Embora homônimo do clássico da literatura de Joseph Conrad, nosso título “A Linha de Sombra” nada tem a ver com esta obra. Aquela remete às aventuras de um jovem marinheiro que, decidido a abandonar o ofício, se vê transformar em capitão pela Providência, significando o título do livro a tradução do sentimento do momento em que se percebe a passagem da adolescência para a vida adulta.
Em nosso artigo, vamos falar sobre os talentos corporativos que fazem sombras aos líderes e que são aniquilados das empresas por estes gestores medrosos. Sim, é comum que jovens potenciais sejam demitidos por fazerem sombra ao líder amedrontado. Ou seja, se o talento transpuser uma linha imaginária criada pelo chefe inseguro, gerando medo neste, ele estará liquidado.
O medo do líder em perder o cargo para o talento que lhe faz sombra, seu subordinado mais talentoso e de maior potencial, está ligado a um dos instintos mais primitivos do ser humano, o da sobrevivência. Sim, o instinto de sobrevivência, que significa caçar para sobreviver ou fugir para não morrer, são sentimentos ancestrais, que nos dias modernos são externados por atitudes de defesa e ataque, como os quem fazem demitir um bom funcionário ou este se anular para se manter empregado.
No mundo corporativo, “abater” um potencial sucessor é a mais nítida demonstração desse instinto primitivo. O tema é um tabu e pode avançar em reflexões psicológicas e antropológicas, mas aqui vamos nos concentrar nas ações que a empresa deve adotar para evitar a perda de um talento vítima dessa relação desigual.
Pois bem, colocado o problema e sua origem, como evitá-lo? A resposta é simples, demonstrando ao líder que o cultivo de um talento é um quesito de sua própria “sobrevivência” e crescimento na empresa e não o contrário. Isso mesmo, a empresa deve ser a protagonista na erradicação dessa prática, dessa cultura do medo. Existem técnicas, estratégias e ações para isso. Vamos citar algumas:
Primeiro, instituir a “regra de ouro”, qual seja, o colaborador só poderá ser promovido caso tenha desenvolvido seu sucessor. Essa regra é tão simples e autoexplicativa que dispensa longos comentários. Ela por si só pode extirpar a cultura do “medo da sombra”. Porém, em contraponto, e se o líder não for um talento, ele se transformará em um “blocker “, aquele que trava a ascensão dos subordinados e “mata” o sucessor. Por isso, da importância de outros elementos complementares à “regra de ouro”, os quais veremos a seguir.
Segunda sugestão, implementação movimentações laterais, entre áreas, de forma a auxiliar o resultado positivo da regra de ouro. As movimentações laterais podem deslocar um blocker para outra área liberando espaço para a promoção de um talento. Mas porque reter um blocker? Se este for um box 7, que tem alta entrega mais pouca chance de crescimento, ele é interessante para a empresa. São os designados mantenedores, aqueles que geram entregas consistentes, são os executores, os especialistas etc., tão essenciais ao mundo corporativo quanto os grandes potenciais. Por isso, as movimentações laterais são importantes.
Terceiro, avaliação 360°. Essa ferramenta democratiza a gestão de um talento para a empresa, diminuindo as possibilidades de arbitrariedades do gestor direto. O talento é um recurso da empresa e não do seu líder! Assim, franqueada sua avaliação a um grupo heterogêneo, entre subordinados, pares, líder direto, liderança da empresa, parceiros, steakholders etc, e moderados pelo RH, o resultado seria a justa percepção e preservação do talento, via a transparência e imparcialidade de sua avaliação, trazida por visões de diferentes fontes.
Quarta ação, seria a bonificação a quem indica talentos à empresa. Os colaboradores são os melhores recrutadores. Sabemos que o quadro de funcionários de uma empresa é composto pela mais ampla diversidade de funcionários, estes, de origens diferentes, inclusive de empresas bem diversas, sejam em termos de cultura, história, geografia ou setor. Nessa vivência passada, relacionamentos profissionais surgiram com intensidades variadas. De tal modo que podemos indicar bons candidatos para o atual empregador. Essa ação deve estar impregnada na cultura da empresa e deve ser premiada. Benesse esta que deve ocorrer tanto no momento do ingresso do indicado como nas promoções subsequentes.
Quinta ação, treinamento constante dos colaboradores, em especial dos líderes, visando a proteção do talento e a disseminação de que atos lesivos a essa política da empresa serão penalizados.
Sexta ação, identificar o talento e eleger um mentor para ele, o qual será co-guardião desse profissional, assegurando caminhos e tutela especial para o seu desenvolvimento e retenção.
Sétima ação, ter um canal de denúncia acessível e efetivo no combate a esta prática.
Oitava ação, sem prejuízo de outras, seria a implantação de um processo claro de contratação, desenvolvimento e retenção de talentos, que verteria todos os itens acima em um compêndio, inclusive, elegendo o departamento de recursos humanos como responsável desta política.
Sabemos que este tema existe, é polêmico e pouco discutido nas empresas, mas é necessário seu enfrentamento. Assim, tentamos aqui estimular o debate e a solução desse desconforto e injustiça de gestão corporativa que frusta os bons profissionais e causa constrangimento no mundo dos executivos.