Em dezembro de 2023, foi aprovada a Resolução 540/2023, pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que altera a Política de Incentivo à Participação Institucional Feminina no Poder Judiciário, prevista pela Resolução CNJ 255/2018.
Esse novo normativo reflete um compromisso com a construção de um Judiciário mais representativo, diversificado e justo. A paridade de gênero, entrelaçada com perspectivas interseccionais de raça e etnia, emerge como pilar fundamental da Resolução. As inovações contidas na norma não são apenas alterações burocráticas; são passos firmes em direção a uma sociedade mais inclusiva.
Nessa ótica, o art. 2º se apresenta como um convite à transformação, ao determinar a presença de pelo menos 50% de mulheres em vários cargos. Além disso, prevê a obrigatoriedade de ocupação de diversos cargos por mulheres no âmbito dos tribunais, em atividades jurisdicionais, administrativas e até contratações terceirizadas, conforme delineado abaixo:
convocação e designação de juízes(as) para atividade jurisdicional ou para auxiliar na administração da justiça;
designação de cargos de chefia e assessoramento, inclusive direções de foro quando de livre indicação;
presença em comissões, comitês, grupos de trabalho, ou outros coletivos de livre indicação;
mesas de eventos institucionais;
contratação de estagiários(as), inclusive nos programas de residência jurídica, ressalvados os editais em andamento;
contratação de empresa prestadora de serviço terceirizado, considerada cada função do contrato, ressalvados os editais em andamento.
Ao contemplar a presença igualitária de mulheres em várias hipóteses, a normativa ultrapassa o convencional e reconhece a necessidade de ampliação da diversidade, incluindo mulheres cisgênero, transgênero e fluidas.
Todavia, destaca a importância de respeitar as situações de equipes consolidadas, enfatizando a observância às mudanças graduais (§ 5º, do art. 2º) e estabelece o início de sua vigência a partir de 90 dias da publicação da resolução (§ 9º, art. 2º).
O novel normativo ainda prevê a manutenção do Repositório Nacional de Mulheres Juristas pelo Conselho Nacional de Justiça, criado inicialmente pela Resolução CNJ 418/2021. Esse repositório disponibiliza o cadastro para participação em eventos e se posiciona como um estímulo à atuação de mulheres que contribuem para o sistema de justiça e para a academia, com expertises em diversas áreas do direito.
Mais uma considerável inserção na norma é a previsão de realização de seminário anual, com abrangência nacional, para o fortalecimento e o encaminhamento de proposições concretas de aperfeiçoamento da Política de Incentivo à Participação Institucional Feminina, com o escopo de buscar o progresso e oportunidades para traçar novas perspectivas para o futuro.
A Resolução CNJ 540/2023, porém, não está isolada nesse ambiente de progresso. Ela se conecta com a recém alterada Resolução CNJ 106/2010, que redefiniu a sistemática de promoção por merecimento no âmbito dos tribunais, impulsionando a alternância de gênero nas escolhas e designações, com vistas a uma representação mais equitativa no Judiciário.
Como enfatizado, essas alterações não são apenas normativas; são uma revolução cultural no Judiciário. Ao reconhecer a necessidade de mudanças, a resolução não apenas proclama, mas efetivamente pratica os princípios fundamentais da igualdade e equidade. É um compromisso com um Judiciário que não apenas julga, mas também representa verdadeiramente a sociedade.
No entanto, os números demonstram que essa jornada pela paridade está longe de ser concluída. A assimetria da presença feminina nos cargos políticos do Judiciário salta aos olhos, especialmente nos tribunais superiores.
Segundo a pesquisa Participação Feminina na Magistratura[1], publicada pelo CNJ em 2023, “[e]nquanto o STJ e TST estão em patamares próximos (23% e 22%, respectivamente), o STM registra o menor percentual entre os Tribunais Superiores, com 17%”. No Supremo Tribunal Federal (STF) o número é ainda menor: dos 11 ministros, apenas 1 mulher, o que representa 9% de presença feminina na Suprema Corte do país.
É um percentual muito reduzido que evidencia a necessidade de mais avanços para alcançar a igualdade de gênero. Uma avaliação global revela que:
O percentual de juízas no Poder Judiciário encontra-se em 38% nacionalmente – o mesmo registrado em 2019 (CNJ, 2019). A Justiça Estadual apresentou ligeiro aumento em face da apuração anterior de 37,4% para 38%. A Justiça do Trabalho apresenta pequena redução, de 50,5% para 49%. A Justiça Federal tem o mesmo patamar de 31% e a Justiça Eleitoral aumentou de 31,3% para 34%.
No próprio CNJ a história não é muito diferente. Nas últimas composições, a participação feminina girou em torno de 20%, não mais do que isso. A próxima composição, por exemplo, seguirá a mesma proporção, pois dos 15 conselheiros que compõem o órgão, apenas 4 serão mulheres (equivalente a 26%), de forma a refletir a necessidade de persistir na luta pela representatividade.
Inegável que a Resolução CNJ 540/2023 representa um divisor de águas na busca pela igualdade material entre homens e mulheres, especialmente pela essência transformadora que ela carrega. Mas é preciso pavimentar uma via mais natural e menos selvagem para a ocupação de cargos políticos pelas mulheres, em especial no Poder Judiciário, para que os percentuais de desembargadoras, ministras e conselheiras alcancem a tão sonhada paridade.
[1] Disponível em: https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2023/08/participacao-feminina-na-magistratura-v3-31-08-23.pdf