Me permitam conduzi-los por uma jornada mais profunda, pela qual compartilho não apenas minha história, mas também as complexidades e desafios que envolvem a questão humanitária global e a notável transformação do Brasil em um farol de inclusão para apátridas, refugiados e imigrantes.
Eu sou Maha Mamo, uma voz que emerge das sombras da apatridia, nascida no Líbano sem uma nacionalidade, e minha trajetória é uma representação vívida de uma luta compartilhada por milhões ao redor do mundo. A apatridia não é apenas uma ausência de documentos; ela é um labirinto de obstáculos que afeta cada aspecto da vida de quem a experimenta. A negação de uma nacionalidade impacta o acesso à educação, saúde, emprego e, mais fundamentalmente, o reconhecimento humano.
Minha própria saga como apátrida começou no Líbano, onde as complexas leis sírias sobre casamentos inter-religiosos impossibilitaram a concessão de nacionalidade. Meus pais, de diferentes religiões, não podiam se casar na Síria, deixando-me sem a nacionalidade síria e sem qualquer acesso a documentos essenciais. O Líbano, por sua vez, não concedia nacionalidade a filhos de pais não libaneses, criando uma situação única de apatridia que se desenrolou ao longo de três décadas.
A chegada ao Brasil, em 2014, representou um ponto de virada em minha vida. Aqui, encontrei uma nação disposta a abrir suas portas para refugiados, oferecendo a oportunidade de recomeçar e vislumbrar um futuro digno. No entanto, mesmo com habilidades e um mestrado em administração, as portas do emprego não se abriram imediatamente. A falta de preparação e reconhecimento para acolher a diversidade de competências trazidas por refugiados é um desafio que persiste até os dias atuais em 2023.
A realidade é que muitos refugiados, dotados de habilidades valiosas, se encontram subutilizados devido à lentidão burocrática e à falta de uma abordagem mais eficiente na validação de diplomas. Essa ineficiência cria uma discrepância entre o potencial dos apátridas e refugiados e as oportunidades tangíveis que lhes são oferecidas. A sociedade precisa compreender que a força da diversidade reside na contribuição única que cada indivíduo traz para o tecido social.
Quando me tornei uma palestrante global, compartilhando minha história em diversos cantos do mundo, percebi a necessidade de redefinir as percepções sobre apátridas e refugiados. Acreditava que o tempo estava do meu lado, que o Brasil eventualmente adaptaria suas leis para abraçar a diversidade. Contudo, um evento trágico alterou minha perspectiva: a perda inesperada de meu único irmão em um assalto. Ele, como refugiado, obteve ao menos a dignidade mínima de uma certidão de óbito, enquanto, como apátrida, essa formalidade crucial seria negada, subtraindo dele a dignidade humana.
A apatridia e o refúgio transcende a questão individual e assume contornos sociais mais amplos. A exclusão dessas pessoas da sociedade pode tornar-se um fardo para o Estado e contribuir para conflitos e instabilidade. A apatridia e o refúgio são desafios globais que exigem atenção urgente.
No entanto, em meio a essas complexidades, o Brasil emerge como um exemplo para o mundo. Ao oferecer refúgio a mim e a meus irmãos, o Brasil abriu suas portas não apenas para indivíduos, mas para a ideia de que a inclusão é um caminho para uma sociedade mais justa e equitativa. A minha história, embora permeada por desafios, reflete a transformação positiva que o Brasil representa. A nação, ao acolher e integrar apátridas e refugiados, não apenas defende direitos humanos fundamentais, mas também serve como um modelo para outras nações que enfrentam desafios similares.
A minha jornada como ativista ganha significado em um contexto mais amplo. Viajo pelo mundo, compartilhando minha experiência, buscando educar e inspirar mudanças. Minhas palestras não são apenas uma narrativa pessoal; são uma chamada à ação, instando governos, organizações internacionais e empresas a reconhecerem o valor intrínseco dos apátridas e refugiados.
Ao me tornar uma brasileira naturalizada, residente em Paris, e facilitadora da ONU, testemunho o impacto positivo que a inclusão pode ter na vida de apátridas. Ministro palestras em diversas plataformas, incluindo grandes corporações, abordando temas como direitos humanos, pertencimento, diversidade e inclusão. A jornada, que começou como uma luta pessoal, se tornou uma missão coletiva para redefinir as narrativas em torno da apatridia e dos refugiados.
Em última análise, a apatridia é um desafio sério que clama por resolução. A inclusão com dignidade é essencial para construir uma sociedade justa e equitativa. Meu papel como ativista é impulsionar essa mudança, mas a verdadeira transformação ocorre quando a sociedade como um todo se compromete a garantir que apátridas e refugiados tenham acesso aos mesmos direitos e oportunidades que os cidadãos. O Brasil, ao se tornar um exemplo global, destaca a importância vital de uma abordagem compassiva e justa em relação a essa questão humanitária complexa. Em um mundo que muitas vezes parece dividido, a história brasileira de acolhimento e inclusão ressoa como uma promessa de esperança e inspiração para um futuro mais humano e igualitário.