A recentíssima sanção da Lei 15.035/2024 pelo presidente da República, não obstante traduza iniciativa de inquestionáveis valor e impacto como mecanismo de desestímulo a condutas de abuso e agressão sexual, muito possivelmente exigirá alguns ajustes de modo a compatibilizá-la com a ordem constitucional vigente.
Trata-se de estratégia que vem ganhando cada vez mais projeção nos meios jurídicos e institucionais, para conformação de comportamentos e posturas por meio da sensibilização, da influência e da mobilização independentes de consequências imediatas e concretas (positivas ou negativas).
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São os chamados nudges, cuja implementação toma por base a ciência da economia comportamental, desenvolvida com grande destaque pelos professores Richard Thaler (Universidade de Chicago), agraciado com o Prêmio Nobel de Economia, em 2017, e Daniel Kahnemann (Princeton), que recebeu a mesma distinção em 2002.
A louvável intenção parece de fato estar em dissonância com o posicionamento exarado pelo Supremo Tribunal Federal, que já teve oportunidade de analisar a viabilidade de criação – e veiculação – de cadastros tais (ou similares) no âmbito da ADI 6620.
Na ocasião, questionava-se a constitucionalidade das Leis 10.315/2015 e 10.915/2019, ambas do estado de Mato Grosso, que criavam cadastros de crimes contra a dignidade sexual de crianças e adolescentes e de violência contra a mulher, voltados, para além da política de desestímulo dos comportamentos indesejados/ilegais, a subsidiar órgãos públicos no controle de dados e informações relevantes para a persecução penal, para a adoção de políticas e monitoramento desses dados.
As normas foram consideradas consonantes com a Constituição Federal, tendo em vista, inclusive, o princípio da transparência – mas com a pertinente ressalva de que a inclusão dos dados dos condenados deveria se dar tão somente após o trânsito em julgado da decisão – em homenagem ao princípio da presunção de inocência, consagrado no artigo 5º, LVII, da CF.
Tal ressalva não consta da novel norma, que, contrariamente, ao outorgar nova redação ao artigo 234-B, §2º do Código Penal, estabelece que “caso o réu seja absolvido em grau recursal, será restabelecido o sigilo sobre as informações a que se refere o § 1º deste artigo”.
Tem-se, portanto – e em evento cada vez mais corriqueiro nos tempos que correm – uma dissonância entre os precedentes da Corte Maior e o direito legislado, de que decorrerá seu provável questionamento.
Daí resultarão, igualmente, insegurança jurídica e desgaste institucional – em uma arena marcada por relações já delicadas e de conciliação desafiadora.
Aguardemos, atentamente, o desenrolar da questão.