A mineração é uma atividade que possui como uma de suas principais características a rigidez locacional, ou seja, somente pode ser desenvolvida nos exatos locais em que se encontram as jazidas minerais na natureza. Essa característica traz consigo diversas consequências como, por exemplo, o surgimento de conflitos locacionais em relação a projetos de geração e transmissão de energia.
Situações que envolvem tais conflitos não são facilmente solucionáveis pelo simples fato de que ambas as atividades são dotadas de interesse público e essenciais ao desenvolvimento nacional, razão pela qual, em 2008, foi criada a figura do Bloqueio Minerário por meio do Parecer/PROGE 500/2008-FMM-LBTL-MP-SDM-JA, adotado com força normativa pelo antigo Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM).
Apesar de o Parecer ter sido editado com o objetivo de oferecer um tratamento jurídico a esses conflitos, visando à compatibilização entre os empreendimentos minerais e os projetos de geração e transmissão de energia elétrica, fato é que o documento foi elaborado com base no art. 42[1], que relativiza a prevalência da atividade mineral em alguns casos, afastando-a em situações de conflito com outros interesses públicos.
De forma bastante sintética, o Parecer Normativo estabeleceu dois critérios a serem analisados para a instituição dos bloqueios minerários: a (i) incompatibilidade de coexistência entre as atividades; e a (ii) superação da utilidade do aproveitamento mineral na área pelo interesse envolvido no projeto energético[2]. Conforme orientação contida no Parecer, os pedidos de bloqueio devem ser instruídos com elementos suficientes à comprovação da incompatibilidade entre as atividades, além de dados relativos à localização dos empreendimentos (energético e minerário).
Assim, diante do silêncio normativo quanto a critérios de análise técnicos e efetivos o que verifica na grande maioria dos casos em que foi utilizado o procedimento trazido pelo Parecer, foi a prevalência muitas vezes desarrazoada dos projetos ligados ao setor energético, com a instituição dos bloqueios sem que sequer sejam considerados todas as características e elementos envolvidos.
Após vários anos de deferimento de bloqueios minerários sem maiores análises quanto à real incompatibilidade e possibilidade de coexistência, o Ministério de Minas e Energia foi de um polo a outro, simplesmente sobrestando todos os pedidos de bloqueio[3] até que seja editada uma nova normativa acerca dos conflitos envolvendo mineração e energia.
Em 1º de julho de 2022, o MME publicou a Portaria 660/GM/MME[4], por meio da qual foi instituído o Grupo de Trabalho – Compatibilização de Projetos de Mineração e do Setor Energético (GT CPMSE), como objetivo a apresentação de uma proposta de ato normativo que contenha “diretrizes e ações visando à solução técnica quando identificada interface ou sobreposição de projetos de Mineração, Energia Elétrica e Petróleo e Gás”.
A iniciativa bastante celebrada pelo setor mineral brasileiro, no entanto, apesar de aparentemente terem sido concluídos os trabalhos ainda em 2022, até o momento não foi editada qualquer nova para tratar do tema que, para todos os efeitos, em que pese o sobrestamento dos processos envolvendo Bloqueios Minerários, ainda permanece sendo regido pelo já bastante defasado Parecer/PROGE 500/2008-FMM-LBTL-MP-SDM-JÁ.
Por parte da Agência Nacional de Mineração (ANM), a informação constante em seu site é de que a agência estaria trabalhando em uma Resolução para regulamentar o assunto, tendo sido o tema incluído em sua agenda regulatória.
De fato, em consulta à agenda regulatória referente ao período de 2022/2024, é possível verificar que o assunto foi incluído entre os projetos a serem desenvolvidos, no entanto, além de não se tratar de uma agenda prioritária, não há informações sobre evolução do tema, o que leva a crer que ainda não teremos uma nova Resolução no curto prazo (antes do fim do período da agenda regulatória).
Diante da omissão do Poder Público em regulamentar uma matéria tão sensível a atividades de interesse público, a única solução para os casos de conflito é o estabelecimento de negociações entre mineradoras e aqueles responsáveis pelos projetos energéticos, as quais, muitas vezes infrutíferas, acarretam o ajuizamento de demandas que se arrastam por anos no judiciário, impedindo o pleno desenvolvimento de empreendimentos essenciais ao desenvolvimento nacional.
Espera-se, portanto, que tanto MME quanto ANM se manifestem acerca dos critérios e procedimentos a serem observados nas situações de conflito entre a mineração e projetos energéticos, possibilitando uma verdadeira compatibilização entre tais atividades, o que efetivamente não foi satisfeito pelas regras trazidas no Parecer/PROGE 500/2008-FMM-LBTL-MP-SDM-JÁ.
[1] Art. 42. A autorização será recusada, se a lavra for considerada prejudicial ao bem público ou comprometer interesses que superem a utilidade da exploração industrial, a juízo do Governo. Neste último caso, o pesquisador terá direito de receber do Governo a indenização das despesas feitas com os trabalhos de pesquisa, uma vez que haja sido aprovado o Relatório.
[2] https://www.gov.br/anm/pt-br/acesso-a-informacao/perguntas-frequentes/bloqueio-de-area
[3] De acordo com a informação disponibilizada no site oficial da Agência Nacional de Mineração, todos os processos envolvendo bloqueio minerários estão atualmente sobrestados, enquanto é aguardada a disponibilização de novas orientações relativas à análise e procedimentos (https://www.gov.br/anm/pt-br/acesso-a-informacao/perguntas-frequentes/bloqueio-de-area#:~:text=O%20que%20%C3%A9%20Bloqueio%20Miner%C3%A1rio,outras%20atividades%20de%20interesse%20p%C3%BAblico)