A inconstitucionalidade do imposto seletivo sobre a extração de petróleo

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A reforma tributária introduziu em nosso ordenamento jurídico um novo imposto, de competência da União, incidente sobre a extração, produção, comercialização e importação de bens e serviços que causem prejuízos à saúde e ao meio ambiente.

O objetivo do novo imposto é encarecer o valor dos bens e serviços nocivos à saúde e ao meio ambiente por meio da imposição tributária. A utilização dos tributos com a finalidade de desestimular o consumo é conhecida como função extrafiscal da tributação.

Isso porque o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) perderá a função indutora de políticas públicas[1], ou seja, a sua função extrafiscal, e serão criados o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), que possuem praticamente as mesmas alíquotas para todos os bens e serviços.

Nesse cenário, havendo a mesma alíquota para todos os bens e serviços, a tributação sobre o consumo deixará de diferenciar produtos em razão de políticas sanitárias, ecológicas e mercadológicas, devendo ser tributados, por exemplo, o salmão e o cigarro da mesma forma.

Diante da equalização dos tributos sobre o consumo no sistema tributário surge a importância do imposto seletivo para aumentar a carga tributária de certos produtos e serviços, mas, conforme expressa previsão constitucional, somente sobre bens e serviços que causem efeitos nocivos à saúde e ao meio ambiente, sendo, portanto, mais restrita a extrafiscalidade do imposto seletivo se comparada com a do IPI.

Traçadas as informações iniciais sobre o novo imposto, a questão que se coloca para reflexão no presente artigo é a incompatibilidade constitucional da sua incidência sobre a extração de petróleo.

Isso porque, apesar de constar a atividade extrativista como núcleo da tributação desse imposto, o complemento da hipótese de incidência exige que haja malefícios ao meio ambiente ou a saúde.

Ao que nos parece, há um erro de premissa quando o poder regulamentador da reforma tributária tenta enquadrar a extração de petróleo como atividade danosa ao meio ambiente, pois tal atividade é responsável por apenas 1% da emissão dos gases de efeito estufa.

Conforme estudo da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), responsável pelos estudos técnicos do Ministério de Minas e Energia, em relação ao setor energético mundial, o Brasil contribuiu, em 2022, com cerca de 1% das emissões de GEE. China, EUA, Índia, Rússia e Japão, juntos, foram responsáveis por quase 60% das emissões relacionadas à energia.[2]

No cenário nacional, conforme ressaltado pela EPE, as emissões na extração e produção de petróleo correspondem a 5,5% do setor energético e 1% do total nacional.

Para que não restem dúvidas sobre a inconstitucionalidade da inclusão do petróleo na lista de itens tributáveis pelo imposto seletivo, vale registrar a conclusão do estudo da EPE sobre a transição energética no Brasil:

“O Brasil já apresenta uma matriz energética equilibrada em termos da participação de fontes renováveis e não-renováveis. O Brasil tem uma ponte de partida distinto no que se refere à contribuição de cada setor da economia para as emissões de GEE: no mundo, o setor energético é o maior responsável; já no Brasil, a maior parte das nossas emissões vem de mudanças de uso da terra e florestas e agropecuária”.[3]

De acordo com o estudo técnico governamental, é visível a incompatibilidade da eleição da extração de petróleo como item ensejador da tributação diante da materialidade do imposto seletivo desenhada constitucionalmente, na medida em que não cabe tributar a atividade extrativista sem que haja uma política pública ligada ao meio ambiente e que tal política seja necessária para induzir modificações no setor econômico impactado pela tributação.

Ausente, portanto, o principal elemento constitutivo traçado pelo Poder Constituinte reformador para essa nova exação. No caso analisado, ou seja, na atividade de extração de petróleo, não há nexo de causalidade entre a incidência tributária e a emissão de gases do efeito estufa suficientes para justificar um tratamento tributário mais gravoso, especialmente se comparado com outras fontes de energia e outros processos industriais mais poluentes.

Ainda sob perspectiva das premissas relacionadas a materialidade do imposto seletivo, é relevante destacar que o combustível e o petróleo são bens distintos.

É importante esclarecer que o petróleo não se confunde com a gasolina, diesel e outros bens que podem ser obtidos após a extração de petróleo e afetam o meio ambiente por serem poluentes.

As características químicas do petróleo diferem das características dos combustíveis, tendo tais bens classificações autônomas pela Nomenclatura Comum do Mercosul. Os combustíveis são obtidos por meio do processamento do petróleo, dando origem, portanto, a outros produtos.

Esse esclarecimento tem como consequência afastar qualquer tentativa de legitimar a tributação sobre a extração do “combustível”, uma vez que o bem extraído do subsolo é o petróleo que, conforme já exposto anteriormente, está em conformidade com as políticas internacionais ambientais.

Conclui-se, portanto, que a tributação sobre a extração do petróleo é inconstitucional, pois está ausente o principal pressuposto constitucional para a tributação dessa atividade no âmbito do imposto seletivo, uma vez que os órgãos de pesquisa vinculados ao Ministério de Minas e Energia apontam que a extração de petróleo representa 1% da emissão de gases estufa, devendo ser levado em consideração, inclusive, que o Brasil apresenta uma matriz energética equilibrada e que a maior parte das emissões são causadas pelas mudanças de uso da terra e florestas, da agropecuária e outros processos industriais.

[1] O IPI passará a ser um instrumento de proteção à Zona Franca de Manaus.

[2] https://www.epe.gov.br/sites-pt/publicacoes-dados-abertos/publicacoes/PublicacoesArquivos/publicacao-809/Sum%C3%A1rio%20Executivo%20-%20O%20papel%20do%20OG%20na%20Transi%C3%A7%C3%A3o%20Energ%C3%A9tica.pdf

Estudo publicado em abril de 2024.

[3] A EPE é uma empresa pública, criada pela Lei 10.847 de 2004, vinculada ao Ministério de Minas e Energia, e tem como objetivo legal, dentre outras funções, realizar estudos e projeções sobre matriz energética.