Nos meses de setembro e outubro de 2024, os tribunais superiores decidiram, em recursos repetitivos (Tema 1245/STJ e Tema 1338/STF), pelo cabimento de ação rescisória contra decisão transitada em julgado que contrariou a modulação de efeitos do Tema 69/STF (exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS/Cofins).
Como amplamente sabido, no julgamento do Tema 69 de repercussão geral (tese do século), a Suprema Corte decidiu, em março de 2017, pela inconstitucionalidade da incidência do PIS/Cofins sobre o ICMS. Entretanto, ao julgar embargos de declaração em 2021, o STF modulou os efeitos da decisão para que a inconstitucionalidade da exação tivesse efeitos somente a partir do julgamento de mérito, com exceção das ações ajuizadas até o julgamento de mérito (15/03/2017).
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Ocorre que, entre o julgamento do mérito do Tema 69/STF (em 2017) e a modulação dos seus efeitos (em 2021), muitas decisões judiciais transitaram em julgado reconhecendo a inconstitucionalidade da incidência do PIS/Cofins sobre o ICMS com efeitos ex tunc, isto é, sem considerar a modulação, inclusive decisões proferidas em ações judiciais propostas após 15/03/2017.
Considerando que essas decisões judiciais proferidas em ações judiciais propostas após 15/03/2017 passaram a ficar em conflito com a modulação dos efeitos da decisão do Tema 69/STF realizada pelo STF em 2021, a União promoveu o ajuizamento de ações rescisórias para desconstituição parcial dessas decisões em relação aos fatos geradores anteriores a 15/03/2017.
Ao analisar o tema, os tribunais superiores entenderam pelo cabimento da ação rescisória em face das decisões que contrariavam a modulação de efeitos do Tema 69/STF, ainda que tais decisões tenham transitado em julgado antes da modulação, privilegiado a autoridade da decisão vinculante do STF em detrimento da coisa julgada individual (Tema 1245/STJ e Tema 1338/STF).
A despeito das críticas existentes sobre o posicionamento dos tribunais superiores no tema, em especial o prazo para ajuizamento dessa modalidade de ação rescisória prevista no artigo 535, §§ 5º e 8º, do CPC, o presente texto não pretende discutir o cabimento dessa espécie de ação rescisória, mas sim trazer os motivos que geraram essa discussão e os possíveis caminhos para se evitar tais situações.
Não há dúvida de que a principal razão para o surgimento dessa discussão foi o grande lapso temporal entre o julgamento do mérito do Tema 69/STF, em 2017, e o julgamento dos embargos de declaração, que definiu a modulação dos efeitos da decisão somente no ano de 2021.
Ou seja, a origem da discussão não está na modulação em si, mas na tardia modulação realizada pela Suprema Corte no julgamento dos embargos de declaração após 4 anos do julgamento do mérito do Tema 69/STF.
Importante mencionar que as instâncias ordinárias não tiveram qualquer participação na origem desse problema, pois estavam obrigadas a aplicar o entendimento firmado pelo STF no julgamento do mérito do Tema 69/STF logo após a publicação do acórdão em 2017, conforme determina o artigo 1.040 do CPC.
De acordo com as atuais regras processuais, após a afetação do tema em recurso repetitivo, todos os recursos excepcionais devem ficar sobrestados até a publicação do acórdão paradigma (artigo 1.030, III, do CPC). Com a publicação do acórdão paradigma, os processos suspensos retomam o curso com aplicação imediata da tese firmada pelo tribunal superior (artigo 1.040 do CPC).
Engana-se quem pensa que a tardia aplicação da modulação somente quando do julgamento de embargos de declaração após anos do julgamento de mérito é caso isolado e ocorreu apenas com o Tema 69/STF.
Em julgamento realizado em junho de 2024, a Suprema Corte acolheu pedido formulado em embargos de declaração para modular os efeitos da decisão do Tema 985/STF, definindo que a contribuição previdenciária sobre o terço constitucional de férias será devida a partir de 15/09/2020 (data da ata de julgamento de mérito), diante da alteração da jurisprudência sobre o tema, pois o STJ havia julgado anteriormente em sentido contrário em recurso repetitivo.
Com a modulação, as contribuições já pagas e não questionadas judicialmente até 15/09/2020 não serão devolvidas pela União. Mas ainda pende de julgamento novos embargos de declaração em face dessa modulação.
Ou seja, em mais um caso de grande repercussão jurídica e econômica, o STF modulou os efeitos da sua decisão de forma tardia em julgamento de embargos de declaração, passados quase quatro anos da decisão de mérito, o que também produziu decisões transitadas em julgado que não respeitaram a modulação dos efeitos do Tema 985/STF, e podem gerar novas ações rescisórias caso a modulação do Tema 985/STF seja mantida.
Nestes dois exemplos, procuradores e advogados apresentaram diversos recursos nos milhares de processos que tratam sobre esses temas na tentativa de suspender o seu curso até o julgamento dos embargos de declaração pelo STF, justamente em razão da possibilidade de acolhimento do pedido de modulação dos efeitos da decisão, mas a maioria dos pedidos não foi atendida em razão da já mencionada regra do artigo 1.040 do CPC. O esgotamento recursal que é próprio das decisões que aplicam precedente vinculante foi seguido pelo trânsito em julgado dessas decisões que não respeitaram a posterior modulação.
Reconhecendo a probabilidade de modulação em embargos de declaração, alguns julgadores encontraram sua própria solução e consignaram nos dispositivos de suas decisões a necessidade de adaptação ao que resultar do julgamento dos embargos de declaração pendentes de apreciação pelo STF[1].
Existem outros exemplos do STF e do STJ em que a modulação foi fixada ou alterada somente após o julgamento de embargos de declaração, gerando sérias consequências aos processos que tratam do tema, tais como o Tema 962/STF (inconstitucionalidade do IRPJ/CSLL sobre os juros na repetição de indébito), o Tema 1093/STF (necessidade de lei complementar para a cobrança do Difal), e o Tema 1125/STJ (exclusão do ICMS-ST da base de cálculo do PIS/Cofins devido pelo substituído).
Diante do uso cada vez mais comum da modulação pelos tribunais superiores, é preciso criar mecanismos para se evitar a proliferação de decisões transitadas em julgado contrárias a eventual modulação tardia pelos tribunais superiores, bem como para se evitar o ajuizamento dessa nova modalidade de ação rescisória, cujo cabimento foi validado pelos tribunais superiores (Tema 1245/STJ e Tema 1338/STF).
Além da redução do tempo do julgamento dos embargos de declaração que contenham pedido de modulação, o que já se percebe em julgamentos mais recentes dos tribunais superiores, uma simples alteração normativa seria suficiente para se evitar esse problema.
O caminho sugerido é a inclusão de um parágrafo no artigo 1.030 do CPC para prever que, em caso de apresentação de embargos de declaração com pedido de modulação dos efeitos da decisão paradigma, o sobrestamento dos recursos excepcionais previsto no inciso III do referido dispositivo deve ser mantido até a publicação do acórdão dos embargos. A inclusão de um parágrafo no artigo 1.040 do CPC, que trata dos efeitos da publicação do acórdão paradigma, para prever esse sobrestamento até a publicação do acórdão dos embargos também seria conveniente.
Considerando que o STF costuma realizar a modulação tanto em repercussão geral como em controle concentrado de constitucionalidade, seria necessário também incluir um parágrafo no artigo 28 da Lei 9.868/99 para prever que, em caso de apresentação de embargos de declaração com pedido de modulação dos efeitos da decisão que declara a constitucionalidade (ou inconstitucionalidade) de dispositivo legal, devem ser sobrestados todos os recursos extraordinários que tratam do tema até a publicação do acórdão dos embargos de declaração.
Tal regra seria válida apenas para os primeiros embargos de declaração com pedido de modulação para se evitar embargos protelatórios das partes.
Alternativamente, uma solução mais simples é a alteração do regimento interno dos tribunais superiores para prever que, em relação aos julgamentos em recursos repetitivos ou controle concentrado de constitucionalidade, em caso de oposição de primeiros embargos de declaração com pedido de modulação, o Relator deve determinar o sobrestamento dos recursos excepcionais que tratam do tema até a publicação do acórdão dos embargos de declaração.
Tais sugestões parecem alinhadas com a finalidade dos novos princípios constitucionais da cooperação e da simplicidade instituídos pela EC 132/2023, de modo a evitar novos conflitos a respeito da desconstituição de decisão transitada em julgado contrária à modulação dos efeitos de decisão paradigma realizada posteriormente pelos tribunais superiores.
[1] Como exemplo: “4. Parcial provimento aos embargos de declaração para determinar a necessária adaptação ao que resultar do julgamento dos embargos de declaração opostos no RE 1.072.485, tudo nos termos da fundamentação.” (TRF 3ª Região, 1ª Turma, ApelRemNec – APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA – 0019445-61.2013.4.03.6100, Rel. Desembargador Federal WILSON ZAUHY FILHO, julgado em 26/04/2023, DJEN DATA: 28/04/2023)