Em outubro, foi publicado no Diário Oficial da União o Decreto 11.738/2023[1] restabelecendo o Programa de Fortalecimento da Capacidade Institucional para Gestão em Regulação (PRO-REG). Como um dos objetivos elencados, a necessidade do desenvolvimento e aperfeiçoamento de mecanismos de controle social e de transparência no âmbito do processo regulatório (art. 3º, VI) parece ter novamente colocado em pauta a questão da participação social na regulação. Desta vez, como um caminho necessário a ser alcançado pela Administração Pública.
Parece-nos que o desenho do Decreto fora pautado em um comprometimento maior com o devido processo legal no âmbito da tomada de decisão regulatória, o que faz sentido quando o próprio ato normativo em questão conceitua processo regulatório como sendo as etapas de planejamento, elaboração, implementação, fiscalização, monitoramento, avaliação e revisão das intervenções regulatórias (art. 2º, III).
Uma combinação interessante dos incisos destacados acima é perceber que não há como dissociar a participação social do processo regulatório, principalmente quando observado as etapas de planejamento e elaboração das intervenções regulatórias. Ainda que não seja possível falar na existência de partes e do Estado juiz, as manifestações dos setores interessados na regulação a ser emitida travam o diálogo necessário entre regulador e regulado, com a finalidade de obter a prestação de uma regulação eficiente e consensual. Daí porque a cooperação litigiosa do processo judicial assume contornos administrativos no processo regulatório que, embora não similares, permitem a participação dos reais interessados.
Não deveria ser surpresa que o estágio em que se encontra a Administração Pública gerencial chegasse a um certo ponto de identidade com o rito procedimental adotado nos processos judiciais, sobretudo porque o fundamento dos dois Poderes constituídos é o mesmo: a subordinação do Estado ao império da Lei. Tal fundamento não só constitui o Estado de Direito atual, como permite que a própria democracia continue sendo exercida em múltiplos espaços. Por isso, então, é necessária a existência de instrumentos que permitam a deliberação entre os interessados, seja qual for o Poder em questão.
Aqui, é necessário observar um ponto. Há, ainda, como também um dos objetivos, a promoção do fortalecimento da autonomia, transparência e eficiência das agências reguladoras (art. 3º, VII). Sobretudo federais, já que esse é o âmbito de atuação do Decreto presidencial.
O que nos salta à mente não é nada diferente do que já tínhamos defendido em outras oportunidades para o JOTA[2], por óbvio parece-nos, talvez, até mesmo mais claro agora: é necessário que o Estado e os setores economicamente regulados estejam preocupados com o processo de tomada decisão no interior das agências reguladoras. Dito de forma mais prática, o relacionamento entre o regulador e o regulado não foge à regra do Direito, é mandamental que as regras procedimentais adotadas pelas agências deem conta de receber e introduzir as manifestações dos regulados nos seus processos decisórios.
Se antes defendíamos que a ausência de recebimento das manifestações dos agentes regulados pudesse ser uma afronta ao que chamamos de democracia regulada[3], agora podemos defender que tal postura não encontra, ao menos, amparo legal, tendo em vista o novo desenho institucional normatizado pelo então Decreto 11.738/2023. Conforme demonstramos em artigos anteriores, a Administração Pública federal já vinha mostrando sinais interessantes que apontavam para um direcionamento às capacidades institucionais das agências reguladoras como um instrumento interessante de desenvolvimento da economia, sobretudo quando alinhada com instrumentos de participação social.
Como tudo aquilo que não foge à regra do Direito, o dever ser normativo abre espaço para afirmar que a regulação brasileira caminha para um melhor entendimento e conciliação com o modelo das Agências Reguladoras adotado no Brasil, de modo que tais entes são colocados como peça-chave pelo diploma normativo em questão.
Ainda que soe presunçoso da nossa parte indagar, mas, fato é que o dever ser também constrói um bom imaginário para tais análises prospectivas, sobretudo quando amparadas em fatos anteriores, será que é cabível admitir a normatização da democracia regulada até diversas vezes defendida?
Parece-nos que a moldura normativa se encaixou perfeitamente aos comportamentos regulatórios que já vinham sendo percebidos, de modo que não vai faltar legalidade para as agências reguladoras, finalmente, demonstrarem as suas capacidades institucionais.
[1] Disponível para acesso em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2023-2026/2023/decreto/D11738.htm
[2] Alguns dos principais artigos que trataram do tema objeto do Decreto nº 11.738/2023: https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/a-democracia-regulada-existe-31122022; https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/rol-da-ans-e-possivel-falar-em-quarto-poder-22032023; https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/pool-de-checagem-e-democracia-regulada-11072023; https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/a-regulacao-do-caso-yanomami-02092023; https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/antt-limites-legais-e-regulacao-20042023
[3] A tese da democracia regulada está presente nos mesmos artigos acima publicados no Jota em oportunidades anteriores.