Viagens de ônibus deveriam ser para todos

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A Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) está para aprovar um novo marco regulatório para o Serviço Regular de Transporte Rodoviário Coletivo Interestadual de Passageiros (TRIP). 

Se fosse uma música, o conjunto de regras seria na certa uma clássica do genial Dominguinhos: Olha, que isso aqui tá muito bom/Isso aqui tá bom demais/Olha, quem tá fora quer entrar/Mas quem tá dentro não sai. Se fosse teoria econômica, seria na certa daquelas que defendem mercados fechados e são avessas a qualquer tipo de concorrência.

Isso porque o que a agência reguladora quer é manter tudo como está. Ou seja, deixar o transporte rodoviário entre estados nas mãos das mesmas empresas que operam o serviço há décadas. Vejamos:

Das 980 linhas consideradas principais pela ANTT, 78% são operadas por apenas uma ou duas empresas. O preço de uma passagem em trechos dominados pelos oligopólios, como Brasília-Rio de Janeiro, custa até três vezes mais por quilômetro rodado do que trechos como Goiânia-Palmas, que tem um número relevante de concorrentes.

Isso aqui tá bom demais, não tá não? Mas para quem quer entrar, a ANTT diz o seguinte: “Pode sim, mas só naqueles mercados que ninguém quer e que quase não tem demanda”. Os tais mercados subsidiários. Nos principais, “nananinanão”. Quer dizer, até que um ali, outro acolá. Talvez. 

As exigências para as empresas novatas, no entanto, envolveriam tantos cálculos e critérios duvidosos – como a análise de eficiência de mercados e de viabilidade econômica da operação – que poderíamos aplicar a famosa parábola: “É mais fácil um camelo passar pelo fundo de uma agulha do que…”.

Está valendo

O fato é que o regime de autorização, no lugar da licitação, é um modelo validado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e defendido pelos ministérios da Fazenda e do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC) e pelo Ministério Público Federal (MPF), por ser o modo mais coerente e produtivo para a expansão do setor. É o sistema que legitima a abertura do mercado para novas empresas, mas desde que cumpram determinados requisitos – não estamos falando de uma abertura arbitrária.

Vale um breve histórico, pois temos a experiência testada e aprovada: esse regime vigorou de 2019 a meados de 2021, um brevíssimo período em que o mercado esteve liberado antes de ser interrompido por questões judiciais. Naquele período, a política de estímulo impulsionou a liberdade de oferta e novas ligações e serviços rodoviários foram colocados à disposição da população em todas as regiões brasileiras.

De acordo com dados da própria ANTT, cerca de 15 mil mercados foram outorgados, indicando tratar-se “do maior incremento de ligações de toda a história da regulação setorial dos últimos 50 anos”. 

Houve o ingresso de 30 novas empresas no mercado e 900 municípios passaram a contar com pelo menos uma nova ligação, impactando a vida de 107 milhões de pessoas com mais opção na hora de viajar. Dessas, 2,5 milhões de pessoas e 128 municípios brasileiros receberam suas primeiras ligações e foram incluídos no sistema rodoviário interestadual.

O preço do serviço caiu, em média, 18% nos mercados não monopolistas e houve redução de 25% no valor por quilômetro na média anual – economia que poderia chegar a até 95% em determinados meses do ano nas viagens de média distância.

Concorrência e tarifas

O mercado rodoviário no Brasil movimenta mais de R$ 30 bilhões por ano em viagens rodoviárias – somando os trechos intermunicipais e interestaduais. Se continuar oligopolizado, deixará mais de 20 milhões de brasileiros sem condições financeiras de viajar de ônibus por causa dos preços abusivos praticados pelas grandes viações.

Todo mundo sabe que mais concorrência ajuda na guerra de preços e força os competidores a melhorarem suas ofertas. Ou seja, a abertura é boa para o bolso do consumidor e promove melhorias em termos de serviço – no final do dia, é isso que os 130 milhões de brasileiros que usam ônibus para viajar precisam. 

Como no ritmo de um baião, o marco regulatório tem tido vaivéns na ANTT desde 2014 e sua publicação já passou por seis adiamentos. A próxima data está prevista para dezembro. Até lá, os ônibus de linha vão continuar rodando com contratos precários, fingindo que cumprem uma licitação que nunca existiu. Bom mesmo vai ser quando tudo virar um grande forró. Ou for all (para todos), expressão inglesa tida como a versão mais conhecida para a origem do nome da dança brasileira.