O Brasil assinou recentemente um acordo internacional com mais de 120 países para a atração de investimentos estrangeiros, de olho no financiamento do seu Plano de Transformação Ecológica. É inegável a urgência imposta pelas mudanças climáticas e seus efeitos adversos no desenvolvimento social, ao mesmo tempo em que o alto custo envolvido na transição produtiva é um desafio a ser superado.
Os recursos necessários, rumo a uma economia de baixo carbono, dependem em grande parte da possibilidade de se agregar valor a esse processo, de forma que a melhor alternativa socioambiental seja também sustentável economicamente.
No caso do Brasil, mais de 60% das emissões de Gases de Efeito Estufa (GHG) advêm da conversão do uso do solo para a produção de alimentos e do desmatamento ilegal. No caso específico da Amazônia, mais de 90% do desmatamento é ilegal e está umbilicalmente ligado à atuação do crime organizado, através da intersecção de crimes ambientais e fundiários com o tráfico de drogas, o garimpo ilegal, além de fraudes e lavagem de dinheiro.
Este amplo sistema tem sido chamado de “narcodesmatamento”, produzindo danos sociais profundos. Por mais que a solução do problema seja multidisciplinar, o fato é que a sua origem está na irregularidade fundiária. O sistema fundiário brasileiro tem sido falho e ineficiente desde o período colonial, sendo a posse o principal instrumento de ocupação territorial, inclusive com o reconhecimento público e oficial desta realidade.
Se a titularidade dos imóveis rurais brasileiros é essencialmente regida pela insegurança jurídica, a análise de riscos (patrimoniais e reputacionais) parte da premissa de sua irregularidade. A consequência é uma monumental desvalorização dos ativos rurais e a falta de atratividade para investimentos legítimos e estratégicos tanto para a segurança alimentar, geração de riquezas, desenvolvimento social, quanto para a mitigação das mudanças climáticas e descarbonização do país.
A irregularidade serve como incentivo para a constante ocupação de terras públicas (famosa “grilagem”), além de pólvora para a geração de conflitos. Um imóvel irregular não gera segurança jurídica, não integra o mercado formal de acesso a crédito, não pode ser dado em garantia, impossibilita uma transmissão segura e, principalmente, não se sujeita ao cumprimento de regras ambientais, prejudicando a governança e o controle pelos órgãos públicos.
Se o caos perdura há 500 anos, sua solução depende de uma maior integração e da simplificação da governança fundiária. Só na Amazônia são mais de 20 órgãos públicos com algum tipo de atribuição sobre o tema, sem qualquer coordenação ou estratégia que una as esferas federal, estadual e municipal.
Some-se a isso a desorganização da base de dados e a baixa adoção de tecnologia que dificultam a organização de um cadastro de terras único e compartilhado. Além disso, o poder público tem sistematicamente privilegiado a regularização de pequenas propriedades e dificultado sobremaneira a de áreas maiores.
Atualmente, áreas cima de 2.500 hectares necessitam de autorização do Congresso Nacional para sua regularização, o que mostra o grau de dificuldade no seu processamento. Mesmo que a escolha refletisse uma legítima prioridade social, ela deixa em segundo plano a eficiência da gestão territorial. Em um sistema permeado pela informalidade, a supervalorização da origem pretérita da posse em vez do cumprimento presente de sua função social, se mostra um contrassenso.
Se é fato que nossa ocupação se deu de maneira informal, a busca histórica da origem da posse revela um emaranhado de fatos e documentos em que a incerteza sempre prevalece. Um exemplo está no Acre, onde há títulos de propriedade outorgados quando o território ainda pertencia à Bolívia. Há obviamente títulos que foram utilizados indevidamente para ocupação, mas o tempo e os recursos empregados nessa jornada inglória de separar o joio do trigo acaba postergando uma solução definitiva para o problema, permitindo que novas irregularidades se sobreponham.
Ao insistir nesse caminho, estamos comprometendo o futuro na tentativa de passar a limpo o passado. Ao detentor de um imóvel rural, independentemente do seu tamanho, cabe o cumprimento da sua função social (produção efetiva, respeito às normas ambientais e sociais) e da comprovação de posse antiga e de boa-fé (não histórica).
A regularização fundiária não é simples instrumento de atribuição de direito de propriedade ao particular. Ela é, antes de tudo, instrumento de desenvolvimento econômico e social de um país e urge que seja encarada como tal, pela adoção de uma política efetiva de mitigação dos riscos territoriais capaz de incentivar o investimento responsável e necessário ao país.