A promulgação da Emenda Constitucional 132/23, que alterará toda a dinâmica de tributação do consumo brasileiro, marca o dia 20 de dezembro de 2023 como um importantíssimo e disruptivo feito em nosso país.
A Contribuição ao PIS e a Cofins serão extintos, dando lugar à Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), com hipótese de incidência absolutamente distinta das anteriores. Portanto, o cronograma para a extinção de PIS/Cofins será em 2027, daqui há três anos.
Os benefícios fiscais serão extintos, ressalvadas as exceções constitucionalmente previstas, como redução de alíquota na venda, por exemplo, de itens de higiene pessoal. Haverá, em contrapartida, um Fundo de Compensação de Benefícios Fiscais para salvaguarda dos direitos.
Há, também, uma previsão de que em 90 dias o governo deverá endereçar uma mudança estrutural na tributação da renda, inclusive como forma de compensar eventual e potencial redução da arrecadação sobre o consumo.
Dito isto, com a extinção de PIS/Cofins, nos próximos três anos, e dos benefícios fiscais, com a medida de compensação e a promessa de reformulação da tributação da renda, devemos nos perguntar sobre a conveniência de alteração das regras de tributação das subvenções fiscais no Brasil.
Nada obstante essa série de diretrizes constitucionalmente asseguradas, eis que o Senado Federal aprovou, também em 20 de dezembro, uma medida representativa de um antagonismo iminente, a MP 1185/23, que além de impor a tributação do IRPJ e da CLSS sobre incentivos fiscais, impõe a incidência do PIS/Cofins sobre eles.
Ao criar um crédito federal equivalente à alíquota do IRPJ (25%) sobre o valor do investimento realizado pela pessoa jurídica, à proporção da depreciação ou amortização, o governo federal acabou por majorar a carga tributária sobre a subvenção para investimento em, no mínimo, em 18,25%, eis que não se previu apropriação de crédito equivalente à CSLL (9%) e do PIS/Cofins (9,25%). Além disso, retirou a autonomia dos estados quanto às contrapartidas exigidas para a concessão de incentivos fiscais, desconsiderando, para a base de crédito, qualquer investimento que não seja material e criou uma mais uma lógica tributária: primeiro os tributos serão recolhidos para, depois, serem devolvidos em forma de crédito, inclusive para investimentos já realizados.
Um acinte contra a capacidade contributiva, que exige a proporcionalidade entre carga tributária e capacidade econômica, para dizer o mínimo, além de uma rasteira na legítima expectativa de contribuintes que implementaram investimentos imobiliários ou não de alta envergadura contando com a não tributação dessas subvenções concedidas em especial pelos estados, sem este custo, portanto, de 18,25% na atividade.
É evidente que essa nova regra vai na contramão da nova ordem constitucional estabelecida, pois haverá uma ruptura profunda com os padrões arrecadatórios e parte dos tributos alterados pela MP 1185 deixarão de existir. Além disso, a reforma da renda deverá ser apresentada em até 90 dias da promulgação da Emenda Constitucional. Não seria no mínimo, inconveniente tratar no micro um assunto que será estruturalmente alterado muito em breve?
Além disso, o olhar arrecadatório está parecendo desconsiderar não apenas a conveniência, mas a prudência. Economicamente, os benefícios fiscais são estruturas que permitiram o crescimento e desenvolvimento econômicos no Brasil. O ecossistema logístico, industrial e de prestação de serviços criado a partir da concessão de incentivos fiscais dos estados, de forma condicionada onerosa e, muitas vezes, por prazo certo, será abruptamente rompido com eventual movimento das indústrias para os principais centros consumidores. Uma ruptura com a segurança jurídica, para dizer o mínimo, e uma quebra abrupta das cláusulas apresentadas na legislação diante dos investimentos que foram ou são realizados como contrapartida para a fruição dos incentivos fiscais.
Um estudo da Federação das Indústrias do Estado de Goiás (Fieg) demonstra que a concessão de benefícios fiscais estaduais foi uma importante política pública de desenvolvimento regional e de geração de emprego. Segundo a análise, “a competição pela atração de investimentos e pela sua retenção nos estados periféricos de nossa economia, de uso consagrado no mundo inteiro, foi adotada por aqueles governos”.
Tais benefícios fiscais não são tributados pelo IR/CSLL, tampouco por PIS/Cofins, atendidos requisitos presentes na Lei 12.973/14. Com relação ao crédito presumido, não são sequer fatos geradores, não devendo ser tributados de modo algum porque não representam receita, além do que, acaso o fossem, estaria comprometido o pacto federativo, tal qual já reconhecido pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) no bojo dos Embargos de Divergência no RESP 1.517.492/PR. Investimentos de grande monta de diversas naturezas, entre elas em (pesquisa, desenvolvimento e inovação) são realizados no país com o objetivo de fruir de incentivos fiscais.
E isso ficou registrado em diversos julgamentos da cúpula judicial, sendo imperioso registrar que o Tema 1182, expressamente excepciona, os créditos presumidos de ICMS (tema tratado no ERESP 1.517.492/PR de relatoria da ministra Regina Helena):
Impossível excluir os benefícios fiscais relacionados ao ICMS, – tais como redução de base de cálculo, redução de alíquota, isenção, diferimento, entre outros – da base de cálculo do IRPJ e da CSLL, salvo quando atendidos os requisitos previstos em lei (art. 10, da Lei Complementar n. 160/2017 e art. 30, da Lei n. 12.973/2014), não se lhes aplicando o entendimento firmado no ERESP 1.517.492/PR que excluiu o crédito presumido de ICMS das bases de cálculo do IRPJ e da CSLL.
Para a exclusão dos benefícios fiscais relacionados ao ICMS, – tais como redução de base de cálculo, redução de alíquota, isenção, diferimento, entre outros – da base de cálculo do IRPJ e da CSLL não deve ser exigida a demonstração de concessão como estímulo à implantação ou expansão de empreendimentos econômicos.
Considerando que a Lei Complementar 160/2017 incluiu os §§ 4º e 5º ao art. 30 da Lei 12.973/2014 sem, entretanto, revogar o disposto no seu § 2º, a dispensa de comprovação prévia, pela empresa, de que a subvenção fiscal foi concedida como medida de estímulo à implantação ou expansão do empreendimento econômico não obsta a Receita Federal de proceder ao lançamento do IRPJ e da CSSL se, em procedimento fiscalizatório, for verificado que os valores oriundos do benefício fiscal foram utilizados para finalidade estranha à garantia da viabilidade do empreendimento econômico.
Ora, também se pode, num exercício de empatia, compreender as razões do governo para essa mudança radical. Afirmam que a sistemática de não tributação implicou em uma série de fraudes.
Todo o mercado regular tem interesse em que a Receita Federal cumpra a sua função de fiscalizar os contribuintes que retiram da reserva de lucros (incentivos) o valor excluído da base de cálculo do IR e da CSLL para qualquer finalidade que não aquela prevista em lei (como a distribuição de lucros e dividendos) e não o submetem à tributação. Essa é medida que protege os interesses do fisco, mas, também, muitas vezes esquecido, os dos contribuintes cumpridores de suas obrigações.
Para fruir da desoneração do IR e da CSLL mediante exclusão da subvenção para investimento da base de cálculo dos referidos tributos, o artigo 30 da Lei 12.973/2014 já previa diversos requisitos, entre eles a reserva de lucros, impondo à pessoa jurídica a incidência dos tributos se e quando houvesse desvio de finalidade, o que se dava mediante adição do valor ao lucro líquido para fins de apuração do IRPJ e da CSLL. Caso o contribuinte não efetuasse a tributação, ficaria sujeito à fiscalização e à imposição de multas.
Estas e outras questões foram negligenciadas nas sessões de deliberação da MP para aprovação açodada do aumento da carga tributária sobre o setor produtivo do país.
Não haverá, portanto, diante dessa imprudente e inconveniente aprovação de medida de aumento de carga tributária em 44,25% sobre os incentivos fiscais concedidos pelos estados, outra alternativa aos guerreiros contribuintes, que não buscar se valer do Poder Judiciário para a garantia de que, de verdade, e mais uma vez, os créditos presumidos concedidos pelos estados como contrapartida de investimentos locais não sejam tributados, tudo em homenagem à capacidade contributiva, à segurança jurídica, à legítima confiança e ao direito adquirido.