O anexo ASG da B3 e a diversidade na liderança de empresas

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As empresas estão voltando seus olhares para o ESG (sigla em inglês para environmentalsocial and governance), o qual corresponde às boas práticas ambientais, sociais e de governança corporativa. A aprovação de proposta da B3, pela CVM, para criação do Anexo ASG (sigla em português de ESG) é um importante movimento regulatório que reflete este cenário.      

Incluído na nova versão do Regulamento de Emissores, o Anexo ASG indica parâmetros para aumentar a diversidade nos cargos de alta liderança das companhias abertas, alinhados com as normas do cenário internacional envolvendo a temática. Anteriormente, no Brasil, o tema vinha orientado por boas práticas sem maior parâmetro normativo.

No contexto internacional, a Diretiva 2022/2381 da União Europeia, de 23 de novembro de 2022, estabelece que as empresas listadas na bolsa de valores de seus países membros deverão ter pelo menos 40% dos cargos não executivos da administração ou 33% do total dos cargos executivos e não executivos da administração ocupados por mulheres até 30/06/2026. A diretiva objetivou um equilíbrio de gênero nas empresas que tenham mais de 250 colaboradores, introduzindo procedimentos de contratação e nomeação transparentes, com a previsão de multas em decorrência do descumprimento das metas. 

Nos Estados Unidos, a Securities and Exchange Commission (SEC) aprovou, em 06 de agosto de 2021, a regra proposta pela Nasdaq Inc. para incentivar a diversidade na alta administração das empresas, em documento denominado “Nasdaq’s Board Diversity Rule: What Companies Should Know”. Segundo a normativa, as empresas deverão ter ao menos dois diretores diversos – sendo uma mulher e outro pertencente a um outro grupo sub-representado. Empresas menores e estrangeiras podem ter duas diretoras ou uma diretora e um diretor sub-representado. Já empresas com até cinco diretores devem ter ao menos um diretor diverso.

Além disso, as empresas deverão divulgar anualmente dados de diversidade no nível do conselho, desde o ano seguinte à aprovação da normativa. As demais regras devem ser cumpridas entre dois a cinco anos da aprovação da normativa, a depender do número de membros do conselho ou segmento de listagem. As empresas que não implementarem as medidas deverão explicar o motivo de não o fazer, no modelo “pratique ou explique”, sendo que a Nasdaq não avalia o mérito da explicação.

No Reino Unido, o regulador financeiro determinou às empresas que compõem o índice FTSE 350 a nomeação de pelo menos 40% de mulheres no conselho até 31 de dezembro de 2022, assim como a indicação de pelo menos uma mulher ao cargo sênior (por exemplo, presidente, diretora executiva ou diretora financeira), e de ao menos um membro do conselho oriundo de uma minoria étnica, não tendo previsão de sanção como na diretiva da União Europeia, mas sim uma campanha de “name or shame”.

Como resultado, a representação feminina nos conselhos das empresas do FTSE 350 aumentou de 9,5% em 2011 para 40% até o final de 2022. O próximo objetivo é ter mais mulheres em cargos-chave e em cargos executivos, além de cada empresa pertencente ao FTSE 350 atingir individualmente a meta de 40%.

Sobre o Anexo ASG, este documento prevê três medidas de caráter “pratique ou explique”, destinadas às companhias listadas na B3, exceto aquelas expressamente dispensadas no art. 59 do Regulamento de Emissores. 

A primeira, que, segundo o Regulamento de Emissores da B3, tem na dimensão social critérios de diversidade, inclusão e equidade, diz respeito à necessidade de as companhias listadas elegerem como membro titular do conselho de administração ou da diretoria estatutária pelo menos uma mulher e um membro de comunidade sub-representada (“preta”, “parda”, “indígena”, integrante da comunidade LGBTQIA+ e pessoa com deficiência).

A segunda determina que haja previsão, no estatuto social ou em política de indicação aprovada pelo conselho de administração, de requisitos ESG para indicação dos membros do conselho de administração e da diretoria estatutária, que considere a complementariedade de experiências e diversidade em matéria de gênero, raça, orientação sexual, faixa etária e inclusão de pessoas com deficiência.

Por fim, a terceira diz respeito aos indicadores de desempenho de metas ESG nas políticas ou práticas de remuneração da administração, quando houver remuneração variável nas companhias.

Em que pese as regras do Regulamento de Emissores da B3, em sua versão atualizada, tenham entrado em vigor em 19 de agosto de 2023, as medidas previstas no Anexo ASG têm prazos próprios para os emissores, que vão de 2 a 3 anos para adaptação pelas empresas ou para apresentação de justificação ao mercado e investidores quanto à ausência de adoção das medidas, informações, que deverão constar no formulário de referência, documento público que as companhias abertas devem, de modo obrigatório, divulgar todos os anos.

Cabe referir que as práticas ESG estão estritamente relacionadas com o Pacto Global, lançado em 2000 pela Organização das Nações Unidas, com o objetivo de mobilizar a comunidade empresarial para a adoção de iniciativas rumo ao progresso sustentável, tendo como base os 10 Princípios Universais de Direitos Humanos, Trabalho, Meio Ambiente e Anticorrupção. Quem adere ao Pacto Global, assume a responsabilidade de contribuir com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). Verifica-se que o  Anexo ASG está alinhado ao ODS 5 – igualdade de gênero – e ao ODS 10 – redução das desigualdades.

Também é importante mencionar os diversos benefícios associados à adoção de medidas ESG pelas empresas. Em 2018, a pesquisa da McKinsey & Company mostrou o impacto da diversidade na performance financeira das empresas, demonstrando que companhias com variedade ou mistura de etnias têm probabilidade 33% maior de superar seus pares em termos de lucratividade. Além disso, empresas do quartil superior em diversidade de gênero nas equipes executivas tinham uma probabilidade 21% maior de terem margem EBITDA superior à de seus pares do quartil inferior.

Outro grupo de stakeholders que está introduzindo aspectos ESG como prioridade na escolha das empresas com quem vão contratar ou comprar produtos são os consumidores. Como demonstra pesquisa realizada pela FleishmanHillard em 2021, a cada 10 pessoas, 8 desejam que as empresas se comprometam com o avanço da diversidade, equidade e inclusão no local de trabalho. A pesquisa também mostrou que 70% dos consumidores manifestaram que as empresas têm um papel a desempenhar no combate à violência contra as mulheres.

Estudo publicado em fevereiro de 2022 pela Harvard Business Review, analisando 163 empresas por 13 anos, concluiu que empresas com um número maior de mulheres em cargos de liderança são mais abertas à inovação e menos propensas a riscos. Além desta, uma pesquisa realizada pela FGV concluiu que empresas brasileiras com lideranças femininas têm desempenho significativamente melhor na temática ESG, recebendo notas mais altas em critérios ambientais e sociais.

Ao reunir pessoas de diferentes origens culturais, raciais e de gênero, as empresas obtêm uma variedade de perspectivas e ideias, ampliando a criatividade e alcançando novas soluções a menor custo transacional. Mais do que isso, promovem e retêm os profissionais talentosos, valorizando suas habilidades e perspectivas, provocando o sentimento de valorização e respeito.

A diversidade racial e de gênero nas empresas vai além de ser uma demanda atual; é um fator comprovadamente associado a ganhos financeiros e ao fortalecimento das instituições. Diferentes visões, trabalhando em busca de um mesmo objetivo, promovem um ambiente mais rico e reflexivo, contribuindo para melhorias na sociedade.

Percebe-se, assim, que o Anexo ASG dará maior transparência aos investidores, além de se apresentar como importante normativa em matéria de diversidade em altos cargos das empresas, a qual deverá ser observada pelas companhias brasileiras listadas em bolsa, já que, a partir de 2025, a regra será “pratique ou explique” nessa temática.