As reformas estruturais para o desenvolvimento econômico e social

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Ao apagar das luzes de 2023, a OCDE divulgou seu Relatório Econômico para o Brasil, uma publicação bianual com análises e perspectivas para a economia brasileira nos próximos anos.

Mais do que um panorâma conjuntural, o objetivo principal do relatório é endereçado às reformas estruturais para estimular produtividade, competitividade, crescimento econômico e social. Sempre uma oportunidade de acompanhar as melhores práticas internacionais e construir uma visão estratégica e fundamentada para a adoção de uma agenda de reformas que vise o desenvolvimento econômico e social do país.

Nesse sentido, o relatório apresenta sugestões de políticas, embasadas em experiências e dados de países membros e não membros, e respaldadas por modelos econômicos de crescimento de longo prazo, entre outros. Exercício meritório no sentido de contribuir a partir de dados e estimativas.

No recente relatório, uma agenda ampla de reformas se destaca, com potencial de gerar um aumento de 20% no nível do PIB per capita em 15 anos, e crescimento adicional de 1% do PIB ao ano. Um impacto considerável. Sem as reformas, estima-se que o nosso crescimento  fique preso na usual faixa dos 1.5% aa, abaixo das estimativas de crescimento dos nossos pares emergentes. Uma lástima.

A primeira agenda trata, principalmente, das questões sobre política fiscal, em semelhança ao último Relatório Econômico do FMI para o Brasil. Aqui, o objetivo perseguido é melhorar eficiência alocativa dos gastos públicos, criando espaços para os muitos investimentos públicos que se fazem necessários. Destaca os esforços do Governo para sustentabilidade fiscal com o novo arcabouço, e recomenda iniciativas em direção ao orçamento de médio prazo, à revisão periódica dos gastos públicos, à rigidez orçamentária, às reformas tributária sobre consumo (IVA) e renda, à reforma administrativa, dentre outras.

A segunda agenda refere-se a melhorias no indicador de regulação do mercado de produtos – PMR, da própria OCDE. Visa aumentar a produtividade do país a partir de reformas estruturais. Reconhece que desenhos regulatórios que facilitam a competição e transparência, estimulam a produtividade e incentivam a alocação eficiente de recursos, promovendo melhor ambiente de negócios, inovação e desenvolvimento econômico.

As recomendações incluem uma maior abertura econômica e integração global, a redução de barreiras tarifárias (7 pontos percentuais até 2025) e não tarifárias ao comércio exterior, os incentivos à competição e concorrência nos setores regulados, a diminuição de barreiras à entrada de empresas no mercado doméstico, incluindo as estrangeiras, e o aperfeiçoamento das características institucionais – qualidade regulatória, governança, aparato legal e judiciário e controle de corrupção. O objetivo é caminhar em direção aos níveis das economias dos países membros.

Finalmente, a terceira agenda, que ocupa metade do relatório, se detém sobre as questões relacionadas às altas lacunas de infraestrutura do país[1]. Uma série de políticas para estimular os investimentos públicos e privados e as respectivas estruturas de governança e políticas de financiamento são endereçadas de forma a alavancar produtividade e o desenvolvimento.

Nessa agenda, em particular, o relatório dialoga bem com as diretrizes da OCDE sobre Governança da Infraestrutura, definida como o conjunto de instituições e quadros técnicos disponíveis para planejar, alocar, implementar e gerir os investimentos em infraestrutura.

Há o reconhecimento de que, nos países com melhor Governança da Infraestrutura, um choque positivo de investimento público induz um crescimento consistente do PIB (dividendo de crescimento e produtividade) em comparação com os de menor governança[2]. São mais eficientes, ou seja, crescem mais com um mesmo dispêndio. Em relação à sustentabilidade fiscal, a melhor governança diminui o endividamento público, atraindo maior parceria do setor privado (efeito crowding in).

Pontuo, a seguir, as principais recomendações do relatório no que diz respeito a essa agenda:

Aumento do investimento público para patamares não inferiores a 2% do PIB ao ano, com critérios de adequados de Governança de Infraestrutura. Coerência entre os projetos selecionados e as estratégias nacionais de planejamento integrado, com ênfase nos processos de seleção (metodologias de análises de custo benefício ou multifatoriais), planejamento e implementação dos projetos de forma transparente e com controle social. Nesse ponto, cabe menção aos Acórdãos do TCU 1472/2022 e 2519/2023 que seguem mesmo direcionamento.
Plano de infraestrutura de longo prazo, com colaboração interministerial, incuindo ações estratégicas e projetos tecnicamente avaliados, submetidos à consulta pública, com alocação de recursos federais direcionados, prioritariamente, aos projetos identificados neste pipeline. Nesse ponto, o relatório ressalta a importância do papel das consultas públicas, que reforçam a legitimidade do planejamento estratégico, melhoram a transparência e mitigam o risco de conflito.
Desenvolvimento do orçamento de médio prazo para alocar recursos para os projectos de infraestrutura de longo prazo, aumentando a previsibilidade orçamental. Inclusão de marcos anuais e um cronograma do projeto no plano de infraestrutura de longo prazo, de forma a facilitar o monitoramento, o controle e responsabilidade.
Aprimoramento de instrumentos estruturados para o financiamento dos projetos (capital próprio e dívida) no mercado de capitais, abrangendo o investidor doméstico, institucional e estrangeiro. Incentivos à modalidade Project Finance e desenho de garantias. Estratégias para colocação de títulos de maior prazo (apenas 6% das debêntures incentivadas possuem duração superior a 15 anos). Nesse sentido, o relatório destaca o PL de debêntures de infraestrutura, convertido recentemente na Lei 14.801/24, além de considerar estratégias similares (benefícios fiscais, mitigação de riscos) para estimular maior demanda por títulos de longo prazo em setores como água, saneamento e mobilidade urbana.
Incentivos à melhoria contínua do ambiente de negócios, à estabilidade regulatória e aos aperfeiçoamentos da matriz de risco de projetos. Implementação de Análise de Impacto Regulatório (AIR) para entes infranacionais com nivelamento da capacidade técnica de planejamento para PPPs. Criação órgão de supervisão e coordenação regulatória nacional. Promoção e uso de boas práticas regulatórias em todos os níveis de governo, organização de workshops e troca de informações. Nesse ponto cabe ressaltar as similaridades com a agenda em curso estabelecida pelo PRO-REG.
Autonomia financeira, técnica e administrativa às agencias reguladoras, com exclusão de medidas de contingenciamento, e melhorias na governança das empresas estatais, com observância à Lei das Estatais para todos os níveis de Governo.

Oportuno citar que o Orçamento de 2024 (LOA), sancionado recentemente, trouxe emendas parlamentares de cerca R$ 45 Bilhões. Praticamente a mesma grandeza dos recursos destinados ao PAC (R$ 54 Bilhões) que, inclusive, foi restringido em seu escopo original. Urge a necessidade de uma sistematização para alocação desses recursos aos projetos de investimentos estruturantes, previamente identificados nas estratégias nacionais de Planejamento, como preconiza o relatório, seguindo o monitoramento e avaliação das políticas públicas neles endereçadas. Uma efetiva governança.

Como se constata, o relatório é rico na proposição de agendas. Algumas políticas sugeridas, como a reforma tributária (IVA), o novo arcabouço fiscal ou as debêntures de infraestutura já foram endereçadas, às custas de muito esforço. Outras, como a segunda etapa da reforma tributária de renda e a reforna administrativa estão na pauta do dia. Outras futuras, como abertura econômica e a continuidade do processo de adesão à OCDE ainda aguardam seu momento.

De todo modo, o relátorio traz argumentos técnicos relevantes, e chega em momento ímpar, onde se discute uma série de reformas para alavancar o crescimento econômico e social, com diminuição da pobreza e desigualdades. Uma oportunidade. Recomendo a leitura.

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As opiniões emitidas neste artigo são de exclusiva e inteira responsabilidade da autora, não exprimindo, necessariamente, o ponto de vista institucional.

[1] É consenso que a infraestrutura deficiente, seja em capital físico ou qualidade de serviços, representa um dos principais entraves ao crescimento e ao desenvolvimento do Brasil. Estimativas apontam para necessidade de cerca 3.7% ‒ 4,5% do PIB ao ano para um crescimento sustentável, enquanto a média alcançada na última década foi de apenas 1,7% do PIB ano.

[2] Ver Schwartz (2020).