A MP 1185/23 e a saga brasileira da insegurança jurídico-regulatória

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A reforma tributária, agora Emenda Constitucional 132, acabou de ser aprovada pelo Congresso Nacional, tendo sido a reforma estrutural mais esperada dos últimos 30 anos. No início das discussões era esperado que a reforma endereçasse a elevada carga tributária, a complexidade do sistema tributário e o passivo tributário astronômico do país.

Após a reforma aprovada, expectativas tiveram que ser balizadas, pois os sinais mostram que a carga tributária tem grandes chances de aumentar, dado que o Brasil provavelmente possuirá a maior alíquota de IVA do mundo, superando a Hungria com 27%.

Já o passivo tributário, que hoje é de aproximadamente 75% do PIB (1º colocado mundial) e com tendência de alta dada as incertezas e inseguranças que se instauram sobre a transição entre os dois sistemas tributários. De forma mais lúdica para entender o dilema do passivo tributário brasileiro, caso o passivo tributário do Brasil fosse emancipado, ele seria a 15º maior economia do mundo, com um PIB de US$ 1,6 trilhão, roubando a posição do México com um PIB de US$ 1,4 trilhão.

Diante dos pontos apresentados, fica evidente que o desafio brasileiro no campo tributário não é para amadores. No que se refere aos ajustes de expectativas mencionado anteriormente, o principal evento se deu após o jogo da aprovação da reforma tributária ter finalizado, com a prorrogação definida pela aprovação da MP 1185/2023 na comissão mista e no Congresso Nacional em tempo recorde.

A MP 1185 trata do aproveitamento das subvenções econômicas estaduais na base de cálculo do Imposto de Renda Pessoa Jurídica (IRPJ). A reforma tributária já havia endereçado o tema das subvenções econômicas, pois todos os subsídios setoriais tiveram a sua data de encerramento marcada pelo novo dispositivo constitucional, inclusive sendo definida uma regra de transição para que esse fim ocorresse da forma menos traumática possível.

À luz da EC 132, ao longo de dez anos, os subsídios seriam reduzidos gradativamente, garantindo um horizonte de adaptabilidade para as empresas e buscando minimizar os impactos econômicos do fim das subvenções.

O acordo foi firmado sob a benção do Congresso Nacional, tendo as duas casas como testemunha. Contudo, a fome sem fim por arrecadação do Executivo Federal fez com que o acordo fosse quebrado pela edição da MP 1185, que encerrou antecipadamente o aproveitamento da subvenção tributária estadual para fins de investimentos da base do IRPJ.

As subvenções econômicas são subsídios setoriais concedidos pelo governo em busca de fomentar o desenvolvimento de uma atividade sob determinadas condições. É importante mencionar que esse tipo de política pública não é uma exclusividade brasileira, sendo presentes em todos os países do mundo, diferindo apenas em relação à eficiência dos instrumentos propostos.

A eficiência brasileira em desenhar instrumentos de subvenção não é a mais bem reconhecida a nível internacional, em vista dos inúmeros programas de incentivos setoriais que foram fracassados e colocaram o país em uma situação pior do que antes do programa existir.

Embora a discussão sobre a eficiência dos subsídios seja extremamente relevante, o foco do presente texto é discutir o possível impacto da promulgação da MP 1185 sobre as empresas e sobre a segurança jurídico-regulatória brasileira, pois a pouca segurança no ambiente de negócios brasileiro é um dos maiores gargalos ao desenvolvimento do país.

O Custo Brasil

O Custo Brasil é estimado em aproximadamente R$ 1,5 trilhão, sendo a dificuldade em arcar com impostos próxima de R$ 250 bilhões e o ambiente jurídico-regulatório precário em torno de R$ 200 bilhões. A mudança de regra em um tema tão sensível para o planejamento empresarial não possui impacto somente sobre as empresas que terão que se adaptar repentinamente, mas possui impactos significativos sobre a estrutura do ambiente de negócios brasileiro, cuja respeitabilidade internacional não é das melhores.

O elevado Custo Brasil é corroborado pelo antigo indicador de competitividade internacional do Banco Mundial, o Doing Business, o qual posicionava o Brasil na posição 109, dentre 140 países. O índice de competitividade internacional do Banco Mundial buscava medir o quanto um país era simpático ao desenvolvimento de negócios, identificando quais os principais gargalos para o desenvolvimento econômico dos países. Em linha, segundo o indicador de segurança jurídica do World Justice Program que mede o nível de segurança jurídica de 142 países, o Brasil figura na posição 139 no quesito segurança na aplicação de regras e normativos previstos.

Breve histórico jurídico das subvenções e o aproveitamento no IRPJ

As subvenções estatais podem ser classificadas como de custeio ou investimento. O Parecer Normativo CST 112/1978 marcou a distinção dos conceitos de subvenção e, assim, as subvenções para custeio referem-se a recursos destinados a pessoas jurídicas para auxiliá-las em suas despesas correntes ou operações, enquanto as subvenções para investimento, seja através de liberação de recursos ou da concessão de benefícios fiscais, destinam-se ao estímulo para implantação ou expansão de empreendimento econômico.

O Parecer Normativo CST 112/78, referindo-se à Lei 6.404 e ao Decreto-lei 1.578, manifestava o entendimento de que apenas as subvenções para custeio deveriam ser reconhecidas como receitas e tributadas pelo Imposto de Renda, na medida em que as subvenções para investimento seriam registradas diretamente em reserva de capital e não estariam sujeitas ao IRPJ.

Posteriormente, com a revogação da Reserva de Capital – Doações e Subvenções para Investimento pela Lei 11.638/07, ocorreu a alteração do tratamento contábil de ambas as subvenções, que deixaram de ser reconhecidas no PL e passaram a ser contabilizadas em conta de resultado.

A lei 11.941/09 cuidou que as empresas não fossem prejudicadas e permitiu que a entidade controle no LALUR o lucro tributável, o que ocorreria a partir do reconhecimento de tais valores em Reservas de Incentivos Fiscais.

Posteriormente a Lei 12.973/14, em seu artigo 30, ressaltou que as subvenções para investimento não seriam computadas na determinação do lucro real, desde que fossem registradas em reserva de lucros. Ocorre que, com o delineamento contábil e fiscal que permitiria a não tributação das subvenções para investimento, os questionamentos passaram a ter por base a verificação do enquadramento de tais subvenções como de custeio ou investimento.

Para conter a guerra fiscal entre os estados, em 2017 houve a edição da Lei Complementar 160, que alterou a Lei 12.973, qualificando os benefícios fiscais de ICMS como subvenção para investimento.

Desse modo, a partir de então, todos benefícios fiscais convalidados na LC 160 não estão sujeitos à incidência de IRPJ e CSLL, desde que cumpridas as regras de contabilização e destino previstas no artigo 30 da Lei 12.973/14, que trata da reserva de lucros, absorção de prejuízos, ou aumento do capital social.

A questão da subvenção foi apreciada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), e duas decisões tiveram efeitos relevantes para as empresas que possuem tais subsídios.

Inicialmente, em 2018, a 1ª Turma do STJ (Embargos de Divergência nº 1.517.492) definiu que a concessão de créditos presumidos por incentivo estadual não poderia ser objeto de tributação pelo imposto de renda, por constituir uma afronta ao pacto federativo.

Em suma, não pode a União tributar uma riqueza gerada por uma renúncia do estado membro, sendo que tal riqueza é notoriamente voltada a geração de empregos e crescimento da economia desse estado. Cabe observar que a decisão acima refere-se a um benefício considerado “positivo”, visto que o crédito presumido é reconhecido na forma de uma nova receita.

Existem outros casos em que o benefício é dado pelo não pagamento do ICMS. Seriam os casos de isenções, reduções de base de cálculo e outros. Nesses casos, estamos diante de um “benefício negativo” e aqui novo questionamento restou realizado junto ao STJ.

Então, no julgamento do Tema 1.182 (REsp 1945110/RS), restou decidido sob o rito repetitivo que “Impossível excluir os benefícios fiscais relacionados ao ICMS, – tais como redução de base de cálculo, redução de alíquota, isenção, diferimento, entre outros – da base de cálculo do IRPJ e da CSLL, salvo quando atendidos os requisitos previstos em lei (art. 10, da Lei Complementar n. 160/2017 e art. 30, da Lei n. 12.973/2014), não se lhes aplicando o entendimento firmado no ERESP 1.517.492/PR que excluiu o crédito presumido de ICMS das bases de cálculo do IRPJ e da CSLL”.

Como se vê da decisão, a obediência as condições da Lei 12.973 não seriam necessárias nos de créditos presumidos, mas seriam essenciais nas “reduções de base de cálculo, redução de alíquota, isenção, diferimento, entre outros”.

Então, a princípio estaria pacificada a questão das subvenções na medida em que (i) todos os benefícios de ICMS que observarem a LC 160/17 seriam subvenções de investimento, (ii) os créditos presumidos seriam categoria especial de benefício que não precisariam observar a Lei 12.973/14 e, por fim, (iii) caso os demais benefícios observassem os requisitos dessa lei, poderiam ser excluídos na apuração do IRPJ e CSLL.

O impacto da MP 1185

Ocorre que, sob o equivocado entendimento de que as renúncias estaduais deveriam ser tributadas em âmbito federal, a MP 1185 foi taxativa, alterando as regras prevista na LC 160, revogando de forma expressa o artigo 30 da Lei 12.973/14, reduzindo o escopo da legislação sobre subvenções de investimentos.

Em linhas gerais, as subvenções, a partir de então, serão aproveitadas por meio de crédito fiscal que dependerá de uma habilitação prévia junto à Receita Federal e precisarão ter por base a implantação de empresa não domiciliada naquele estado ou a expansão de empresa já estabelecida. Por sua vez estarão limitados ao valor da despesa com expansão e implantação.

O objetivo da referida MP é tributar a subvenção do ICMS pelo IRPJ e CSLL, o que está em desacordo com o artigo 10 da Lei Complementar 160/2017. Portanto, a MP irá alterar o benefício fiscal atualmente vigente e aumentará a burocracia pela necessidade de aprovação da Receita Federal dos investimentos sujeitos ao benefício. Desse modo as disponibilidades de fluxo de caixa das empresas serão impactadas, aumentando a incerteza sobre segurança jurídica brasileira que será repassada via preços aos consumidores.

O principal problema da MP 1185 não é financeiro, embora o efeito financeiro sobre as empresas seja expressivo, pois o impacto às empresas pode chegar até a 44% do seu lucro nos casos mais extremos. O ponto nevrálgico da MP é a insegurança jurídica devido a mudança da regra no meio do jogo, o que possui impacto direto sobre o risco brasil.

Conforme já mencionado, o ambiente de negócios brasileiro não é dos mais atrativos, haja visto o Custo Brasil de R$ 1,5 trilhão, com a insegurança jurídica possuindo um custo de oportunidade de R$ 200 bilhões por ano. Desse modo, a aprovação da MP 1185, transformando-a em lei, somente irá pressionar o Custo Brasil, mostrando aos agentes econômicos que as reformas estruturantes são importantes, mas mais importante é arrecadar, mesmo que ao custo de insegurança jurídica e aumento do passivo tributário.