A Lei nº 15.263, de 14 de novembro de 2025, que criou a Política Nacional de Linguagem Simples nos órgãos e nas entidades da administração pública direta e indireta de todos os Poderes da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios, entrou em vigor em 17 de novembro de 2025.
A lei exige que todos os órgãos dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário adotem comunicação clara, direta e acessível para permitir que qualquer cidadão encontre, compreenda e utilize informações públicas sem intermediários.
Nesse sentido, atenta à necessidade de contribuir para maior eficiência da gestão pública e promover a cidadania, a Procuradoria-Geral do Estado de Mato Grosso do Sul (PGE/MS) implementou o projeto Simplifique em 2024[1], por meio da Resolução PGE/MS/Nº 445/2024.
O objetivo é implantar o uso da linguagem simples para facilitar a compreensão das comunicações e manifestações jurídicas da PGE, promovendo uma transformação cultural na linguagem da instituição.
A partir do uso obrigatório da linguagem simples imposto pela lei nacional, é importante que a advocacia pública atue ativamente para concretizar os princípios que orientam a política nacional, tais como: foco no cidadão, transparência, facilitação do acesso dos cidadãos aos serviços públicos e facilitação do exercício dos seus direitos.
Diante de sua missão constitucional de assessorar, orientar e prestar consultoria jurídica aos gestores, as Procuradorias precisam emitir pareceres e orientações jurídicas de fácil compreensão para que os agentes públicos – que nem sempre têm formação jurídica – tomem decisões informadas e implantem as políticas públicas com segurança. Quanto mais clara, objetiva e direta for a linguagem adotada, mais rápido e eficiente será o andamento dos processos.
Mas, afinal, o que é linguagem simples?
De acordo com Heloísa Fischer[2], linguagem simples é uma técnica de comunicação usada para transmitir informações de maneira direta, clara, objetiva e inclusiva, e um movimento social.
Como movimento social, surgido em 1940 e presente em mais de 30 países, defende o direito de cidadãos e consumidores compreenderem as informações que orientam o cotidiano. Prega o uso de um estilo de escrita simples, direto e objetivo como alternativa à linguagem técnica e burocrática, desnecessariamente complicada, de organizações e governos.
Em 2024 a Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) publicou a NBR ISO 24495-1, consolidando as diretrizes para aplicar a linguagem simples no país e reforçando seu caráter técnico e normativo.
É evidente que o principal objetivo da técnica é a clareza e não a simplicidade, embora no Brasil tenha prevalecido o termo “Linguagem Simples”, que induz ao senso comum e gera interpretações equivocadas acerca de suas características.
Escrever em linguagem simples não se restringe a trocar palavras ou eliminar termos técnicos, a técnica engloba diretrizes relacionadas à arquitetura da informação, à estrutura das frases, à escolha de palavras e ao design, conforme propõe o “Manual de linguagem simples da Câmara dos Deputados”[3].
Não há regras absolutas e rígidas para aplicar a técnica, pois depende de identificar o público-alvo, suas características e necessidades, para definir o que deve ser comunicado, como e onde (etapa de planejamento). Algumas das técnicas de redação de texto em linguagem simples estão previstas no art. 5º da Lei n. 15.263/25.
Não há dúvidas de que a linguagem é um problema estrutural que exige mudança na cultura da organização, desconstrução das técnicas aprendidas ao longo dos anos e apreensão de novas técnicas. Em razão disso, após a institucionalização do projeto Simplifique na PGE/MS, o primeiro passo foi a formação inicial de procuradores e servidores em redação jurídica e linguagem simples. Desde então, 162 pessoas já foram capacitadas.
Como forma de incentivar a adesão ao projeto e avaliar os resultados, a PGE/MS criou o “selo simplifique” para ser inserido nas manifestações jurídicas submetidas à análise do Gabinete da PGE e que observem as diretrizes da linguagem simples.
Outras ações implementadas:
- divulgação do projeto nos canais institucionais, tanto para o público interno quanto externo. Destaca-se a publicação quinzenal de conteúdos no Instagram com dicas práticas de linguagem simples;
- reestruturação do site para facilitar a pesquisa e o acesso às informações;
- reformulação das comunicações enviadas pela Câmara Administrativa de Solução de Conflitos (CASC) aos cidadãos;
- reformulação dos modelos de requerimentos relativos à dívida ativa;
- criação do “PGE responde”, um programa com vídeos curtos quinzenais publicados no Instagram da instituição com explicações de termos jurídicos de forma acessível à população;
- elaboração de um guia de bolso com as principais diretrizes da linguagem simples para uso dos procuradores e servidores da PGE/MS;
- início da elaboração do novo regimento interno da PGE com o uso de linguagem simples;
- publicação do guia prático de ementas pautado na linguagem simples, a fim de garantir uniformização, facilitar a pesquisa e a compreensão da matéria abordada nos pareceres;
- reformulação de todos os textos da carta de serviços da PGE.
- mentoria para reestruturar parecer referencial.
Diante do avanço do uso de ferramentas de inteligência artificial (IA), está em fase de testes a utilização de um GPT (Generative Pre-trained Transformer) personalizado para reescrever textos em linguagem simples, treinado com base no Manual de linguagem simples da Câmara dos Deputados.
Destaca-se que o projeto Simplifique conquistou o 1º lugar no XIX Prêmio Sul-Mato-Grossense de Inovação na Gestão Pública e, posteriormente, o 2º lugar na Maratona Linguagem Simples para a Cidadania, promovida pela Câmara dos Deputados.
Apesar dos inegáveis benefícios e da crescente adesão à linguagem simples, sua implementação não está isenta de críticas e resistências, especialmente no âmbito jurídico. Essas objeções, muitas vezes, refletem um apego à tradição e uma preocupação com a manutenção da precisão técnica, elementos que são centrais na cultura jurídica, conforme abordado por Marcos Paulo Santa Rosa Matos em seu artigo “Simplificação da linguagem jurídica e a falácia do espantalho”[4].
Uma das principais preocupações levantadas pelos críticos é a possível perda de precisão técnica. Argumenta-se que a simplificação poderia levar à imprecisão dos termos e conceitos jurídicos, comprometendo a segurança jurídica e a correta aplicação do direito.
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No entanto, defensores da linguagem simples argumentam que a clareza não se opõe à precisão, mas aprimora-a, tornando o conhecimento técnico acessível sem desvirtuá-lo. A complexidade desnecessária, muitas vezes, obscurece o sentido, enquanto a simplicidade bem aplicada pode realçar a exatidão.
Engana-se quem acredita que linguagem simples é sinônimo de superficialidade e simplismo. Pelo contrário, é uma atividade contraintuitiva que exige muito estudo das técnicas e conhecimento jurídico aprofundado para expor de forma direta, sem rodeios, com objetividade e clareza a ideia resultante do raciocínio e argumentação jurídica e eliminando expressões desnecessárias (como as bajuladoras, autoritárias, os latinismos e o famoso “juridiquês” e “burocratês”).
Além disso, exige a habilidade de traduzir de forma acessível para um público não jurídico a ideia construída, partindo-se da nobre experiência de se colocar no lugar do outro. Como dizia Clarice Lispector na obra “A hora da estrela”: “Que ninguém se engane, só consigo a simplicidade através de muito trabalho.”
Por fim, a simplificação da comunicação jurídica não apenas desburocratiza o acesso à informação e aos serviços públicos, mas fortalece a confiança do cidadão nas instituições estatais. Ao superar a resistência cultural e investir na formação contínua, a Advocacia Pública se afirma como agente de transformação social, garantindo inclusão e a efetividade do direito à informação, além de aproximar os cidadãos do Governo.
“Ex positis, é imperioso ressaltar que a simplificação se revela urgente”, seria o mesmo que dizer: “É urgente simplificar”?
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[1] https://www.pge.ms.gov.br/programas-e-projetos/projeto-simplifique/
[2] FISCHER, Heloisa de Medeiros. Impactos da linguagem simples na compreensibilidade da informação em governo eletrônico: o caso de um benefício do INSS. 2021. Dissertação (Mestrado em Design) – Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2021.
[3] ROEDEL, Patrícia (Coord.). Manual de linguagem simples da Câmara dos Deputados. Brasília: Edições Câmara, 2024. Disponível em: https://bd.camara.leg.br/bd/items/706f93f7-3180-463c-a67a-47c57c2de847. Acesso em: 15 jun. 2025.
[4] MATOS, Marcos Paulo Santa Rosa. Simplificação da linguagem jurídica e a falácia do espantalho. Consultor Jurídico – Conjur, 20 mar. 2024. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2024-mar-20/simplificacao-da-linguagem-juridica-e-a-falacia-do-espantalho/. Acesso em: 18 jun. 2025.