Veto à desoneração poderá levar setor de tecnologia brasileiro ao retrocesso

  • Categoria do post:JOTA

Vetado integralmente pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o PL 334/2023 prorrogaria a desoneração da folha de pagamentos para 17 setores econômicos até o dia 31 de dezembro de 2027. Um desses setores é o de Tecnologia da Informação (TI). Neste sentido, a Unico, empresa brasileira especializada em serviços de identidade digital, demonstrou sua preocupação por meio da nota coletiva assinada, entre outras entidades, pela Associação das Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação (TIC) e de Tecnologias Digitais, a Brasscom.

Diante da seriedade do assunto e de suas possíveis consequências para o setor de tecnologia e toda a economia brasileira, reunimos mais algumas informações que consideramos essenciais para um diálogo mais amplo. Conforme o projeto aprovado pelo Congresso Nacional, esses 17 setores — muitos deles historicamente reconhecidos pela geração de empregos e renda — poderiam contribuir com um percentual entre 1% e 4,5% sobre o faturamento bruto. Em vez disso, sem a desoneração em questão, passarão a ser tributados em 20% sobre a folha de pagamento para a Previdência Social.

Uma das consequências mais óbvias dessa decisão é que as empresas afetadas serão obrigadas a reverem suas estruturas de custos, despesas e de investimentos planejados para os próximos anos. Diferentemente de outros setores, que podem olhar para outros custos de produção, as empresas de tecnologia basicamente trabalham com o recurso mais essencial e valioso de todos: as pessoas. Como essas empresas poderão se manter competitivas — inclusive em âmbito global — se a sua folha de pagamento, que corresponde ao principal custo e investimento, tiver um aumento dessa dimensão?

A extinção da desoneração da folha poderá desencadear um verdadeiro retrocesso no setor de tecnologia. Certamente, a medida implicará a revisão de planos de negócios, e neste setor especificamente, em inovação: novos projetos e produtos, que possivelmente demandam o emprego de maior capital humano,  podem ser prejudicados pela ausência do benefício.

Na última década, pudemos observar que essa política foi estruturante para esse setor, promovendo formalização e mais qualificação dos profissionais, elevando as contratações e o aumento salarial, além de contribuir para o crescimento da arrecadação de tributos. A decisão pela continuidade da desoneração, portanto, não seria uma renúncia fiscal, mas, sim, uma troca de base tributária.

Para se ter uma ideia, de acordo com o Relatório Setorial da Brasscom, o setor de tecnologia da informação e comunicação representou 6,6% do PIB do país em 2022, com uma produção de R$ 653,7 bilhões. Nos últimos cinco anos, teve um crescimento médio anual de 6,9%.

Em termos de geração de emprego, foram 117 mil novos postos de trabalho criados em 2022 (como parte de um total de 2,02 milhões de empregos formais). O acréscimo é de 6,1% em relação a 2021, que também já tinha registrado aumento de 11,7% em comparação a 2020.

Da forma como se estabeleciam as bases tributárias e políticas, projeções de aumento na demanda pelos serviços de tecnologia eram estabelecidas. O mesmo relatório projetava, ainda, um aumento por talentos de TI que chegaria a mais 541 mil novas vagas até 2025. Importa frisar, ainda, que a média salarial é mais de duas vezes a média nacional no caso do profissional de tecnologia, o que exemplifica a alta demanda por mão de obra especializada e a valorização desse talento do mercado nacional e internacional.

Com maiores custos embutidos nas folhas de pagamento, as empresas de tecnologia poderão perder competitividade. É possível considerar, inclusive, uma eventual fuga mais acelerada de talentos, que irão buscar melhores condições e salários em outros países — um fenômeno que já temos observado, principalmente com a adoção do trabalho remoto.

Um estudo deste ano da Fundação Getulio Vargas (FGV), encomendado pela Unico, ajuda a entender como o setor de desenvolvimento de sistemas de tecnologia afeta toda a economia do país. Os pesquisadores examinaram os resultados da atuação de algumas tecnologias e como suas operações afetam outros segmentos, considerando produção, emprego e renda dos trabalhadores.

Os resultados revelam um poderoso efeito multiplicador do ramo na economia. Para se ter uma ideia, a cada aumento de R$ 1 na demanda, a produção da economia é impactada em R$ 3,88. A média do multiplicador de todos os setores da economia (efeito total) é de R$ 3,94. O setor de agricultura, por exemplo, tão importante para o país em termos econômicos, possui um multiplicador de R$ 2,77.

Em termos de emprego e geração de renda, para cada emprego direto criado no setor, são gerados 1,71 empregos adicionais na economia. E, para cada R$ 1 de renda gerada diretamente na empresa, são adicionados R$ 1,32 à economia como um todo.

Assim como o estudo da FGV/Unico, que demonstra a relevância do setor de tecnologia para a economia brasileira, a última edição do EY Future Consumer Index contribui ainda mais para essa visão, ao apontar que os consumidores estão incorporando cada vez mais a tecnologia em suas vidas, confiando em ferramentas digitais para facilitar suas rotinas.

Como exemplo, a adoção da biometria facial para autenticação de identidades, prevenção de fraudes, etc., tem crescido exponencialmente, sendo uma das principais tecnologias de verificação de identidade digital desenvolvida e oferecida pela Unico aos maiores bancos e varejistas do país, de forma a beneficiar milhares de pessoas nas mais diversas transações digitais do dia a dia — abrir uma conta no banco, solicitar um empréstimo, pagar uma conta, ser admitido em uma empresa e assim por diante.

O estudo da FGV também estimou o custo da paralisação dos serviços da Unico por um dia, o que geraria um impacto negativo no PIB de R$ 4,7 milhões, uma perda de R$ 550 mil em rendimentos dos trabalhadores e a extinção de 36 postos de trabalho. Em longo prazo, esse impacto poderia alcançar aproximadamente R$ 5,15 bilhões em três anos. Os serviços da Unico também têm um impacto indireto de R$ 115 bilhões economizados para seus clientes somente em 2022 diante das fraudes evitadas.

Portanto, compreender as minúcias do papel do setor de tecnologia é fundamental para orientar políticas e investimentos que impulsionem o crescimento econômico, a inovação e facilitem a vida de empresas e cidadãos. Rever a decisão sobre a extinção da desoneração da folha de pagamento das empresas de tecnologias do Brasil e ampliar esse debate são medidas essenciais para termos um país inovador e competitivo nacional e internacionalmente.