O Brasil e a Alemanha vêm convergindo suas visões quanto à necessidade de implementar uma estratégia nacional sólida para o hidrogênio verde (H2V). Garantir um arcabouço legal e políticas de incentivo coerentes para a produção, o transporte, o armazenamento, o fornecimento e o uso de H2V e seus derivados é crucial para apoiar o crescimento do mercado, garantir a transição eficaz para uma economia de baixo carbono e aproveitar as oportunidades de desenvolvimento tecnológico e industrial.
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Nesse sentido, o Congresso Nacional brasileiro avança rumo à criação do Marco Legal do Hidrogênio Verde de Baixo Carbono, que prevê a inclusão do produto na matriz energética brasileira, com o aproveitamento racional da infraestrutura existente, o apoio à pesquisa, bem como a implementação de um regime especial de incentivos econômicos. O governo alemão, por sua vez, lançou em julho deste ano a versão 2.0 da Estratégia Nacional do Hidrogênio (Estratégia Alemã), que adapta a estratégia definida em 2020 às mudanças recentes nas condições dos mercados globais de energia e define metas específicas de expansão da capacidade produtiva para 2030. Essa versão atualizada abre novas oportunidades para empresas pioneiras no setor, incluindo aquelas com presença no Brasil. Além disso, serve como um valioso guia para os setores público e privado envolvidos no desenho da política nacional do hidrogênio no Brasil.
A estratégia alemã para o H2V
A Estratégia Alemã de 2020 tinha como objetivo criar as condições regulatórias para a expansão do mercado para tecnologias de hidrogênio por meio da criação de um mercado global de aquisição de H2V. A política foi essencialmente pensada para apoiar a competitividade tecnológica das empresas alemãs nessa indústria nascente e, ao mesmo tempo, assegurar o suprimento de H2V para o mercado doméstico (ver artigo do RegulaEuro de janeiro de 2022).
A Estratégia Alemã de 2023, por sua vez, concentra-se não apenas nas implicações climáticas do H2V, mas também na sua importância para a segurança energética da Alemanha. O H2V oferece a oportunidade de reduzir a excessiva dependência energética da Alemanha em relação a certos países, em especial a Rússia. Essas considerações surgem como resposta ao contexto geopolítico atual, que é influenciado pela guerra entre a Rússia e a Ucrânia. As principais metas são:
acelerar a expansão do mercado de hidrogênio,
garantir disponibilidade suficiente de hidrogênio e seus derivados,
estabelecer uma infraestrutura eficiente de hidrogênio,
estabelecer aplicações de hidrogênio nos campos da indústria, transporte, eletricidade e aquecimento,
tornar a Alemanha o principal fornecedor de tecnologias de hidrogênio até 2030, e
criar condições estruturais adequadas, especialmente por meio de procedimentos eficientes de planejamento e aprovação, padrões e sistemas de certificação uniformes, além de uma gestão administrativa coordenada em todos os níveis.
Uma chance para os pioneiros
A Estratégia Alemã emprega ferramentas convencionais de estímulo econômico. Por meio de uma política coerente, crível e sustentada de compras públicas e subsídios econômicos, o governo busca endereçar os gargalos para equacionar demanda, oferta e inovação.
Uma parte da meta de expansão da capacidade instalada em 10 GW até 2030 deverá ser alcançado por meio de licitações para eletrolisadores. Nesse sentido, houve um incremento do orçamento para os primeiros projetos de hidrogênio dentro da estrutura do programa de financiamento Projetos Importantes de Interesse Europeu Comum (IPCEI). No âmbito do IPCEI, espera-se ainda esse ano a aprovação de auxílio estatal para lançar editais para projetos de eletrólise com uma capacidade instalada total de aproximadamente 2,5 GW.
Além disso, o governo apoiará o desenvolvimento de aplicações de H2V na indústria. Além do financiamento do IPCEI, o governo federal introduziu recentemente o programa multibilionário “Klimaschutzverträge“, que compensa as empresas intensivas na emissão de CO2 por investimentos e custos adicionais envolvidos na implementação de sistemas produtivos ambientalmente sustentáveis.
No setor de transportes, o governo irá apoiar a expansão da infraestrutura para reabastecimento de hidrogênio, conforme definido no Regulamento de Infraestrutura de Combustíveis Alternativos da UE (AFIR), por meio do financiamento de programas em fase de implementação, bem como estuda a viabilidade de novos modelos de financiamento. Além disso, está previsto para esse ano o lançamento de um programa de compras subsidiadas para apoiar a produção de querosene industrial, na cadeia do hidrogênio denominada “power-to-liquid”. No setor elétrico, o governo planeja licitações continuadas para a construção de usinas de hidrogênio e amônia com capacidade de 4,4 GW e usinas híbridas de hidrogênio locais com capacidade de mais 4,4 GW.
Simultaneamente, a importação de H2V de países fora da União Europeia permanece sendo um dos pilares da política nacional e continua a ser gerenciada por meio da plataforma H2Global, operacionalizada pela Hint.Co em uma estrutura de compra internacional continuada por meio de leilões que foi lançada este ano (ver artigo do RegulaEuro de janeiro de 2022). O governo também reconhece a necessidade de aumentar os subsídios estatais destinados a compensar a diferença entre os custos de produção e a disposição ou capacidade dos compradores de pagar pelos custos adicionais do produto renovável. O documento também faz menção à necessidade de desenvolver formas regionais de cooperação dentro da estrutura do H2Global e à possibilidade de criação de novos instrumentos de financiamento à importação de H2V.
Perspectivas
A Estratégia Alemã promete uma série de oportunidades para empresas pioneiras no setor de hidrogênio. Para as empresas localizadas no Brasil, a exportação de H2V no âmbito do mecanismo H2Global, bem como os programas de cooperação vislumbrados pelo governo alemão representam uma significativa janela de oportunidade (ver artigo do RegulaEuro de marco de 2023). Isso, combinado com uma política brasileira própria para o H2V reforçará o potencial competitivo do Brasil no mercado global. Contudo, para fazer jus a qualquer política de incentivo e cooperação alemã, as empresas beneficiadas precisarão cumprir critérios de sustentabilidade, que abrangem questões como biodiversidade, uso responsável da água e da terra, bem como respeito aos direitos humanos e direitos trabalhistas em suas cadeias de valor, em uma tendência crescente vista nas discussões sobre a CSDDD (ver artigo do RegulaEuro de fevereiro de 2022) e o regulamento sobre desmatamento – EUDR (ver artigo do RegulaEuro de julho de 2023).