A (não) incidência do ICMS sobre a TUSD na micro e minigeração distribuída

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Em março deste ano, a 1ª Seção do STJ julgou o Tema Repetitivo 986 (REsps 1.692.023/MT, 1.699.851/TO, 1.734.902/SP e 1.734.946/SP) e decidiu, por unanimidade, que o ICMS incide sobre as tarifas de uso dos sistemas de distribuição (TUSD) e de transmissão (TUST) de energia. No julgamento foi firmada a seguinte tese: “A Tarifa de Uso do Sistema de Transmissão (TUST) e/ou a Tarifa de Uso do Sistema de distribuição (TUSD), quando lançada na fatura de energia elétrica como encargo a ser suportado diretamente pelo consumidor final, seja ele livre ou cativo, integra para os fins do art. 13, §1°, II, “a” da LC 87/96, a base de cálculo do ICMS”.

Anteriormente, em agosto de 2017, o STF havia negado a repercussão geral dessa discussão, no Tema 956, sob o entendimento de que a inclusão da TUSD/TUST na base de cálculo do ICMS incidente sobre energia elétrica é de natureza infraconstitucional. 

Não obstante, em 6 de março de 2023, o Plenário do STF ratificou a tutela cautelar concedida na ADI 7195 para suspender os efeitos do art. 3º, X, da Lei Complementar 87/96, com redação dada pelo art. 2º da LC 194/22, que excluiu expressamente da incidência do ICMS os serviços de transmissão e distribuição e encargos setoriais vinculados às operações com energia elétrica. Não há previsão para o julgamento do mérito da ADI.

Na mesma linha do Tema 956, o STF negou a repercussão geral do Tema 1288, que tratava da incidência do ICMS sobre a TUSD nos casos de micro e minigeração distribuída (MMGD) de energia fotovoltaica pela própria unidade consumidora, sob o entendimento de que se trata de matéria de natureza infraconstitucional. 

Nesse cenário, tendo em vista que no Tema 986 o STJ não tratou da tributação das operações com micro e minigeração distribuída, resta saber se essa decisão também alcança a TUSD devida nessa modalidade de produção de energia.

Em poucas palavras, na micro e minigeração distribuída, o consumidor produz a sua própria energia, como no caso dos painéis solares instalados em residências, injetando o excedente na rede da distribuidora local a título de “empréstimo gratuito” para posterior compensação no âmbito do “Sistema de Compensação de Energia Elétrica” (SCEE), nos termos do art. 1º da Lei 14.300/2022 e do art. 2º, XLV-A da Resolução Normativa Aneel 1.000/21.

O Convênio ICMS 16/2015 autorizou diversos Estados a concederem isenção do ICMS incidente sobre a quantidade de energia compensada no âmbito do SCEE, mas a isenção não se aplica ao custo de disponibilidade, à energia reativa, à demanda de potência, aos encargos de conexão ou uso do sistema de distribuição e a quaisquer outros valores cobrados pela distribuidora. 

Independentemente da isenção assegurada pelo referido Convênio ICMS 16/2015, certo é que em todas as modalidades de MMGD não há a ocorrência do fato gerador do ICMS (não incidência), uma vez esse imposto incide sobre a circulação jurídica de mercadoria, e não sobre a mera transferência física do bem. Nesse sentido é o entendimento consolidado do STJ, por meio da Súmula 166, e do STF, na ADC 49. 

De fato, no caso da MMGD o próprio consumidor-gerador consome a energia por ele produzida, não havendo aquisição ou compra (circulação jurídica envolvendo a transferência de propriedade) de mercadoria, tendo em vista que a distribuidora apenas “devolve” ou compensa a energia injetada pelo consumidor-gerador em sua rede. O consumidor-gerador de energia utiliza a rede de distribuição apenas para possibilitar a compensação da energia. 

No julgamento do Tema Repetitivo 986, o STJ decidiu que a TUSD deve ser incluída na base de cálculo do ICMS sob o entendimento de que “o sistema nacional de energia elétrica abrange diversas etapas interdependentes, conexas finalisticamente, entre si, como a geração/produção (ou importação), a transmissão e a distribuição”.

Dessa forma, como o ICMS não incide sobre a energia produzida/consumida pelo próprio consumidor-gerador, esse imposto não pode ser cobrado isoladamente sobre o transporte de energia (remunerado pela TUSD), considerando que a distribuidora, nesse caso, não fornece energia. Não sendo configurada a interpendência suscitada pelo STJ, porque o consumidor produz e consome a própria energia, sem que haja qualquer aquisição de mercadoria, resta afastada a hipótese de incidência do ICMS sobre a TUSD no caso da geração distribuída.

Além disso, não há base de cálculo a suportar a inclusão do valor pago à distribuidora a título de TUSD, pois não há como incluir uma despesa na base de cálculo de um tributo que não existe. 

A não incidência do ICMS sobre a energia compensada no âmbito do SCEE, bom como sobre a TUSD, foi reconhecida pelo Tribunal de Justiça do Mato Grosso (TJMT), na Ação Direta de Inconstitucionalidade 1018481-79.2021.8.11.0000 e pelo Tribunal de Justiça do Estado do Acre (TJAC), na Ação Direta de Inconstitucionalidade 1001116-54.2022.8.01.0000.

No caso do TJMT, foi expressamente reconhecido que o Tema 986 não se aplica à tributação da TUSD na geração distribuída:

Bem por isso a jurisprudência pátria, inclusive deste Tribunal de Justiça, vem entendendo que em se tratando de energia solar gerada pelo micro e minigerador, é incabível a incidência de ICMS tanto sobre o excedente injetado na rede de distribuição local como pelo uso do sistema de distribuição da concessionária, faturado pela TUSD (Tarifa de Uso do Sistema de Distribuição), uma vez que na operação realizada não ocorre a circulação jurídica do bem (comercialização de energia solar), mas mero empréstimo gratuito, a afastar a ocorrência do fato gerador do citado tributo.” (Voto da Desembargadora Maria Aparecida Ribeiro).

Assim, considerando que no âmbito do “Sistema de Compensação de Energia Elétrica” não ocorre circulação jurídica de mercadoria, uma vez que os consumidores produzem a sua própria energia, a decisão do STJ no Tema 986 não se aplica ao ICMS sobre a TUSD da MMGD, como foi corretamente reconhecido pelo TJMT.