Não raramente, produtos ligados à tecnologia não encontram o melhor amparo nas legislações vigentes, que muitas vezes se mostram desatualizadas quanto ao tratamento e conceitos de novos serviços tecnológicos.
Sob a perspectiva tributária, esse cenário não se mostra diferente, o que por diversas vezes propicia um ambiente de discussão sobre o enquadramento de determinada atividade, muito em razão de distorções interpretativas e o desalinhamento de conceitos previstos na legislação para a adequada tributação.
Nesse contexto de notória expansão de funcionalidades da internet e consequente ampliação de redes de telecomunicações, o que vem propiciando o desenvolvimento de novos mercados, especialmente de distribuição de audiovisual, tramita na Câmara dos Deputados, sob regime de urgência, o PL 8889/2017, que dentre outros fatores, vem alterar a MP 2228-1/2001 para instituir uma nova modalidade de Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide) sobre a atividade de distribuição de conteúdo pela internet de obras audiovisuais disponibilizadas na forma de catálogos, modalidade conhecida como vídeo sob demanda (VoD).
O PL 8889 propõe a criação de uma nova Condecine, de competência de regulação e fiscalização da Agência Nacional do Cinema (Ancine), incidente sobre “a prestação dos serviços de VoD, inclusive quando remunerados por meio de publicidade, ainda que ofertados gratuitamente aos usuários”, atingindo, portanto, o mercado de streaming, que até então não conta com uma tributação setorial específica para a atividade.
Diferentemente de outras contribuições hoje previstas na legislação, o referido projeto de lei propõe como base de cálculo dessa nova Condecine a receita bruta anual da prestação de serviços de VoD no mercado brasileiro, tendo alíquotas progressivas de acordo com a faixa de receita.
Com a bandeira de estímulo à produção audiovisual brasileira, além do provedor de VoD dever, como princípio, manter no catálogo de forma contínua percentual mínimo de horas de conteúdos brasileiros, sobre o montante da Condecine devida poderá haver redução em 50% para aqueles prestadores cujos catálogos de conteúdos audiovisuais sejam compostos de pelo menos 50% de horas de conteúdos brasileiros produzidos nos dez anos anteriores.
Ademais, o projeto prevê a possibilidade de dedução até o limite de 50% do valor da Condecine o “montante correspondente à aplicação de recursos pelo contribuinte, no ano imediatamente anterior ao do recolhimento do tributo, na produção e na contratação de direitos de exploração comercial e de licenciamento de conteúdos brasileiros, na formação e capacitação de mão de obra voltada para a cadeia produtiva do audiovisual no Brasil e na implantação, operação e manutenção de infraestruturas para a produção de conteúdos audiovisuais no Brasil”. Pelo menos a metade dessa dedução deve ser aplicada pelo contribuinte, diretamente, ou por meio de suas coligadas, controladas ou controladoras em investimentos realizados no Brasil na produção ou licenciamento de conteúdos brasileiros independentes.
Outro aspecto importante do atual texto do PL é que ele visa, com a nova Condecine, não só alcançar empresas constituídas no Brasil, mas também prestadores de VoD não estabelecidos no país, mas que ofertem produtos ao mercado brasileiro, independentemente da localização da sua sede ou da infraestrutura utilizada para a prestação do serviço.
Muito embora o projeto de lei ainda possa sofrer alterações substanciais, é inequívoco o seu objetivo de regulamentar a atividade de prestação de VoD, impondo também uma tributação setorial específica para o setor que, se por um lado, pode trazer um maior equilíbrio concorrencial em relação a outros mercados de produção audiovisual, atualmente mais taxados, pode também desestimular a indústria de VoD, assim como propiciar um novo ambiente de debates no que tange à constitucionalidade dessa nova Condecine.
Isso porque, em se tratando de uma Cide, cuja instituição pressupõe a necessidade de intervenção do Estado sobre determinado setor econômico, o projeto de lei não traz qualquer comprovação de estudos que demonstrem o impacto econômico da nova Cide e que possam justificar uma possível necessidade de intervenção no setor.
Pelo contrário, a nova Condecine pode ter efeitos negativos para esse mercado, ao aumentar a carga tributária do setor, com um risco de redução da acessibilidade do VoD, especialmente para a população de baixa renda, trazendo, portanto, um efeito adverso de estímulo do mercado audiovisual.
Discussões sobre a constitucionalidade de determinadas Cides como, por exemplo, a Condecine-Teles, incidente sobre o setor de telecomunicações, não são novas e já são enfrentadas inclusive perante o Judiciário[1], o que pode indicar um cenário de possível futuro questionamento da constitucionalidade da nova Condecine, a depender da aprovação do PL 8889, propiciando, assim, um novo ambiente indesejável de debates entre contribuintes e a Administração Pública.
[1] A exemplo, STF RE 928943 (Tema 914 de Repercussão Gera) e TRF1 Mandado de Segurança Coletivo 1000562-50.2016.4.01.3400.