A decisão recente do Superior Tribunal de Justiça (STJ) referente ao Recurso Repetitivo, sobre o caráter reparatório ou estético das cirurgias bariátricas e pós-bariátricas (conhecidas como reparadoras), reforçou o que já estava sendo praticado por muitos juízes: a obrigatoriedade do custeio desses procedimentos pelos planos de saúde em caráter reparador ou funcional.
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No Acordão do Recurso Especial 1870834/SP (2019/0286782-1), assinado pelo ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, está destacado que “havendo dúvidas justificadas e razoáveis quanto ao caráter eminentemente estético da cirurgia plástica indicada ao paciente pós-cirurgia bariátrica, a operadora de plano de saúde pode se utilizar do procedimento da junta médica, formada para dirimir a divergência técnico-assistencial, desde que arque com os honorários dos respectivos profissionais e sem prejuízo do exercício do direito de ação pelo beneficiário, em caso de parecer desfavorável à indicação clínica do médico assistente, ao qual não se vincula o julgador”.
Da forma que foi determinada, o Acordão não evitará que os planos de saúde continuem com sua estratégia de negativas, que acabam por afetar tantos pacientes em situação de risco. Serão as juntas médicas, formadas em sua maioria por profissionais ligados de forma direta ou indireta aos planos de saúde, que farão as análises administrativas sobre a necessidade das cirurgias reparadoras em pacientes pós-bariátricas. E o ponto que pode afetar mais a integridade do processo de avaliação: além da junta, a escolha do médico desempatador também é feita pelo plano de saúde, que fornecerá quatro médicos de sua escolha para que o médico assistente eleja o profissional que terá o voto de minerva, o que na prática não garante a imparcialidade do procedimento.
Há, no entanto, uma forma mais imparcial de análise sobre a necessidade de uma cirurgia reparadora pós-bariátrica: a peritagem. O profissional sem ligação com os planos de saúde, que fará uma avaliação isenta e sem conflito de interesses. O grande desafio dos pacientes que necessitam de cirurgia reparadora é, em geral, os procedimentos que vão muito além da abdominoplastia (que retira a sobra de peles apenas do abdômen). Braços, pernas, seios quase em sua totalidade são colocados pelos planos médicos em uma vala comum, como se fossem meramente estéticos e, portanto, dispensáveis.
No Acordão, é ressaltado que “não basta a operadora do plano de assistência médica se limitar ao custeio da cirurgia bariátrica para suplantar a obesidade mórbida, mas as resultantes dobras de pele ocasionadas pelo rápido emagrecimento também devem receber atenção terapêutica, já que podem provocar diversas complicações de saúde”. As cirurgias reparadoras são parte do tratamento para a obesidade e servem para que o paciente, após perder dezenas de quilos em busca de melhorar sua saúde e autoestima, não caia na armadilha do sofrimento das sobras de pele, que causam candidíase de repetição, infecções bacterianas devido às escoriações pelo atrito, odor fétido e hérnias, acabando por gerar sérios problemas psicossociais.
Está na decisão que “apesar de a ANS ter apenas incluído a dermolipectomia abdominal (substituída pela abdominoplastia) e a diástase dos retos abdominais no Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde para o tratamento dos males pós-cirurgia bariátrica, devem ser custeados todos os procedimentos cirúrgicos de natureza reparadora, para assim haver a integralidade de ações na recuperação do paciente, em obediência ao art. 35-F da Lei 9.656/1998”. Mas só quem passa pelo desafio de precisar dos planos de saúde pode citar com experiência os dessabores com os “nãos” automatizados e sistemáticos.
As negativas fazem parte do histórico dos planos de saúde. E o pior é que a decisão provavelmente não reduzirá a judicialização. Pesquisa realizada pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), que contou com apoio financeiro da própria FGV e da Federação Nacional de Saúde Suplementar (FenaSaúde), analisou mais de 100 mil demandas judiciais sobre planos de saúde entre 2018 e 2021 e chegou a um número impressionante: clientes de planos de saúde ganham 6 a cada 10 ações que movem contra as operadoras na Justiça de São Paulo.
A negativa de cobertura assistencial representa a maior parte dos casos na justiça, segundo o relatório da FGV Direito. Nesse tipo de disputa, tanto na 1ª como na 2ª instâncias, o tribunal condenou as operadoras em cerca de 80% dos casos relativos. Se incluída a condenação parcial, então a taxa de sucesso de usuários é de 86%. Alguns casos, são de pacientes com doenças graves, envolvendo câncer e outras que colocam o paciente em clara situação de risco de morte.