O artigo 15 da Lei de Concessões (Lei 8.987/95), que versa os critérios de julgamento das propostas nas licitações, ganhou novos contornos com a edição do novo Marco Legal do Saneamento Básico (Lei 14.026/2020) e as exigências impostas aos contratos de concessão do setor. O texto tem como principais diretrizes a regionalização, a universalização e a regulação dos serviços, apresentando em seu artigo 9º uma série de medidas a serem observadas no período antecedente à licitação, como a elaboração de planos, a fixação de metas e de indicadores claros e a adoção de mecanismos para a aferição dos resultados. Uma vez que a concessão se dará mediante a um procedimento licitatório, caberá ao gestor público, na fase interna, tomar as providências e cuidados necessários para determinar qual será o melhor critério de definição da proposta vencedora nos certames: técnica e preço, outorga e preço, apenas outorga ou menor tarifa.
O artigo 11º do Novo Marco Legal dispõe sobre pontos a serem considerados neste estudo preparatório, chamando a atenção para a necessidade da comprovação da viabilidade técnica e econômico-financeira da prestação de serviços, além de cronograma para a universalização. Assim, os gestores públicos devem debruçar especial atenção à fase pré-licitatória para não incorrerem no erro abissal de iniciarem a contratação sem as informações essenciais para a sua concepção.
O principal desafio – e uma das prioridades – da Lei Federal é majorar a capacidade de investimento do setor através da comprovação da saúde econômico-financeira dos projetos de saneamento básico já existentes. Prova disto é que a lei foi expressa e clara ao dispor que os serviços sejam remunerados por meio da cobrança de taxas, tarifas ou outros preços públicos. A razão por trás da necessária cautela se deve à necessidade de aporte para a implementação da infraestrutura inicial. A incapacidade dos fornecedores levaria a uma maior dificuldade na prestação e na universalização tanto do serviço de água e esgoto quanto de coleta, tratamento e destinação dos resíduos sólidos.
Cabe também citar as alterações promovidas pela Lei Federal nº 14.026/2020 às competências da Agência Nacional de Águas (ANA), por meio da inclusão do artigo 4°-A da Lei 9.984/2000. O parágrafo primeiro desse artigo estabelece a competência da agência para emitir normas de referência em questões de sustentabilidade dos serviços públicos de saneamento. Ademais, o Decreto Federal nº 11.599/2023 traz a viabilidade econômico-financeira das operações como ponto de atenção focal para os prestadores.
Adiciona-se a isso o fato de que a falta de ampliação dos serviços de Sistema de Abastecimento de Água (SAA) e Sistema de Esgotamento Sanitário (SES) está atrelada, substancialmente, a incapacidade de investimento e aos indicadores econômicos desfavoráveis, e não à suposta inépcia técnica. O enfoque proposto, deve ser, portanto, a modicidade das tarifas.
Não existem diferenciais tecnológicos para nenhum componente do SAA e do SES que funcionem como referência na definição da melhor proposta. Mesmo quando se considera as fases de construção e operação, não há alto grau de complexidade ou exclusividade que justifique a classificação de concorrentes na licitação desses serviços públicos. O mesmo ocorre quando voltamos a atenção para a cadeia dos resíduos sólidos.
Nesse contexto, a discricionariedade do artigo 15 da Lei Federal nº 8.987/95 deve ser interpretada na perspectiva do Novo Marco Legal, já que é possível e desejável que se analisem as propostas sob a ótica da menor tarifa ou da maior outorga, métricas absolutamente objetivas. Mora na comprovação da viabilidade econômico-financeira dos projetos, e não nas suas particularidades técnicas, a base da promoção e da ampliação do serviço de saneamento básico. E isso, por óbvio, não pode ser desconsiderado na decisão administrativa do critério de julgamento a ser adotado nas licitações. A inadequação da utilização da modalidade melhor técnica nos editais de concessões se baseia, fundamentalmente, na irrazoabilidade da escolha diante do contexto legislativo e fático, visto o avançado estágio de desenvolvimento do setor no Brasil. A opção do gestor público pela adoção do critério melhor técnica, quando injustificada, contraria o interesse público e a modicidade tarifária, sem trazer benefício algum à população.
Destaca-se que nenhuma das concessões e parcerias público-privadas (PPPs) de saneamento estruturadas ou em estruturação pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), referência no país, utiliza a melhor técnica como premissa. Ou seja, nas concessões públicas a adoção do critério que privilegia a técnica em detrimento da menor tarifa deve ser excepcional e necessita de justificativa razoável. Caso o contrário, coloca-se em xeque a efetividade do serviço. O correto julgamento do gestor público a partir do critério que melhor assegura o bem-estar coletivo é vital na obtenção de qualidade, eficiência e sustentabilidade dos serviços prestados, visando a universalização do serviço básico no país. Assim, observa-se as modalidades menor tarifa e maior oferta pela outorga como as escolhas mais acertadas.
A adoção do critério de melhor técnica exige justificativa e estar fundamentada em circunstâncias excepcionais e específicas, considerando as peculiaridades caso a caso, com expressa motivação fática e jurídica. Nesses termos, a faculdade concedida pelo art. 15 da Lei de Concessões (Lei Federal nº 8.987/95) tem como condição de validade a apresentação de claro e objetivo embasamento pelo gestor público, requisito de validade de qualquer ato administrativo.