A transação tributária federal vem se consolidando como um importante e eficiente instrumento de redução da litigiosidade e de arrecadação, e, em decorrência disso, está em constante aprimoramento.
Uma das principais e mais esperadas alterações introduzidas na Lei da Transação ocorreu em meados de 2022, quando da publicação da Lei n. 14.375/2022, que incluiu o inciso IV, ao art. 11, da Lei n. 13.988/2020, permitindo às transações individuais a utilização de créditos de Prejuízo Fiscal (PF) e de Base de Cálculo Negativa (BCN) da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), na apuração do Imposto sobre a Renda das Pessoas Jurídicas (IRPJ) e da CSLL, até o limite de 70% do saldo remanescente após a incidência dos descontos.
Oportuno destacar que, a teor do §1º, do art. 11, da Lei 13.988/2020, o deferimento do uso de tais créditos é medida discricionária a ser adotada em caráter excepcional, quando demonstrada a imprescindibilidade para composição do plano de pagamento. Isto é, a única condição legal para o uso do PF e BCN é de que este somente será utilizado quando verificado que os descontos máximos e dilação do prazo não serão suficientes para equalização de todo o passivo fiscal transacionado.
E de fato, a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN) passou a permitir a aplicação deste meio de pagamento historicamente reconhecido pela política tributária como apto para amortização dos débitos tributários. Como noticiado, a maioria dos acordos prevê o uso de PF e BCN[1].
Entretanto, recentemente, sem qualquer alteração na Lei n. 13.988/2020 e/ou na Portaria PGFN n. 6.757/2023, a PGFN passou a condicionar o uso de PF e BCN à permanência do contribuinte no regime de apuração do Lucro Real durante todo o período de cumprimento do plano de pagamento transacionado, e a estar em atividade no momento do deferimento. Ou seja, empresas inativas, cujos débitos são irrecuperáveis justamente pela ausência de faturamento, não podem utilizar seus saldos de PF e BCN.
Melhor dizendo, o devedor que mais necessita de tais créditos, ante a irrecuperabilidade do seu passivo, está impedido de aproveitá-lo. O mais curioso é que a negativa da PGFN se dá sem qualquer fundamentação jurídica. Isto é: não há motivação na decisão administrativa, situação que dificulta, inclusive, as razões recursais. Mas afinal, qual será o argumento para o indeferimento às empresas inativas?
O fato é curioso e desafiou o presente artigo porque a administração tributária federal reconheceu em diversas oportunidades a utilização de PF e BCN como forma de abatimento de débitos federais em programas especiais de parcelamento. Como no Programa de Recuperação Fiscal da Lei n. 9.964/2000; no Refis da Crise (Lei n. 11.941/09); no parcelamento instituído pela Lei n. 12.865/2023; no Programa de Redução de Litígios Tributários da Lei n. 13.202/15; no Programa Especial de Regularização Tributária (Lei n. 13.496/17); e no Programa de Quitações Antecipadas das Transações, denominado QuitaPGFN, fundado na Portaria PGFN n. 8.798/22.
Em tais programas, jamais se condicionou o uso do PF e BCN ao contribuinte estar e/ou permanecer em atividade. E a utilização destes sempre foi extremamente vantajoso para o devedor, visto que: (i) acelerou a quitação da dívida; (ii) estancou a sua atualização pela taxa Selic; e (iii) deu liquidez imediata aos créditos de PF e BCN acumulados pelos contribuintes ao longo dos anos.
Ainda que se argumente que o PF não seria crédito de titularidade do devedor, e sim mero ajuste contábil para diferimento do Imposto de Renda, é importante compreender o motivo pelo qual este instituto contábil e tributário certamente compôs o plano de pagamento de tantos outros programas especiais de parcelamento, sem condicionante, e deve, de igual forma, ser utilizado nas transações individuais.
Pois bem. Visando facilitar a compreensão, é necessário destacar que o PF é a demonstração de um resultado negativo da contabilidade fiscal da empresa, obtido através do ajuste fiscal do lucro real em determinado exercício. Isto porque, a hipótese de incidência do Imposto de Renda é o resultado das receitas menos as despesas necessárias à manutenção da fonte produtora, calculado durante o período de um ano.
Se ao final deste, vier a ser identificado um lucro real negativo, haverá PF, isentando a empresa do pagamento do IRPJ e CSLL em razão do saldo negativo de apuração de tais tributos. E o PF pode ser compensado com lucros positivos de exercícios futuros da empresa, a ser considerado no cálculo de IRPJ/CSLL.
Entretanto, as Leis n. 8.981/1995 e 9.065/1995 limitaram a compensação de PF e BCN anteriores, com lucros auferidos em anos subsequentes, restringindo-a a uma redução de no máximo 30% do lucro tributável, a chamada “trava dos 30”, cujo objetivo fiscal era de manutenção de um fluxo contínuo de arrecadação tanto do Imposto da Renda quanto da contribuição social sobre o lucro.
Mas como bem leciona o professor Humberto Ávila, “a finalidade das referidas leis foi sempre de alongar o período de compensação, nunca – e isto é decisivo – a de anular o direito à compensação.”[2] A dinâmica de compensação introduzida a partir de 1995 pressupõe a continuidade das operações do contribuinte, de modo a viabilizar a realocação do prejuízo não abatido no momento em períodos posteriores, de forma que não haja supressão de parcela do resultado negativo compensável.
Todavia, para aqueles que suspenderam a atividade operacional, as limitações impostas pelas Leis 8.981/1995 e 9.065/1995 configuraram tributação sobre o patrimônio ou capital, e não sobre o lucro ou renda, tendo sido, portanto, adulterado o conceito constitucional de renda. Ou seja, além de suportar, por anos, o resultado negativo, o contribuinte se viu forçado a recolher tributação que não correspondeu à sua renda, ou ao seu lucro.
E certamente tais razões contribuíram para o inadimplemento das obrigações tributárias, motivo pelo qual é imperioso que se permita agora o uso do resultado negativo compensável, outrora cerceado.
Trata-se de saldo compensável imprescritível, do qual o contribuinte foi impedido de utilizá-lo na integralidade quando de sua atividade, tendo sido, à época, compelido a desembolsar antecipadamente o recolhimento de tributo, cuja expectativa futura de recuperação com PF e BCN não se concretizou, provocando, inclusive, o seu inadimplemento.
Ora, se o contribuinte possui o direito de exercer a compensação sem limitação temporal, é razoável conjecturar que inexiste momento mais oportuno de usá-lo que para quitar seus débitos fiscais, mormente porque, repita-se, parte deles se deu pela indevida limitação da “trava dos 30”.
Há que se perquirir a efetiva redução da litigiosidade, e se, para tanto, mostra-se indispensável a combinação de todos os benefícios previstos na Lei da Transação, é de rigor que se afaste condicionantes não impostas pelo legislador. O uso do PF e BCN como crédito nas transações é decisão acertada para redução do estoque da dívida ativa.
Importante lembrar, outrossim, de se dar o correto tratamento àqueles que de fato necessitam dos benefícios para equalização do passivo, como é o caso das empresas inativas, porque o sucesso do instituto da transação não reside na quantidade de acordos celebrados, mas nos acordos efetivamente cumpridos.
[1] https://valor.globo.com/legislacao/noticia/2023/10/24/maioria-dos-acordos-com-a-pgfn-preve-uso-de-prejuizo-fiscal.ghtml
[2] ÁVILA, Humberto. Conceito de Renda e Compensação de Prejuízos Fiscais. São Paulo: Malheiros, 2011, pág. 42.