Dezembro de 2023 também foi um mês de julgamentos importantes sobre matéria tributária. No último 19 de dezembro, em sede de repercussão geral, Tema 504 (leading case RE 593.544), o plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que os créditos presumidos de IPI a exportadoras, instituídos pela Lei 9.363/1996, não integram a base de cálculo do PIS/Cofins.
O crédito presumido de IPI é uma forma de ressarcimento, ao produtor e exportador, do PIS/Cofins suportado quando da aquisição de produtos nacionais, utilizados no processo produtivo de mercadorias destinadas à venda no mercado internacional. Assim, busca-se conferir competitividade aos produtos brasileiros no mercado externo e eliminar a bitributação.
No caso julgado pelo STF, o contribuinte sustentou que o crédito presumido de IPI é uma recuperação de custo, razão porque não é receita. Além disso, ainda que considerada receita, não é tributável em decorrência do previsto no art. 149, § 2º, inciso I, da Constituição de 1988. De acordo com esse dispositivo, as contribuições sociais não incidirão sobre receita de exportação.
A Procuradoria da Fazenda, por sua vez, sustentou que os créditos presumidos de IPI se caracterizam tão somente como crédito fiscal de natureza financeira, de modo que está abrangido pelo conceito de receita e deve ser incluído na base de cálculo do PIS/Cofins. Segundo a Fazenda, essas contribuições não incidem sobre as receitas resultantes da exportação, mas sobre a receita bruta da pessoa jurídica.
A natureza jurídica dos créditos presumidos de IPI, segundo o relator
Segundo o relator, ministro Luís Roberto Barroso, a natureza jurídica desse crédito presumido é de subvenção corrente[1]. Nesse sentido, sustentou que:
“O crédito presumido de IPI consiste, em verdade, em subvenção corrente, para o custeio ou a operação, ou seja, um auxílio financeiro (via crédito tributário) prestado pelo Estado a pessoa jurídica, para fins de suporte econômico de despesas na consecução de operações atinentes ao seu objeto social”.
De acordo com Barroso, não se pode dizer que o crédito presumido de IPI está abrangido pela imunidade do PIS/Cofins, visto que não se trata de uma receita diretamente da exportação. Trata-se na verdade de um ressarcimento de custo. Em suas palavras, “a imunidade conferida pelo constituinte se restringe às receitas diretamente relacionadas à exportação“.
Conceito constitucional de receita e faturamento
Em seu voto, o relator afirmou que o crédito presumido de IPI não está alcançado pelo conceito de faturamento. Nessa esteira, o ministro adverte que, embora considere o crédito presumido como receita, “como ingressos novos, definitivos e positivos no patrimônio da pessoa jurídica”, o mesmo não se pode dizer quanto ao conceito de faturamento.
Receita é gênero, enquanto o faturamento é espécie, pelo que está contido no conceito de receita. Faturamento, nesse sentido, consiste na receita bruta que está adstrita à venda, oriunda das operações do objeto social da empresa. Em outras palavras, faturamento é a receita da venda. Não sendo os créditos presumidos de IPI uma receita do faturamento, não compõem a base de cálculo da contribuição para o PIS e da Cofins no regime de apuração cumulativo. Barroso foi acompanhado pelos ministros Cristiano Zanin, Luiz Fux, Nunes Marques e Gilmar Mendes.
Contudo, o ministro Edson Fachin abriu a divergência, sendo acompanhado pelos ministros Dias Toffoli, Cármen Lúcia e André Mendonça, quanto à tese proposta. Em sua fundamentação, o ministro Edson Fachin sustentou que o constituinte derivado teve como objetivo limitar a competência tributária da União não somente em relação às receitas diretas, mas também às indiretas, tal como o crédito presumido de IPI:
“(…) O crédito presumido de IPI não possui natureza de benefício fiscal a permitir a sua classificação contábil como subvenção de custeio. Trata-se, efetivamente, de ressarcimento do exportador de ônus tributários incorridos em etapas produtivas anteriores, consectário da regra constitucional de imunidade tributária”.
Em que pese os argumentos trazidos pelo ministro Fachin, prevaleceu a tese proposta pelo relator: os créditos presumidos de IPI, instituídos pela Lei 9.363/96, não integram a base de cálculo da contribuição do PIS e da Cofins, sob a sistemática de apuração cumulativa (Lei 9.718/1998), pois não se amoldam ao conceito constitucional de faturamento.
Julgamento pacifica entendimento sobre tributos federais
O entendimento assentado pelo ministro Barroso é pela não incidência pura do PIS/Cofins sobre créditos presumidos de IPI, na medida em que tais créditos não se amoldam ao conceito constitucional de faturamento. Para Fachin, os créditos presumidos de IPI consistem em receita que decorre da exportação, ainda que indireta. Portanto, está albergada pela benesse constitucional da imunidade tributária.
A meu ver, embora não tenha sido a tese vencedora, o entendimento do ministro Fachin é o mais acertado. Explico. O crédito presumido de IPI está adstrito à ocorrência da exportação. Nessa toada, o nexo causal da concessão desse crédito é o ato de exportar. Esse é o seu fato gerador, que somente existe em razão da exportação, de modo que entendo ser inapropriado não o considerar como uma “receita decorrente de exportação”, ainda que indireta.
À toda evidência, a decisão é favorável em relação àquelas empresas que apuram a contribuição do PIS e da Cofins no regime cumulativo. O julgamento do STF, ao transitar em julgado, encerrará a discussão não somente na via judicial, mas também no âmbito do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), tendo em vista o que prevê o art. 99, do Regimento Interno do Carf.
Todavia, em relação às empresas que apuram essas contribuições no regime não cumulativo, a controvérsia tende a permanecer, notadamente em relação aos fatos anteriores a 1º de fevereiro de 2004 — data em que essas empresas deixaram de fazer jus ao crédito presumido de IPI, nos termos do art. 14 da Lei 10.833/2003. Isso principalmente em razão do que ficou consignado no voto do ministro Barroso: créditos presumidos de IPI são receitas não imunes.
Registra-se que, quanto a esse regime, os contribuintes colecionam decisões desfavoráveis no Tribunal Administrativo, a exemplo do acórdão 9303-014.108. Nessa decisão, a 3ª Turma, por 5 votos a 3, decidiu que, no regime não cumulativo, os créditos presumidos de IPI integram a base de cálculo da contribuição do PIS e da Cofins.
Segundo o conselheiro Rosaldo Trevisan, redator do voto vencedor, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), no EREsp 1.210.941, consignou que os créditos presumidos de IPI integram a base de cálculo do IRPJ e da CSLL. Sendo assim, segundo ele, o mesmo entendimento deveria ser replicado às contribuições sociais. Ressalta-se que, quanto ao ponto, a ratio decidendi dessa decisão do STJ refere-se às empresas no regime do Lucro Real. Em relação ao Lucro Presumido, nesse mesmo julgamento o STJ entendeu pela possibilidade de exclusão desses créditos da base de cálculo do IRPJ, pelo que também entendo ser aplicável à CSLL.
Em síntese, resta pacificado, perante os Tribunais Superiores, que os créditos presumidos de IPI não integram a base de cálculo do PIS, da Cofins, do IRPJ e da CSLL no regime do Lucro Presumido (apuração cumulativa em relação às contribuições). Por outro lado, o não reconhecimento da imunidade da receita proveniente desse crédito fiscal enseja a incidência dessas exações sobre os créditos presumidos de IPI de empresas que estão no regime do Lucro Real (apuração não cumulativa em relação às contribuições), em relação aos fatos ocorridos antes de 1º de fevereiro de 2004. Atualmente, as empresas nesse regime não possuem direito ao crédito.
[1] A subvenção corrente está prevista na Lei 4.320/1964, art. 12, § 3º. Seguindo o entendimento do ministro Barroso, os créditos presumidos de IPI se enquadram na espécie subvenção econômica, que se destina a empresas públicas ou privadas de caráter industrial, comercial, agrícola ou pastoril, para cobrir despesas de custeio das entidades beneficiadas.