A hora e a vez da governança nas agências estaduais

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Em artigo anterior, descrevemos as linhas gerais da obra Agências Reguladoras Estaduais – Pesquisa empírica sobre sua maturidade institucional, já em pré-venda neste link. Neste texto, queremos dar mais detalhes da primeira das suas três partes.

Essa primeira parte dedicou-se a identificar as características institucionais dessas agências a partir da análise formal de suas leis instituidoras, regulamentos e regimentos internos. A análise foi dividida em três dimensões da maturidade institucional dessas entidades: autonomia institucional, neutralidade política e governança. Para cada uma dessas dimensões, a pesquisa usou como referência o modelo institucional utilizado pelas agências reguladoras federais, buscando verificar se as leis e regulamentos das agências continham previsões específicas.

Assim, na dimensão autonomia institucional buscou-se verificar a presença de dispositivos que visam garantir uma atuação independente em relação às partes interessadas nos setores regulados (governo, agentes econômicos e usuários). Por exemplo, verificou-se se as leis das agências previam instrumentos como taxas de regulação, a prerrogativa de celebrar termos de ajustamento de conduta, o poder expresso de criar normas, entre outros.

A dimensão neutralidade política, por sua vez, está associada à características institucionais que permitam manter as agências politicamente neutras, ou seja, (tanto quanto possível) insuladas de interesses políticos e econômicos. Assim, nessa dimensão foram verificados elementos que compõem o regime jurídico dos dirigentes das agências, particularmente as regras sobre requisitos ou impedimentos para se tornar dirigente, sobre processo de nomeação e sobre suas garantias funcionais.

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Ambas as dimensões estão intimamente relacionadas com o próprio ideal de independência técnica das entidades reguladoras. A primeira dimensão é formada por características que fortalecem a independência das agências em si. A segunda, dos seus dirigentes.

A terceira dimensão, de governança, está relacionada aos aspectos operacionais das agências reguladoras estaduais, especialmente quanto à adoção de procedimentos adequados no exercício da atividade regulatória. A dimensão engloba, por exemplo, a previsão de mecanismos de participação social, de agenda regulatória e de realização de análise de impacto regulatório.

A análise dessas três dimensões resultou em um indicador formal de maturidade institucional das entidades reguladoras estaduais, o qual nos permite realizar comparações entre elas. O gráfico a seguir sintetiza esses resultados.

A AGEPAR (PR) foi a agência que, de acordo com as dimensões ideais adotadas na pesquisa, apresentou maior maturidade institucional, pelo menos sob a primeira perspectiva da pesquisa, de natureza formal. Em sequência, aparecem a ARSAP (AP), a ARSAE (MG), a AGER (MT) e a ADASA (DF).

Há alguns achados importantes. O primeiro deles, que já mencionamos em outro artigo, diz respeito à variedade dos modelos institucionais das agências estaduais. Enquanto em nível federal o modelo de institucionalização das agências reguladoras independentes é bem estabelecido, seguindo alguns padrões conhecidos, há muito mais diversidade nas normas que criam as agências reguladoras estaduais.

Encontramos, por exemplo, agências com composições bastante distintas dos órgãos de diretoria, a exemplo do modelo da AGERGS (RS), em que há um Conselho Superior formado por 3 conselheiros de livre indicação do governador, 1 representante do quadro funcional, 2 representantes dos consumidores e 1 representante dos concessionários, permissionários e autorizatários de serviços públicos no Estado.

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Esse experimentalismo, por um lado, pode trazer novas soluções interessantes, mas pode também ser uma fonte de fragilidades institucionais dessas entidades. Trata-se, de qualquer forma, de um objeto de estudo muito relevante para a compreensão do fenômeno regulatório, que ainda é pouco compreendido no Brasil.

Além disso, há agências que obtiveram indicadores elevados em uma das dimensões, mas não em outras. Isso mostra a importância de se compreenderem os diferentes elementos que conformam o modelo institucional das agências reguladoras de forma integrada.

Uma agência que possui garantias gerais de autonomia e boas regras de governança, mas poucas garantias para seus dirigentes, regime de seus dirigentes possui sérias fragilidades, provavelmente estará sujeita a um controle político indireto de suas atividades. Algo semelhante aconteceria, por outro lado, se o regime dos dirigentes possuísse diversas garantias, mas a entidade reguladora não tivesse meios de financiamento estáveis ou outras garantias institucionais de atuação independente.

Dentre as três dimensões avaliadas nessa primeira parte da pesquisa, a que obteve os piores indicadores foi a dimensão de governança. De certa forma, esse resultado é esperado, pois, enquanto as duas primeiras dimensões dizem respeito a um problema clássico nos estudos sobre agências reguladoras – a necessidade de garantir a independência técnica desses órgãos –, a terceira dimensão engloba características que começaram a ser valorizadas e implementadas mais recentemente, voltadas para o controle do processo regulatório.

É possível visualizar claramente como os indicadores da dimensão governança tiveram pontuações menores do que as outras duas dimensões.

Isso pode significar que chegou a hora da reforma da governança dessas entidades. No nível federal, o fortalecimento da governança do processo regulatório vem avançando significativamente, especialmente após a promulgação da Lei nº 13.848/2019, o Marco Legal das Agências Reguladoras Federais, e da Lei nº 13.874/2019, a Lei de Liberdade Econômica.

Um dos objetivos declarados desse avanço é promover a convergência regulatória do Brasil com as práticas dos países da OCDE, dando origem à iniciativas como o Programa Reg-OCDE, do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC)

Há iniciativas que buscam avançar essa agenda em nível estadual, como o QualiREG, da Controladoria-Geral da União (CGU), mas certamente há muito espaço para o desenvolvimento de iniciativas integradas de fortalecimento da governança das entidades reguladoras subnacionais, e, por consequência, da atividade regulatória brasileira.