É tradicional o entendimento de que o particular, numa relação contratual com a Administração Pública, não pode escolher a forma de reequilíbrio do contrato administrativo. Seu direito se restringiria a que fosse observada – e restabelecida, quando afetada – a equação econômico-financeira. A definição da forma de reequilíbrio – se por revisão tarifária, prorrogação do prazo contratual, alteração de encargos e cronogramas de investimentos – caberia exclusivamente à Administração Pública.
Mas será que esse entendimento deve ser tomado de modo tão absoluto assim? Ele faz sentido na realidade atual?
A definição da forma de reequilíbrio é uma questão de evidente relevância prática. Reequilibrar um contrato administrativo de uma forma ou de outra produz efeitos diversos, que afetam o próprio cotidiano da exploração da concessão (centramo-nos aqui nas concessões e contratos afins, dadas sua maior complexidade e variedade de situações). É intuitivo que, para as partes de um contrato de concessão, faz muita diferença a definição da forma de recomposição da equação. Os custos e as formas de se lidar com cada solução apresentam diferenças marcantes.
Outro fator a ser considerado é que os contratos de concessão têm se desenvolvido nas últimas décadas no sentido da adoção de engenharias financeiras complexas, tudo de forma a viabilizar a exploração de um serviço de forma economicamente mais racional. Afinal, maior racionalidade econômica tem a potencialidade de proporcionar a prestação de serviços mais baratos e eficientes.
Nesse contexto, existem fatores endógenos e exógenos ao contrato de concessão que podem colocar alguns limites à definição da forma de reequilíbrio.
Como fatores endógenos, podemos mencionar o cabimento de previsões contratuais que prevejam mecanismos preferenciais de reequilíbrio. O estabelecimento de garantias de uma parte à outra e a previsão de colchões de liquidez são exemplos de que os contratos administrativos podem contemplar soluções que confiram um maior direcionamento à definição das formas de reequilíbrio.
Por fatores exógenos, podemos fazer referência à própria forma de prestação do serviço e à incidência das previsões regulatórias, as quais estabelecem o “contexto” de exploração da concessão. Por exemplo, se uma concessão é explorada em regime de concorrência com preços livres, a definição da forma de reequilíbrio contratual tem a potencialidade de afetar a própria competitividade do particular no mercado em que atua.
A redução de encargos (diminuição ou postergação de investimentos a cargos do particular), por exemplo, pode não fazer sentido. A pretexto de reequilibrar momentaneamente o contrato, pode-se gerar uma distorção competitiva que terá por resultado o aprofundamento do desequilíbrio.
É interessante observar que fatores exógenos podem se conectar com as previsões contratuais. No caso de prestação em regime de concorrência, por exemplo, a matriz de riscos do contrato provavelmente estabelecerá, implícita ou explicitamente, que os riscos derivados do exercício da política comercial estão alocados ao concessionário.
Um exemplo é o dos contratos de arrendamentos portuários. Muito embora não sejam concessões propriamente ditas, sua lógica econômica é similar: há investimentos que são compensados pelo direito de exploração das atividades por um longo período. De acordo com a regulação aplicável, os arrendatários prestam serviços em concorrência com outros arrendatários e com autorizatários. Os preços e condições dos serviços são fixados livremente por cada agente econômico, ainda que haja um monitoramento pela agência reguladora competente. Nesse contexto, a definição da forma de reequilíbrio tem uma relevância marcante em termos de competitividade.
Há ainda uma questão mais conceitual que também pode ser considerada um fator exógeno na classificação ora proposta. Ainda que em boa parte dos casos – ou talvez na maioria deles – a definição da forma de reequilíbrio seja uma decisão discricionária do poder concedente, não poderão ser ignorados os influxos da consensualidade que caracteriza as relações público-privadas na atualidade. Em ambiente contratual, a consensualidade se intensifica, ainda mais em contratos incompletos como os de concessão.
Disso se conclui que há para a Administração Pública no mínimo um dever de fundamentação adequada da solução proposta, demonstrando que ela não provoca distorções concorrenciais nem gerará o aprofundamento de desequilíbrios em momento futuro. Nesse contexto, considerar os argumentos técnico-econômicos do concessionário é um dever. Eventuais discordâncias, sempre possíveis, deverão ser objeto de fundamentação adequada. Afinal, discricionariedade não se confunde com arbitrariedade.
Em conclusão, penso que a afirmação absoluta de que cabe ao poder concedente a definição da forma de reequilíbrio de um contrato de concessão deve ser revisitada. Pode ser correta em algumas situações, mas não em todas, e muito menos de modo absoluto, uma vez que sua definição provoca efeitos concretos diversos que precisam ser ponderados. Poderá haver autovinculações contratuais, previsões de sistemáticas preferenciais nos contratos e mecanismos financeiros diversos.
Além disso, a prestação em regime de concorrência, quando existente, trará nuances diferenciadas sobre o tema. Por fim, a consensualidade nas relações público-privadas conduz a uma releitura (mais esta) de certos dogmas. No mínimo, a discricionariedade pode ser bastante reduzida a depender de cada situação. Mas o ideal é que a temática das formas de reequilíbrio seja enfrentada já na gênese do contrato, ainda que se esteja diante de contratos incompletos.
Alguns poderão dizer que a palavra final sempre caberá ao poder concedente. Mas parece inegável que há limites a esse exercício, o que faz com que a afirmação inicial, objeto destas reflexões, no mínimo deva ser contemporizada.