Na semana passada, as notícias sobre a delação premiada de Mauro Cid agitaram os jornais. Entretanto, não sabemos o seu conteúdo. O chefe de ordens de Bolsonaro teria dito que o presidente era incentivado a dar um golpe de Estado tanto por sua esposa, Michelle, quanto por aliados próximos, como Onyx Lorenzoni. Teria dito também que o “gabinete do ódio” de fato existia e era chefiado por Carlos Bolsonaro. Por ora, essas só especulações. Apesar disto, há aspectos que já podemos antecipar a respeito da delação.
A primeira delas versa sobre o que acontecerá com a delação em si. Conforme cita Elio Gaspari em sua coluna, a de Antonio Palocci não foi encaminhada de forma a produzir investigações e os supostos acordos ilícitos indicados por ele não foram adiante. Claro, a Lava Jato teve papel muito político e talvez os efeitos imediatos das denúncias tenham bastado para aquilo que os interessados buscavam. Se olhavam para estes efeitos políticos e não para a punição de infratores, podem ter se dado por satisfeitos. Mas certamente não trouxe um novo arranjo institucional que se esperava de uma denúncia que evidenciaria todas a podridão do sistema político brasileiro.
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A segunda tem a ver sobre os efeitos de notícias sobre os humores dos cidadãos. Ao longo do mandato de Bolsonaro, cansamos de ver notícias que seriam a “bala de prata” que colocaria por terra o apoio indiscriminado que parcela das pessoas direcionava ao capitão. Nunca funcionou. Algumas notícias tiveram maiores efeitos do que outras, mas a narrativa de que Bolsonaro lutava contra o sistema e que estas notícias nada mais eram do que falsidades que indicavam que o sistema estava preocupado com as boas intenções do ex-presidente falava mais alto. Tornava-se uma guerra de narrativas em que a correspondência aos fatos nunca foi uma etapa que se cumpria. Bastava outra notícia que confirmasse o que a pessoa já achava.
Este cenário durou de forma mais clara até o final de seu mandato. A partir dali, notou-se maior dificuldade em participar dessa disputa de interpretações. Pesquisas de opinião mostraram, por exemplo, que o escândalo das joias junto à Receita Federal minou a popularidade online do presidente. Foi um golpe que seus apoiadores sentiram e tudo ocorreu já depois do mandato terminado. Provavelmente por não ter mais a mesma quantidade de recursos que sustentavam as redes de Whatsapp, uma vez fora do Palácio do Planalto, ou porque de fato o evento não teve explicações razoáveis para os eleitores, o episódio arranhou a imagem de Bolsonaro.
Neste caso, denúncias relevantes sobre acontecimentos próximos à Presidência podem ter agora efeitos maiores do que o que vimos anteriormente. Se não deve surgir, enfim, a bala de prata tão esperada pela oposição ao governo Bolsonaro, há razões para que também não vejamos um efeito praticamente nulo no caso de informações sobre ações ilícitas vindas de alguém tão próximo ao ex-presidente.
Seja como for, de tudo, é preciso que as denúncias sejam levadas a sério pelos órgãos da Justiça. Ainda que seja uma medida altamente controversa, pelos tipos de incentivos que cria ao comportamento, uma vez que ela faz parte dos instrumentos de investigação, ela precisaria ser utilizada, produzindo estímulos para que o processo caminhe na averiguação do material que ela gera. Não tem sentido que este instrumento tenha apenas efeitos políticos e, menos ainda, que atores da Justiça estejam com olhos nestes efeitos em primeiro lugar.