Já há algum tempo o TCU vem buscando ampliar a extensão de suas competências cautelares com certa liberdade interpretativa sobre os textos normativos – eufemismo para designar decisões contra legem –, e tem contado com certa condescendência do STF.
Para além da polêmica discussão a respeito da delimitação geral e abstrata das competências cautelares dos tribunais de contas, há uma questão urgente e pouco enfrentada: as consequências e responsabilidades in concreto pela adoção de tais medidas.
A esse respeito, o TCU parece sinalizar que a retenção cautelar de valores contratuais, promovida em excesso por determinação da própria Corte, não caracteriza mora, razão pela qual não devem incidir juros moratórios sobre os valores indevidamente retidos (Acórdão 2645/2022-Plenário). Sob essa lógica, a Administração e o TCU não teriam responsabilidade alguma pela retenção excessiva, cabendo ao contratado suportar tal ônus.
Posição igualmente curiosa é a adotada pela Corte de Contas a respeito do novo delineamento da competência para suspensão de licitações, trazido na Lei 14.133/2021. No Acórdão 2.463/2021-Plenário, o TCU alega a inconstitucionalidade de diversos trechos do art. 171.
Dentre os fundamentos do inconformismo, destacam-se os seguintes:
(i) exiguidade do prazo legal (25 dias úteis prorrogáveis por igual período) para que o TCU se pronuncie em definitivo sobre o mérito da irregularidade que tenha ensejado a suspensão do certame (art. 171, §1º), vez que tal limitação temporal obstaria a análise de temas de maior complexidade, e configuraria um obstáculo ao exercício das competências das Cortes de Contas, levando-se em conta, inclusive, o “poder geral de cautela, fundado na teoria dos poderes implícitos” (sempre eles).
(ii) atribuição indevida aos Tribunais de Contas de deveres típicos da Administração, ao se estabelecer que, na decisão que examinar o mérito da medida cautelar de suspensão da licitação, a corte deverá definir as medidas necessárias e adequadas, em face das alternativas possíveis, para o saneamento do processo licitatório.
A insurgência contra referidas inovações legislativas evidencia, de um lado, resistência do TCU à assunção de um compromisso efetivo com a celeridade nas contratações públicas, bem como à adoção de uma postura de autocontenção quando, em cognição sumária, estiver diante de temas de maior complexidade. E, de outro lado, aponta a aversão da corte ao enfrentamento direto dos impactos sociais, políticos e econômicos de suas decisões cautelares – contrariando, inclusive, o que dispõe a LINDB (artigos 20 a 22).
No desenho institucional que o TCU idealiza para si, nem sempre com amparo no texto constitucional ou legal, a corte é detentora de competências cautelares gerais, implícitas, ilimitadas, sem assumir, em contrapartida, qualquer ônus ou responsabilidade efetiva pelo exercício desse poder, nem mesmo quando praticado em excesso. É o melhor dos mundos – resta saber para quem.