Na abertura dos Jogos Olímpicos de 2016, a bandeira do Comitê Olímpico Internacional entrou no Maracanã sendo carregada por quatro homens e quatro mulheres. Uma delas era Ellen Gracie, então copresidente do Tribunal Olímpico, cuja trajetória se destaca por ter sido a primeira mulher a integrar e presidir o Supremo Tribunal Federal.
Com a aposentadoria de Ellen Gracie, a ministra Rosa Weber foi indicada para a vaga aberta no STF. Após a aposentadoria da ministra Rosa, então presidente do tribunal, os holofotes se voltaram, mais uma vez, ao presidente da República, em uma tentativa de emplacar uma sucessão feminina ao Supremo e dar seguimento à curta tradição de presença de mulheres nesta cadeira.
As reivindicações da sociedade civil em prol da indicação, pela primeira vez na história, de uma mulher negra para cadeira no mais alto tribunal da nação não foram abraçadas pelo governo. Diante da aprovação do nome de Flávio Dino pelo Senado nesta quarta-feira (13), resta apenas reivindicar que o sucessor de Rosa assuma uma dose alta de responsabilidade institucional para seguir o seu legado na cadeira que mais hospedou mulheres até hoje no STF.
Rosa Weber chegou ao Supremo após uma trajetória por todos os níveis da Justiça do Trabalho, enquanto magistrada de carreira. Assume posto no STF em momento no qual o tribunal ainda atende ao chamado de “esse outro desconhecido”, na expressão do ex-ministro Aliomar Baleeiro.
Logo no ano seguinte de sua posse, o Supremo inicia a sua projeção na sociedade e na mídia, como palco do julgamento do mensalão, e desde então permanece nesse espaço de protagonismo diário, tomando algumas das decisões mais importantes para a vida política nacional na atualidade.
Flávio Dino, ainda que compartilhe com Rosa Weber a carreira na magistratura, o fez durante curto espaço de tempo na Justiça Federal, entre 1994 e 2006, com um hiato de participação na Justiça Eleitoral. A partir de 2007, foi titular de diversos cargos eletivos, desde deputado federal para a legislatura de 2007 a 2011 até governador do Maranhão por dois mandatos entre 2015 e 2022, sendo posteriormente eleito senador nas eleições de 2022.
Em cargos políticos não eletivos, ocupou a presidência da Agência Brasileira de Promoção Internacional do Turismo (Embratur) entre 2011 e 2014 e a chefia da pasta da Justiça e Segurança Pública sob este terceiro mandato do presidente Lula.
Não é novidade para o Supremo hospedar juristas engajados em atividades político-partidárias. O ministro Paulo Brossard ocupou o Poder Legislativo estadual, bem como as posições nas duas casas do Congresso Nacional antes de ser indicado ao STF. Ambos integrantes da Assembleia Nacional Constituinte, Maurício Corrêa foi senador e Nelson Jobim foi deputado federal por dois mandatos, antes de chegarem ao tribunal. Todavia, Dino é o primeiro político de carreira que assume a judicatura em um Supremo já profundamente imerso na vida política do país.
Rosa, na contramão de um STF que figura na capa dos jornais todos os dias, adotou um estilo de comunicação bastante consistente ao longo de sua permanência no tribunal, evitando as entrevistas reservadas e sempre compartilhando as suas posições nos autos.
Dino, na contramão de Rosa, adiantou em sua sabatina na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado que pretende manter suas redes sociais. Esta declaração apenas aponta para um STF ainda mais desprovido de manifestações oficiais e centralizadas, considerando a atual ausência de uma política clara de comunicação para seus ministros, muitos dos quais se posicionam em nome pessoal nas redes sociais, na mídia e em eventos diversos, em sentido oposto à institucionalidade do tribunal.
Rosa assumiu casos bastante relevantes na história recente do Supremo, como por exemplo a descriminalização do aborto. Mais recentemente, foi responsável pela relatoria de julgados sensíveis, nos quais começou a marcar posições políticas mais evidentes em combate às ameaças do bolsonarismo, porém sempre respeitando a liturgia do cargo e a manifestação nos autos, como fez nas arguições que questionavam a prática do orçamento secreto no governo Bolsonaro e a constitucionalidade de decreto presidencial alterando a composição do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama).
A ministra esteve à frente do Tribunal Superior Eleitoral durante as eleições de 2018, marcadas pelo desafio do combate à desinformação, e transferiu o comando ao ministro Luís Roberto Barroso no início da pandemia, já enfrentando a dificuldade de se realizar as eleições municipais de 2020 em meio à Covid-19.
Na presidência do STF, assumiu a chefia do Poder Judiciário poucas semanas antes das eleições de 2022, cuja animosidade atingiu o nível mais alto desde a redemocratização, e viu o tribunal ser invadido e destroçado nos ataques de 8 de janeiro, enquanto Dino chefiava há uma semana a pasta responsável pela segurança pública. Encabeçou a reconstituição do plenário do Supremo a tempo da abertura do ano judiciário.
Ainda na presidência, deu andamento a iniciativas de fortalecimento institucional do Supremo, alterando o regimento interno do tribunal para estabelecer a devolução de pedidos de vista no prazo de 90 dias, sob pena de liberação automática do processo para julgamento. Também foram adotadas mudanças no regimento para submeter determinadas decisões liminares monocráticas de ministros ao colegiado, se antecipando aos movimentos recentes do Senado de aprovar proposta de emenda à Constituição para limitar os poderes monocráticos de ministros do STF.
Aliás, em sua atuação, a ministra Rosa incorporou o valor da colegialidade, antes de mais nada, pelo respeito aos seus pares, não interrompendo as falas dos demais, ainda que muitas vezes fosse interrompida. Em episódio no plenário, foi apoiada pela sua – única – colega mulher, que citou estudo demonstrando a frequência 18 vezes maior de interrupção de juízas mulheres nos tribunais constitucionais com presença feminina, em comparação aos juízes homens.
Também pelo respeito ao princípio da colegialidade, e apesar de várias críticas, ficou conhecida no julgamento do habeas corpus do presidente Lula em 2018, quando ressalvou a sua posição pessoal sobre a tese jurídica da prisão após condenação em segunda instância para seguir o entendimento da maioria do Supremo até então existente.
Rosa demonstrou a sua imparcialidade ao proferir votos que desagradavam tanto a Bolsonaro como a Lula, mesmo este último sendo correligionário da ex-presidente Dilma Rousseff, que a indicou ao cargo no STF. Agora caberá a Dino demonstrar a mesma altivez quando, na cadeira de juiz, se deparar com casos que envolvam seus aliados ou seus desafetos, começando pelo recurso extraordinário que o aguarda em seu gabinete, acerca do indulto natalino concedido no último ano de mandato do ex-presidente Bolsonaro.
Em suma, Rosa Weber reúne diversas competências e valores que são relevantes para a construção de um Supremo Tribunal Federal mais harmônico, respeitado e plural. A esperança de que a cadeira de Rosa abrigasse uma figura feminina fica postergada, a princípio, até 2028, potencialmente sob uma Presidência da República e um Senado que incentivem esforços em prol da paridade de gênero que, ao contrário da entrada da bandeira olímpica no Maracanã, nunca se viu na entrada de ministros no STF.
De todo modo, é crucial que Flávio Dino, enquanto mais um dentre as dezenas de homens que se sentaram nas cadeiras do STF, honre a trajetória de sua antecessora e demonstre a mesma capacidade de agir de Rosa, não obstante as diferenças acentuadas que marcam a sua trajetória. Do contrário, será apequenar o Supremo.