Da inconstitucionalidade da vedação ao crédito do PIS/Cofins sobre o ICMS

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Previsto no art. 195, §12, da Constituição Federal, o regime não cumulativo do PIS/COFINS foi disciplinado pelas Leis nºs 10.637/02 e 10.833/03. Para tanto, o legislador ordinário elevou as alíquotas aplicáveis a este regime (no total de 9,25%) e traçou um rol taxativo de despesas geradoras de créditos a serem abatidos na apuração mensal do PIS/COFINS, vide art. 3º das mencionadas leis.

Nesse contexto, embora o legislador ordinário tenha autonomia para disciplinar a não cumulatividade do PIS/COFINS, é evidente que essa competência deve respeitar outros preceitos constitucionais como a matriz constitucional das contribuições ao PIS e COFINS e os princípios da razoabilidade, da isonomia, da livre concorrência e da proteção à confiança, tal como decidiu o Supremo Tribunal Federal ao apreciar o Tema nº 756 de Repercussão Geral.

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Por sua vez, ao julgar o Tema nº 779, o Superior Tribunal de Justiça estabeleceu que o conceito de insumos, para fins de não cumulatividade do PIS/COFINS, deve guardar íntima ligação com a regra-matriz destes tributos, que é a geração de receitas: o conceito de insumo deve ser aferido à luz dos critérios de essencialidade ou relevância, ou seja, considerando-se a imprescindibilidade ou a importância de determinado item – bem ou serviço – para o desenvolvimento da atividade econômica desempenhada pelo Contribuinte.

Embora a jurisprudência dos tribunais superiores já tenha definido claramente os limites constitucionais sobre a autonomia legislativa quanto à não cumulatividade do PIS/COFINS, a União Federal, em seu interesse arrecadatório, permanece impondo restrições inconstitucionais ao direito creditório dos contribuintes, de modo a esvaziar a sistemática da não cumulatividade.

Neste cenário, em 2021, quando o Supremo Tribunal Federal encerrou o julgamento do Tema nº 69 de Repercussão Geral, a União, em sua sanha arrecadatória, tentou emplacar por meio da Receita Federal a tese de que, em razão deste julgado, o valor do ICMS também não poderia compor a base de apuração do crédito das contribuições.

No entanto, à época, a tentativa foi refutada pela própria Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional por meio do Parecer PGFN nº 14.483/21. Já no final de 2022, a Receita Federal inseriu no art. 171 da IN RFB nº 2121/2022 previsão expressa pelo direito ao creditamento sobre o valor do ICMS destacado na nota do fornecedor.

A discussão parecia estar encerrada até que em 12/01/2023 foi publicada a Medida Provisória nº 1.159/23, a qual alterou os dispositivos das Leis nºs 10.637/02 e 10.833/03 para prever que o ICMS incidente na operação anterior não deve ser incluído no cálculo do crédito das contribuições ao PIS/COFINS. Tal regra passou a produzir efeitos a partir de 1º de maio de 2023.

Durante o trâmite legislativo, o conteúdo desta Medida Provisória foi agregado ao da Medida Provisória nº 1.147/22 (que originalmente tratava do PERSE) e então após a aprovação no Congresso e sanção presidencial foi convertido na Lei nº 14.592/2023. Há neste confuso trâmite legislativo uma clara inconstitucionalidade formal, também passível de apreciação pelo Poder Judiciário.

Da não cumulatividade

Aplica-se à não cumulatividade do PIS/COFINS o método subtrativo indireto, que é consideravelmente distinto daquele aplicável ao IPI e ICMS. Neste, por ser um regime de “imposto x imposto”, o valor do imposto calculado e destacado na nota fiscal de venda pelo fornecedor é extremamente relevante, já que é justamente sobre este valor destacado na nota fiscal de venda que o adquirente da mercadoria se creditará.

O mesmo não ocorre com o PIS/COFINS, dado que, nos termos da lei, o crédito será calculado mediante a aplicação das alíquotas destas contribuições sobre o valor de cada item ou despesa, vide art. 3º, §1º, das Leis nºs 10.637/02 e 10.833/03.

Somado a isto, e este ponto é de grande relevância, conforme imposição do art. 155, §2º, XII, “i”, da Constituição e do art. 13 da Lei Complementar nº 87/1996, o ICMS é um imposto que tem a particularidade de ser “calculado por dentro”, ou seja, o valor do imposto compõe a sua própria base de cálculo.

Isto é, antes de aplicar a alíquota do ICMS ao valor dos produtos comercializados, o contribuinte deve fazer o cálculo necessário para que o valor do ICMS componha a sua própria base de cálculo, para daí sim multiplicar pela alíquota. É dizer, o ICMS compõe de forma indissociável o valor da mercadoria, o qual servirá como base para apuração dos créditos do PIS/COFINS.

Nesse sentido, conforme determina a legislação de regência, notadamente o art. 13 do Decreto-lei nº 1.598/1977, o custo de aquisição de mercadorias destinadas à revenda compreenderá os de transporte e seguro até o estabelecimento do contribuinte e os tributos devidos na aquisição ou importação.

Deste modo, para a correta aplicação da não cumulatividade do PIS/COFINS, pelo método subtrativo indireto, deve-se assegurar ao contribuinte o direito de apurar os créditos mediante a aplicação da alíquota destas contribuições sobre o valor dos itens e despesas legais incorridas para a formação de sua receita, o que engloba, como não poderia deixar de ser, o valor do ICMS.

Da jurisprudência

Por se tratar de um tema extremamente recente, as discussões judiciais, quanto à nova legislação, ainda são incipientes. No entanto, como mencionado acima, já no ano de 2021 a Receita Federal tentou forçar, à margem da lei, a exclusão do ICMS dos créditos do PIS/COFINS. Por essa razão, alguns contribuintes ajuizaram medidas preventivas, já apreciadas pelo Tribunal Regional Federal da 3ª Região[1].

Nota-se que os precedentes corroboram o entendimento aqui defendido de que, na sistemática não cumulativa do PIS/COFINS, não há o que se confundir a base de incidência das contribuições sobre as receitas do vendedor/fornecedor (na qual há a exclusão do ICMS destacado na nota fiscal) com o valor pago pelos bens e serviços adquiridos e que serão empregados no processo de geração de receitas do adquirente.

Aliás, essa linha de raciocínio é muito bem aplicada pelo Superior Tribunal de Justiça, em caso bem semelhante a este, ao reconhecer a possibilidade de que, na sistemática da substituição tributária do ICMS (ICMS-ST), o contribuinte “substituído” se credite do PIS/COFINS sobre o valor do ICMS-ST recolhido pelo contribuinte “substituto”.

Nesta hipótese, o Tribunal Superior reconheceu que o fato de o ICMS-ST não compor a receita tributável do fornecedor (“substituto”) em nada impacta no direito creditório do adquirente[2].

Ou seja, a premissa adotada nestes casos é justamente a que está sendo defendida aqui: a base de incidência das contribuições sobre as receitas do vendedor/fornecedor (na qual há a exclusão do ICMS) em nada se confunde com o valor pago pelos bens e serviços adquiridos e que serão empregados no processo de geração de receitas do adquirente.

Considerações finais

Portanto, a vedação ao crédito sobre o valor do ICMS destacado pelo fornecedor, imposta pela Lei nº 14.592/2023 visa apenas o aumento da arrecadação, em desrespeito ao art. 195, §12, da Constituição, assim como aos limites constitucionais aplicáveis à autonomia do legislador ordinário para disciplinar a sistemática não cumulativa do PIS/COFINS, já reconhecidos pelos Tribunais Superiores, nos supracitados Tema nº 756 do E. STF e Tema nº 779 do E. STJ.

Sob pena de inconstitucionalidade, a aplicação da não cumulatividade do PIS/COFINS pelo método subtrativo indireto deve garantir ao contribuinte o direito de apurar os créditos mediante a aplicação da alíquota destas contribuições sobre o valor dos itens e despesas legais incorridas para a formação de sua receita, o que engloba, como não poderia deixar de ser, o valor do ICMS.

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[1] ApelRemNec 5000412-65.2017.4.03.6130, Rel. Desembargador Federal ANTONIO CEDENHO, 3ª Turma, DJEN DATA: 16/09/2021 e , RemNecCiv – Rel. Desembargador Federal CONSUELO YATSUDA MOROMIZATO YOSHIDA, julgado em 28/08/2023.

[2] AgInt no REsp n. 2.046.525/SC, relatora Ministra Regina Helena Costa, Primeira Turma, DJe de 13/6/2023.