Será apenas neste ano de 2024 que o Brasil possivelmente venha a modificar a sua legislação para a criação de novos impostos de renda voltados à implementação do imposto mínimo global, nos moldes propostos pelo projeto “Pilar 2” da OCDE.
Não obstante, a adoção desses novos tributos em outros países já vem afetando empresas brasileiras, especialmente as multinacionais cuja estrutura no exterior envolve subsidiárias estabelecidas nesses países que iniciaram a adoção do “Pilar 2”. Na virada do ano, muitos países europeus e asiáticos já tinham aprovado legislação tributária para implementar as regras modelo globais anti-erosão da base tributária em nível global (GloBE model rules) integrantes do projeto “Pilar Dois”.
Em razão disso, muitas empresas brasileiras que atuam no exterior mediante estruturas corporativas centralizadas em países como Alemanha, Coreia do Sul, França, Itália, Japão, Luxemburgo e Reino Unido já deram início a trabalhos de avaliação das regras do Pilar 2 e estimativas de impactos dos novos tributos criados nesses países.
As medidas do Pilar 2 envolvem a criação de novos tributos (IIR, UTPR, QDMTT) com alcance extraterritorial e que objetivam capturar lucros dos grupos multinacionais realizados em qualquer localidade e que porventura tenham sido subtributados. Para saber se há casos de subtributação, deve-se buscar compreender e calcular a carga tributária efetiva em todos os países de atuação do grupo multinacional segundo as fórmulas e os mecanismos complexos do Pilar 2.
Em razão deste cenário de implementação concreta de uma reforma tributária internacional histórica, a contabilidade exige a incorporação dessas informações e estimativas nas demonstrações financeiras.
Nesse particular, é louvável que a CVM tenha adotado normas especiais, aprovadas em consulta pública realizada em novembro pelo Comitê de Pronunciamentos Contábeis, para facilitar o cumprimento das normas contábeis e o fechamento das demonstrações financeiras anuais encerradas em dezembro de 2023.
Nota-se que as obrigações de divulgação foram formuladas de modo principiológico com vistas ao atendimento do objetivo da divulgação, que é o de fornecer informações úteis aos usuários das demonstrações financeiras sobre a exposição da entidade aos tributos do Pilar 2.
Essas mudanças foram engendradas pelo IASB e AASB, em discussões e trabalhos preparatórios realizados entre os meses de novembro/2022 até maio/2023, resultando em propostas de alterações no IAS 12 que foram posteriormente adotadas por países que utilizam o padrão IFRS para as suas Demonstrações Consolidadas. Durante as discussões no IASB, foram emitidos, até o presente momento, uma minuta expositiva (Exposure Draft), cinco Papéis de Agenda (Agenda Papers 12, 12A, 12B, 12C e 12D) e o relatório de base para as conclusões do IAS 12. Referências a tais materiais são feitas aqui com siglas ED, AP e BC.
A Resolução CVM 197/2023 essencialmente insere no CPC 32: (i) uma isenção temporária para o reconhecimento e divulgação de IR diferido em relação aos tributos do Pilar Dois, e (ii) uma obrigação de divulgação de informações sobre a exposição da entidade aos tributos do Pilar Dois.
Esta obrigação de divulgação de dados foi formulada de modo a equilibrar os benefícios da divulgação de informações precisas com os custos elevados da sua preparação (BC108). Assim, nota-se que as obrigações de divulgação foram estabelecidas de modo principiológico com vistas ao atendimento do objetivo da divulgação, que é o de fornecer informações úteis aos usuários das demonstrações financeiras sobre a exposição da entidade aos tributos do Pilar 2 (AP12B, itens 27 e 42-44).
As obrigações de divulgação foram desenhadas sem exigências específicas de conteúdo e apresentam uma estrutura alternativa:
i. Entidades que já estejam num estágio avançado de análise e possuam informações conhecidas ou razoavelmente estimáveis sobre a sua exposição aos tributos do Pilar Dois, devem divulgar informações qualitativas e quantitativas nas suas demonstrações financeiras (Res. CVM 197/2023, item 88D, primeira parte);
ii. Entidades que não tenham ainda informações conhecidas ou razoavelmente estimáveis sobre a sua exposição devem apenas se limitar a divulgar uma declaração nesse sentido e informações sobre o progresso da avaliação da sua exposição aos tributos do Pilar Dois (Res. CVM nº 197/2023, item 88D, parte final).
Segundo o item 98M, recém-introduzido ao CPC 32 pela Resolução CVM nº 197/2023, a entidade deverá:
a) Aplicar os itens 4A e 88A imediatamente após a emissão dessas alterações e retrospectivamente, de acordo com o CPC 23; e
b) aplicar os itens 88B e 88D para períodos de reporte anuais iniciados em, ou após, 1º de janeiro de 2023. A entidade não precisa divulgar as informações exigidas por esses itens para qualquer período intermediário que termine em ou antes de 31 de dezembro de 2023.
Tanto as obrigações descritas no item “a” quanto no “b” supra se aplicam às demonstrações financeiras anuais encerradas na data-base de 31 de dezembro de 2023. Desta forma, as companhias brasileiras devem atentar para as obrigações contidas nos itens 4A e 88A a 88D do CPC 32.
Destaca-se, com relação ao item 88B, que, segundo esclarecem as bases para conclusão, esta obrigação de divulgação segregada da despesa (receita) de IR corrente relacionado ao Pilar 2 somente será exigida a partir de períodos em que a legislação de Pilar Dois estiver vigente em países nos quais a entidade opera (BC114). Portanto, esta exigência não é, na prática, aplicável para as demonstrações financeiras anuais encerradas em 31/12/2023, pois nenhum país implementou concretamente tributos do Pilar Dois exigíveis em relação a fatos ocorridos em 2023.
A divulgação de informações sobre este item 88B deve apenas passar a ocorrer nas demonstrações financeiras trimestrais publicadas a partir de 2024. Quanto às demais obrigações, cabe a cada companhia avaliar o seu estágio de evolução na avaliação de impactos do Pilar 2 e a confiabilidade das informações e estimativas já disponíveis a fim de definir a profundidade das informações a serem divulgadas nas suas demonstrações financeiras.