí uma nítida falha regulatória, o que vai de encontro aos preceitos do NIB.

Em segundo lugar, há uma temeridade do ponto de vista da sustentabilidade ambiental nessa perspectiva pois, caso uma lavra tenha que ser paralisada pela falta de GU, interromperia o fornecimento de bens minerais vinculados às obras, por exemplo, do PAC e seria preciso que outra frente de lavra fosse aberta.

Isso demandaria um novo procedimento de licenciamento ambiental, com gastos de recursos humanos dos órgãos ambientais e o consumo de recursos naturais de outras origens, enquanto uma outra frente estará sem operação, quando, tecnicamente, poderia estar em plena atividade. Não há nada de sustentável nisso.

Enfim, os agentes regulados podem imaginar outras nefastas consequências práticas dos efeitos dessa limitação temporal das GU que, inclusive, extrapola a lei.

É claro que o procedimento de inspeção acreditada pode vir a diminuir o tempo de tramitação de procedimento minerários, entretanto, para que isso se concretize, é necessária uma mudança de cultura de grande parte do corpo técnico da ANM para se adaptar a esses novos instrumentos.

Antes disso, para ontem, seria necessário que se entendesse as GU não como uma mera excepcionalidade, mas como uma solução para as pequenas e médias empresas mineradoras, que se pare de encarar o bem mineral como uma vaca sagrada, mas como um patrimônio que pode ser concedido por atos administrativos de emissão mais expedita, como a GU, mas sem limitações desarrazoadas de prazos, que não observam as consequências socioeconômicas disso, portanto, antijurídicas, logo há de se revogar o parágrafo único do art. 24 do Decreto 9.406/2018, sob pena de impactar negativamente a neoindustrialização pretendida para o Brasil.

O Plano de Ação para a Neoindustrialização 2024-2026 mira o futuro em busca de uma indústria 4.0 sustentável, com propósitos de avanços tecnológicos, de inovação e aumento do leque de fontes energéticas e isso é tão fundamental quanto superar entraves históricos decorrentes da burocracia.

[1] O texto do programa fala em “recomposição da força de trabalho de agências reguladoras”, mas sequer cita a Agência Nacional de Mineração (ANM), embora cite outras agências.

[2] Art. 2º São fundamentos para o desenvolvimento da mineração:

I – o interesse nacional; e

II – a utilidade pública.

[3] Art. 24.  É admitida, em caráter excepcional, a extração de substâncias minerais em área titulada anteriormente à outorga da concessão de lavra por meio de autorização prévia da ANM, denominada guia de utilização, observada a legislação ambiental pertinente. (Redação dada Pelo Decreto 10.965, de 2022)

Parágrafo único. A autorização a que se refere o caput será emitida uma vez, pelo prazo de um a três anos, admitida uma prorrogação por até igual período, conforme as particularidades da substância mineral, nos termos de Resolução da ANM.