O Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram) solicitou ao Supremo Tribunal Federal (STF) admissão como amicus curae na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 342, que trata da aquisição de terras brasileiras por estrangeiros. Endereçado ao ministro André Mendonça, relator da ação, o pedido do Ibram afirma que, “apesar de a mineração não constar do art. 5º da Lei Federal 5.709/1971, na prática, os critérios estabelecidos vêm atingindo todos os ramos de atividade”, já que boa parte dos investimentos no setor são oriundos de capital estrangeiro.
A lei citada está no centro da discussão, que analisa se a norma é ou não recepcionada pela Constituição de 1988. A ação, ajuizada pela Sociedade Rural Brasileira (SRB) em 2015, afirma que a Lei de Terras oferece tratamento diferenciado a pessoas jurídicas nacionais de capital estrangeiro, violando os preceitos da livre iniciativa, do desenvolvimento nacional, da igualdade, de propriedade e de livre associação.
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O Ibram pede para se manifestar no caso porque, embora o setor não seja mencionado na legislação em questão, ele é afetado. O documento, assinado pelo advogado e ex-ministro do STF, Carlos Ayres Britto, contesta a definição restritiva da Advocacia Geral da União (AGU), que está em vigor, sobre a norma. De acordo com o parecer AGU/LA no 01/2010, pessoa jurídica brasileira controlada por pessoas estrangeiras físicas ou jurídicas que residam ou tenham sede no exterior são equiparadas à pessoa jurídica estrangeira.
“Essa aplicação inconstitucional afeta o desenvolvimento das atividades de mineração, uma vez que, para cumprir com obrigações de preservação ambiental, saúde e segurança ocupacional dos trabalhadores e saúde e segurança da população ao redor das minas, as empresas não raramente precisam adquirir imóveis dos quais haverá retirada de pessoas, reassentamento, exploração da atividade mineral concedida pelo poder público federal, bem como recuperação/compensação ambiental e obrigações atreladas à licença operacional”, afirma trecho do requerimento protocolado pelo instituto.
O Ibram também pontua que a “Constituição qualifica a mineração como atividade de interesse público, concedida pelo ente federal ao particular”, com regras específicas como autarquia reguladora legalmente definida. “A outorga de autorização/concessão mineral está vinculada ao interesse nacional e, no caso das empresas, a Constituição dispôs que deveria ser empresa constituída pelas leis brasileiras e com sede nacional. Reconhecendo-se, com isso, portanto, a absoluta legitimidade do exercício da atividade minerária por empresas que, eventualmente, tenham presença estrangeira em seu quadro societário”, reforça.
Além disso, o instituto afirma que o Estatuto da Terra, que disciplina o imóvel rural, deixa “claro que a aquisição de terras para fins de mineração não tem finalidade rural”. Acrescenta também que “é inconstitucional a classificação da pessoa jurídica em virtude do seu quadro societário, tendo em vista que a Constituição define a nacionalidade pela sede e pelo regime jurídico de sua constituição e operação” e que “a recepção, ou não, de uma norma legal pela Constituição Federal não pode ser um exercício hermenêutico que se esgote num parecer da AGU”.
Lei de Terras
Há duas ações no STF que discutem o assunto da aquisição de terras por estrangeiros. A ADPF 342 e a Ação Cível Originária (ACO) 2463, proposta pela União e pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) contra o estado de São Paulo, buscando anular um parecer da Corregedoria-Geral de Justiça do Estado de São Paulo, que dispensou os tabeliães e os oficiais de registro de observarem o previsto na lei sobre a aquisição de imóveis rurais por estrangeiros.
O julgamento das duas ações começou em conjunto em 2021. À época, o relator, ministro aposentado Marco Aurélio, entendeu que a ADPF 342 deveria ser julgada improcedente. “A norma atende à proporcionalidade em sentido estrito na medida em que não inviabiliza a aquisição de terras, mas a regula, direcionando, à liberdade econômica, restrição razoável frente à consecução de preceitos fundamentais”, escreveu o ministro.
Para ele, a terra rural ocupa “posição nuclear na condução dos assuntos econômicos tendo em conta a distribuição desigual”. E acrescentou: “A atuação estatal mostra-se promotora da paz e justiça sociais. A assim não se concluir, a liberdade absoluta à circulação de capital estrangeiro ensejaria graves reflexos do capital especulativo na questão agrária, com o aumento de latifúndios e conflitos agrários”.
Já na ACO 2.463, Marco Aurélio entendeu que um parecer da Corregedoria-Geral da Justiça de São Paulo de São Paulo é nulo, uma vez que o ato foi elaborado levando em conta a incompatibilidade, com a Constituição Federal, do dispositivo da lei que regulamenta a aquisição de terras, a partir de um julgamento do TJSP. “Tem-se a ilegalidade, uma vez que o pronunciamento sobre a não recepção ocorreu em sede de controle concreto e incidental de constitucionalidade. Apenas o Supremo, atuando no controle abstrato, com eficácia vinculante e contra todos, pode retirar do mundo jurídico a referida norma”. O ministro aposentado foi seguido por Nunes Marques nas duas ações.
O ministro Alexandre de Moraes discorda de Marco Aurélio. Para Moraes, o artigo 171, I, da Constituição, ao definir o conceito de empresa brasileira, não fez distinção entre empresa brasileira de capital nacional e empresa brasileira de capital estrangeiro, “razão pela qual as restrições previstas no § 1º do artigo 1º da Lei 5.709/1971, não mais se justificariam”. Para o ministro, mesmo a alteração no dispositivo, feita em 1995, não altera o fato da lei não ter sido recepcionada pela Constituição de 1988.
“Não restavam dúvidas, portanto, sobre a impossibilidade de tratamentos discriminatórios permanentes entre empresas brasileiras de capital nacional e de capital estrangeiro, após a promulgação da Constituição Federal de 1988, ao menos na vigência da redação original do artigo 171”, diz Moraes.
Liminar derrubada
Em maio do ano passado, com um empate em plenário virtual, o STF derrubou uma liminar do ministro André Mendonça que havia suspendido processos judiciais que tratassem de compra e venda de terras por estrangeiros. Diante do placar de 5 a 5, a Corte utilizou o artigo 146 do Regimento Interno do STF, que diz que em caso de empate por ausência de ministro, vale a negativa da demanda, ou seja, a solução contrária à proposta.
Dessa forma, voltam a tramitar todos os processos judiciais suspensos desde o dia 26 de abril pela liminar de Mendonça que versem sobre a validade da aquisição de imóveis rurais por empresas brasileiras com a maior parte do capital social pertencente a pessoas físicas estrangeiras residentes no exterior ou jurídicas que tenham sede no exterior.
No dia 26 de abril, o ministro André Mendonça atendeu a um pedido do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e suspendeu todos os processos judiciais em trâmite no Brasil que tratavam sobre a validade da aquisição de imóveis rurais por empresas brasileiras com a maior parte do capital social pertencente a pessoas físicas estrangeiras residentes no exterior ou jurídicas que tenham sede no exterior. A suspensão não se estendeu a processos administrativos e negócios jurídicos em curso, assim, cartórios de registro de imóveis continuaram atuando.