Impulsionada pela crescente conscientização das mudanças climáticas e uma busca contínua por sustentabilidade, a transição global para energias renováveis é imperativa. Com vastos recursos naturais, o Brasil está estrategicamente posicionado para liderar essa revolução, especialmente nas áreas de energia solar, eólica, biomassa e hidrelétrica. Contudo, essa prosperidade também traz consigo desafios complexos. Além da necessidade de gerenciar essas fontes com eficiência e garantir uma distribuição segura, há a urgência de adaptar e atualizar infraestruturas, capacitar profissionais, educar a população sobre os benefícios e riscos, e enfrentar desafios inerentes à natureza intermitente de algumas energias renováveis. O equilíbrio entre demanda e oferta, bem como uma gestão tecnológica atualizada e sistemas de gerenciamento robustos que se adaptem às evoluções contínuas do setor, são cruciais nesse contexto.
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A “cloudificação”, processo de transição de sistemas locais para a computação em nuvem, estabeleceu-se não apenas como uma tendência, mas como um pilar fundamental da tecnologia contemporânea, trazendo consigo inúmeros benefícios destacados em publicações como “Governo Digital”. A migração de dados e sistemas de servidores físicos para ambientes na nuvem é uma resposta lógica ao desejo de otimização operacional e econômica. Impulsionada pela ênfase científica na integração da cloud computing com a Indústria 4.0, antecipa-se uma expansão desse modelo para áreas como a robótica operacional e a condução autônoma, conforme evidenciado pela dissertação de Jairo Matheus Vilaça Alves em 2018. Contudo, essa migração não está isenta de riscos, dando origem a desafios tangíveis relacionados à segurança, latência e soberania digital.
No atual cenário de transformação digital, a integração de tecnologias avançadas na gestão energética é imperativa, refletida na crescente migração para soluções na nuvem, buscando otimização operacional, custos e acessibilidade. Contudo, sistemas cruciais como Gestão de Energia Elétrica (SGEs), gerenciamento de distribuição (DMS) e SCADA, que coletam dados em tempo real da rede elétrica, enfrentam desafios com latências, especialmente se os dados são processados em data centers distantes. Essa complexidade, aliada à demanda por energia e integridade da rede, realça a importância de uma infraestrutura de alta qualidade e planejamento meticuloso. Assim, equilibrar inovação com confiabilidade é essencial para garantir uma transição eficaz e segura na digitalização do setor energético, evitando consequências adversas.
Assim como a inércia no setor elétrico, onde a capacidade dos sistemas de resistir a mudanças rápidas é crucial para manter a estabilidade da rede, a latência nos sistemas SCADA, SGE e DMS pode ter um impacto significativo na eficiência e confiabilidade. A migração para a nuvem pode agravar esses problemas de latência, especialmente se os dados são processados em data centers distantes. Portanto, ao planejar a ‘cloudificação’ desses sistemas, é crucial considerar tanto a inércia ocasionada nas fontes despacháveis (Bueno, 2023) quanto a latência dos sistemas de supervisão e controle. A escolha da tecnologia e a localização dos data centers devem levar em conta a necessidade de minimizar a latência, para garantir que esses sistemas possam responder rapidamente às mudanças nas condições da rede elétrica.
O apagão ocorrido em 15 de agosto de 2023 serve como um exemplo ilustrativo dos desafios enfrentados no setor energético. Luiz Carlos Ciocchi, do ONS, em entrevista ao portal Poder360 no dia 29 de agosto de 2023, apontou: “O aparelho que falhou foi um regulador de tensão. Ele deveria ter respondido ao incidente em um intervalo de 15 a 20 milissegundos, mas o tempo de resposta do equipamento variou de 50 a 100 milissegundos”. Em um relatório subsequente do ONS, citado pelo Poder360 em 23 de setembro de 2023, foi destacado: “A análise da perturbação revelou que o desempenho dos controles em campo, especialmente de usinas eólicas e solares, no que concerne ao suporte dinâmico de potência reativa, ficou significativamente abaixo das expectativas baseadas nos modelos matemáticos fornecidos pelos agentes e representados na base de dados oficial”.
A causa raiz do apagão não pode ser atribuída ao uso de tecnologias emergentes como o cloud computing, mas à fragilidade dos controles humanos, como auditoria na certificação e validação dos modelos adotados. Embora a “cloudificação” não possa ser ligada diretamente a esse incidente, ela ressalta a necessidade de prudência ao se adotar tecnologias emergentes, especialmente à luz dos crescentes apelos pela implementação de práticas da Indústria 4.0 em setores públicos, conforme destacado pelo site https://brazillab.org.br/.
A análise do Decreto 9.573 de 2018, diante dos eventos recentes, indica uma desconexão entre a regulamentação e a realidade operacional, sugerindo que as diretrizes normativas, apesar de sua ênfase na segurança de infraestruturas críticas, parecem desalinhadas com os avanços técnicos e os riscos emergentes da integração entre tecnologia da informação e o setor energético. Enquanto a regulamentação não aborda de forma clara e operacionalizada o uso de Cloud Computing em setores vitais, os órgãos responsáveis demonstram hesitação em definir e implementar medidas concretas alinhando inovação e segurança. Esta lacuna normativa e a relutância em tratar emergências tecnológicas com profundidade comprometem a confiabilidade, segurança e integridade da infraestrutura nacional. Assim, é imperativo intensificar o diálogo entre normativas e práticas tecnológicas, visando um setor energético proativo, inovador, seguro e resiliente.
O Marco Civil da Internet, embora primeiramente direcionado à proteção dos direitos digitais dos usuários, tem potencial para servir como base para abordagens regulatórias em áreas críticas da infraestrutura digital, incluindo a energia. Este marco, focado na liberdade de expressão, privacidade e neutralidade da rede, destaca a necessidade de garantir que os direitos fundamentais sejam respeitados no ambiente digital.
No contexto da transição energética e da digitalização, uma extensão ou adaptação desse regulamento poderia ajudar a garantir que sistemas críticos sejam seguros, resilientes e estejam alinhados com os valores democráticos. Como evidência da relevância deste tópico, cita-se a recente consulta pública da ANEEL sobre a segurança cibernética no setor elétrico. Esta consulta concluiu pela adoção de medidas sugestivas de melhores práticas, porém, diferentemente de outros países como os EUA e Chile, não determinativas. Esta abordagem sugere a necessidade de uma regulação mais robusta, à luz das práticas adotadas internacionalmente, e o Marco Civil da Internet pode oferecer uma estrutura inicial para tais esforços.
No contexto da evolução acelerada do setor energético e da transformação digital inegável, as revelações apontadas evidenciam uma dicotomia preocupante entre os avanços tecnológicos e a estrutura normativa vigente no Brasil. O episódio do apagão, um alerta palpável, serve como um potente catalisador para reflexão. Não é mais viável, nem aceitável, que o arcabouço normativo e as entidades reguladoras se mantenham distantes ou reativas diante das inovações e riscos associados à digitalização de infraestruturas críticas.
O Decreto 9.573, por mais bem-intencionado que seja, é um lembrete flagrante de que a proatividade, especificidade e alinhamento com a realidade tecnológica do setor são imperativos. A ambiguidade normativa e a aparente falta de diretrizes claras sobre “cloudificação” segura de sistemas vitais não são apenas lacunas burocráticas. Elas têm implicações diretas na segurança, soberania e bem-estar econômico e social do país.
Uma das maneiras de abordar os desafios da “cloudificação” é estabelecer regulamentações claras sobre os requisitos de desempenho e segurança ao adotar tecnologias, seja cloud computing, virtualização, entre outras. As áreas de arquitetura corporativa deveriam se concentrar em especificar critérios essenciais, como a latência, para cada solução. Esta avaliação permite comparar o desempenho obtido em diferentes plataformas, sejam elas em cloud ou em infraestruturas locais. A escolha da tecnologia deve permanecer livre para cada agente, desde que atenda a estes padrões. A ANEEL, em conjunto com outros órgãos competentes, deve orientar essa transição tecnológica definindo normas claras para segurança e desempenho, mantendo-se agnóstica quanto a tecnologia a ser utilizada.
Dessa forma, urge ao Poder Público, incluindo instituições como a ANEEL, reavaliar e reformular sua abordagem. Esta reavaliação deve levar em consideração os riscos e vulnerabilidades apontados por especialistas, como a jurista Dra. Patricia Peck em seu artigo no site Neofeed do dia 24 de agosto de 2023 intitulado “é preciso falar de soberania digital”, que sublinhou a crucialidade da discussão sobre a soberania digital. É essencial adotar uma postura de liderança, promovendo um diálogo construtivo e contínuo entre especialistas técnicos, stakeholders do setor energético, autoridades reguladoras e defensores dos direitos digitais.
A complacência ou inação diante de tamanhos desafios não são opções. Como potência energética emergente e nação na vanguarda da revolução digital, o Brasil não pode ser surpreendido novamente por lacunas em sua estrutura tecnológica e regulatória. O país merece, e deve demandar, um marco regulatório ágil, específico e sintonizado com os desafios do século 21, assegurando a segurança e resiliência tanto do setor energético quanto de sua infraestrutura digital. A prosperidade energética segura do Brasil e sua soberania digital repousam sobre a necessidade de ações concretas, decisivas e imediatas.
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Referências bibliográficas de pesquisa:
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CAMPOS JR., Geraldo. Fontes de geração do Ceará contribuíram para o apagão, indica ONS. Poder360, [S.l.], 2023. Disponível em: https://www.poder360.com.br/energia/desempenho-da-geracao-no-ceara-contribuiu-para-o-apagao-indica-ons/. Acesso em: 03/10/2023.
GOVERNO DIGITAL. Diretrizes da Estratégia de Governo Digital – 2020 a 2023. [S.l.], [s.d.]. Disponível em: <https://www.gov.br/governodigital/pt-br/EGD2020/>. Acesso em: 17/09/2023.
PECK, P. É preciso falar sobre soberania digital. NeoFeed, [S.l.], 2023. Disponível em: https://neofeed.com.br/experts/e-preciso-falar-sobre-soberania-digital/. Acesso em: 27/09/2023.