Maior mudança da reforma tributária está nas demonstrações financeiras

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Em um evento histórico com mudanças significativas no cenário tributário brasileiro, a recente reforma tributária aprovada no início de novembro de 2023 marca uma mudança transformadora do atual quadro tributário para uma nova tributação sobre o consumo baseada no sistema de Imposto sobre Valor Agregado (IVA dual). O novo sistema causará uma remodelação no modo como a tributação indireta das empresas é apresentada nas demonstrações financeiras, inaugurando uma mudança de paradigma na forma como as empresas lidam e contabilizam os impostos indiretos.

No contexto histórico do Brasil, implementar uma reforma tributária tem sido consistentemente um desafio árduo, exigindo significativa vontade política e extensa negociação com os estados, que detém grande poder de barganha. Os interesses regionais e disputas entre estados, municípios e união contribui para a complexidade dos esforços em torno de uma reforma tributária. Alcançar consenso entre vários grupos políticos, cada um protegendo seus próprios interesses, requer habilidade de negociação e, sem dúvida, compromissos e concessões. Esse processo intricado muitas vezes alonga o prazo para aprovar reformas substanciais, destacando a luta contínua para reformular o sistema tributário de acordo com as necessidades e aspirações econômicas em evolução do país. 

Nesse contexto, o Senado aprovou a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 45/2019 em 8 de novembro de 2023, após rigorosas deliberações em duas sessões de votação. Pendente de aprovação pela Câmara, a proposta anuncia uma mudança iminente no panorama fiscal do país, pronta para revolucionar o paradigma da tributação sobre o consumo.

A essência da reforma reside na substituição do ISS, ICMS, PIS e Cofins por dois tributos distintos: IBS (fundindo ICMS e ISS) e CBS (substituindo PIS/Cofins). Além disso, o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) será substituído por um imposto sobre produtos específicos. Essa reformulação busca simplificar e consolidar a complexa estrutura tributária do Brasil em um sistema mais coeso e eficiente.

No regime tributário atual, as empresas são responsáveis por esses impostos, considerando-os como um item de custo em seus demonstrativos de lucros e perdas (P&L). Isso decorre de sua responsabilidade direta como sujeito passivo (contribuinte), não apenas como arrecadadores e remetente. No entanto, a iminente transição para um modelo de IVA, alinhado com os padrões internacionais, está pronto para redefinir essa abordagem para fins contábeis.

A principal mudança em relação à norma existente é o tratamento fundamental desses tributos sob o novo sistema de IVA dual sobre o consumo. Ao contrário do cenário atual, onde os impostos indiretos se manifestam na forma de custos que impactam o P&L, o sistema reformulado relegará seu tratamento contábil a transações meramente patrimoniais, ou seja, com impacto apenas no balanço patrimonial, e não no resultado. Aqui, a responsabilidade fiscal da empresa é registrada contabilmente como uma obrigação a remeter (passivo) em aberto junto à autoridade tributária, divergindo fundamentalmente da prática atual onde os impostos indiretos brasileiros diminuem a receita bruta. Esse tratamento contábil é equiparável àquele utilizado nos tributos sobre vendas nos Estados Unidos (sales tax) e nos regimes de IVA na América Latina. Assim, a mudança alinha o Brasil aos padrões de IVA adotados globalmente.

A essência dessa mudança reside no princípio do IVA: não se trata de um custo suportado pela entidade, mas de uma mera coleta e remessa de uma obrigação tributária essencialmente cobrada do consumidor. Pode-se invocar aqui, inclusive, o conceito de responsabilidade tributária, presente no código tributário nacional. Essa reclassificação fundamental transforma como as empresas percebem e relatam suas obrigações fiscais, garantindo uma demarcação mais clara entre os custos operacionais e as obrigações fiscais. Consequentemente, espera-se que essa mudança melhore a transparência na divulgação financeira, apresentando uma representação mais precisa da saúde financeira de uma empresa sem as distorções induzidas pelos gastos relacionados a impostos.

Por outro lado, pode-se também argumentar que a mudança contábil tem certa neutralidade, já que tributos como ISS, PIS, Cofins, e ICMS são hoje redutores da receita bruta. Num demonstrativo da receita líquida, esses componentes tributários já são removidos.

Enquanto a aprovação desta reforma marca um momento crucial, sua implementação completa depende da legislação secundária subsequente na forma de lei complementar. Essa legislação futura é esperada para detalhar os aspectos operacionais desse novo regime tributário, incluindo a definição de sujeito passivo e de responsável pelo recolhimento do IVA, o que confirmará o tratamento contábil exclusivo no balanço patrimonial para o imposto. A eficácia e o sucesso desta reforma residem na clareza, consistência e adaptabilidade dessas leis complementares.

Vale ressaltar os paralelos que esta reforma estabelece com as implementações de IVA em outras nações da América Latina. Países que já adotaram o modelo de IVA oferecem perspectivas e precedentes valiosos para o Brasil aproveitar, simplificando o processo de transição e potencialmente minimizando desafios imprevistos.

A mudança do Brasil para um sistema de duplo VAT representa um momento decisivo em sua história tributária, prometendo um quadro tributário mais coeso, transparente e alinhado internacionalmente. A iminente transição de um tratamento tributário baseado em custos para um orientado ao balanço patrimonial está pronta para recalibrar as normas de divulgação financeira para as empresas, oferecendo uma demarcação mais clara entre despesas operacionais e obrigações fiscais. No entanto, a execução bem-sucedida e a integração sem problemas desta reforma dependerão da clareza e adaptabilidade da legislação futura, garantindo uma transição suave e eficiente para as empresas navegarem pelo novo cenário tributário indireto.