Toda vez que surge um estado de calamidade pública no país, o governo que está no poder acaba criando políticas para amenizar os efeitos econômicos da crise. Isso inclui políticas de cunho trabalhista, que visam proteger os vínculos de emprego entre empregados e empregadores.
Exemplo de política trabalhista com este objetivo, instituída pelo governo federal durante a pandemia da Covid-19, através da Medida Provisória 936/2020, foi o Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda.
Devido às diversas medidas de restrição sanitária impostas pelos entes federativos, a fim de conter a disseminação do vírus, muitos empresários passaram a ficar sem condições financeiras para sustentar os seus negócios e pagar os salários dos empregados.
Dessa forma, o programa passou a permitir que empregador e funcionário pudessem acordar a suspensão temporária do contrato de trabalho (quando não há trabalho e nem salário devido) ou a redução proporcional da jornada e da remuneração do empregado. Sem a MP 936, reduções de salário só poderiam ocorrer por meio de negociação coletiva (com a presença do sindicato dos trabalhadores).
Além de tornar menos oneroso para o empregador manter os vínculos de emprego enquanto durassem esses acordos, ficava garantida a estabilidade dos trabalhadores no emprego e, após este período, a estabilidade se mantinha por tempo equivalente ao acordado.
E como o Programa Emergencial visava manter, além do emprego, a renda do trabalhador, a MP 936 também criou o Benefício Emergencial (BEm), que serviu exatamente para complementar a renda do trabalhador afetado pelo programa, mediante um pagamento feito pela União.
Na prática, o valor do BEm correspondia ao percentual reduzido da jornada pelo acordo entre as partes, tendo como referência a parcela do seguro-desemprego a que o empregado teria direito caso fosse demitido. Ou seja, um trabalhador que tivesse a redução de 25% da jornada e do salário, receberia 25% do valor do seguro-desemprego.
Em 2020, a União financiou o BEm com recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), que é um fundo vinculado ao Ministério do Trabalho destinado ao custeio de programas de cunho trabalhista – como o seguro-desemprego e o abono salarial – sendo a sua principal fonte de financiamento o tributo PIS.
Apesar do aumento do desemprego observado na pandemia, dados do Ministério da Economia demonstraram que 1,5 milhão de empresas e 10,2 milhões de empregos não deixaram de existir graças ao Programa Emergencial em 2020.
Contudo, o Programa Emergencial tinha data de validade – 31 de dezembro de 2020. Após esta data, novos acordos individuais com o objetivo de suspender o contrato ou reduzir, proporcionalmente, o salário e a jornada dos trabalhadores, não poderiam mais ser efetuados. Até que em abril de 2021, diante da piora da pandemia da Covid-19, e diante da pressão do setor empresarial, o Ministério da Economia, por meio da MP 1045/2021, instituiu novamente o Programa Emergencial.
O novo programa, nos seus 4 meses de vigência, ajudou a salvar 2,6 milhões de empregos e beneficiou 634 mil empregadores, de acordo com o Ministério do Trabalho. Contudo, diferentemente do programa de 2020, o BEm em 2021 não foi financiado com recursos do FAT. Com receio de utilizar demasiadamente os recursos do fundo, o que poderia prejudicar outras políticas trabalhistas, foi aberto um crédito extraordinário no valor de R$ 9,98 bilhões para financiar o BEm.
Como pôde se ver, o Programa Emergencial foi eficaz em proteger o emprego e a renda de diversos trabalhadores, além de reduzir a folha de pagamento dos empregadores. Entretanto, desde agosto de 2021, outros estados de calamidade pública decretados pelos entes federativos passaram a não ser mais abrangidos pelo mesmo programa de proteção ao emprego e à renda. Isso inclui o atual estado de calamidade a qual vários munícipios do Rio Grande do Sul vivem por causa das enchentes.
Apesar disso, outras políticas foram anunciadas pelo Governo Federal para socorrer financeiramente as famílias do estado. Para os trabalhadores celetistas, o saque emergencial do FGTS foi liberado, até R$ 6.220. Para os empregadores, ficou autorizado a suspensão do recolhimento do FGTS por 4 meses.
O Governo Federal prometeu ainda pagar 2 parcelas do salário-mínimo aos trabalhadores desses municípios atingidos, tirando a onerosidade dos empregadores pela folha de pagamento por 2 meses. Os empresários, contudo, devem garantir a estabilidade desses trabalhadores durante o período.
Infelizmente, para além do caso do Rio Grande do Sul, vários estados de calamidade são decretados pelos entes federativos devido a tragédias climáticas, e sempre há diferentes formas da União enfrentar essas questões, ainda mais no âmbito trabalhista.
Isso ocorre pela falta de políticas de Estado e porque cada governo quer “deixar sua marca” com políticas novas. Um claro exemplo disso são os programas de transferência de renda, que todo governo tende a criar o seu próprio: como o Bolsa Alimentação (governo FHC), o Bolsa Família (governo Lula) e o Auxílio Brasil (governo Bolsonaro).
Em contraste com o Brasil, países como a Alemanha têm políticas de Estado que funcionam independentemente do governo e do partido político.
O programa alemão de promoção do emprego, o Kurzarbeit (em português, trabalho reduzido), foi instituído no país durante a crise financeira de 2008-2009 e não deixou de vigorar no ordenamento jurídico alemão desde então.
Da mesma forma que o Programa Emergencial brasileiro, o programa alemão foi criado com o objetivo de evitar o aumento no número de demissões, a partir da redução total ou parcial da jornada de trabalho por meio de acordo individual. Durante o período de adesão ao Kurzarbeit, o empregador mantém o pagamento integral do salário pelas horas trabalhadas, enquanto o governo alemão paga ao empregado uma porcentagem de sua remuneração pelas horas reduzidas.
Os resultados do Kurtzarbeit foram considerados efetivos no enfrentamento da crise de 2008-2009. A Alemanha acabou sendo o único país do G7 a não ter um aumento do desemprego em 2009.
Já durante a pandemia da Covid-19, no mês de abril de 2020, dados da Agência Federal de Emprego da Alemanha demonstraram que 610 mil estabelecimentos com 5,99 milhões de trabalhadores foram beneficiados pelo Kurzarbeit. Em janeiro de 2021, na segunda onda da Covid-19, o programa alemão beneficiou 421 mil estabelecimentos e 3,29 milhões de trabalhadores.
Na Alemanha, portanto, o mesmo programa foi responsável por enfrentar duas grandes crises econômicas. Já no Brasil, ao invés de se instituir uma política permanente, cada governo espera surgir uma nova calamidade para agir, prejudicando os cidadãos que precisam de políticas eficazes e instantâneas para enfrentar questões financeiras.
É por essa razão que o Programa Emergencial, da mesma forma que o Kurzarbeit, deveria se tornar uma política trabalhista de Estado, podendo ser acionada toda vez que alguma região do país passe por um estado de calamidade pública. Ainda, se este programa for financiado pelo FAT (como em 2020), não haverá necessidade de o governo ter de utilizar recursos do Tesouro Nacional para bancar a renda desses empregados, o que pode evitar um aumento ainda maior da dívida pública, hoje em 74,3% do PIB.
Obviamente o FAT financia outros programas e seria necessária uma mudança nas regras destes para que o Programa Emergencial também possa ser financiado por este fundo.
O importante é que o Poder Público foque cada vez mais na criação de políticas de estado. Afinal, políticas de governo acabam sendo muitas vezes criadas como forma de enaltecer o “governo da vez”, e nem sempre são eficazes e eficientes. Estudos mostram que políticas sociais que duram mais tempo tendem a ser mais efetivas em ajudar as pessoas, visto que precisam levar mais em conta o custo-benefício, o que vai levando-as ao aperfeiçoamento com os anos.