O Brasil e a nova agenda global de medição da corrupção

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Entre os dias 2 e 4 de dezembro de 2025, representantes brasileiros estiveram na sede da ONU, em Nova York, para participar da Second Global Conference on Harnessing Data to Improve Corruption Measurement. A conferência reuniu mais de 500 especialistas de diferentes países e colocou em pauta uma questão decisiva para a saúde das democracias: como medir a corrupção de forma mais precisa, comparável e útil para orientar políticas públicas?

Para se ter a dimensão da relevância do congresso, basta observar quem esteve por trás de sua organização e participação: o evento foi coorganizado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), pela Academia Internacional Anticorrupção (IACA) e pelo Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC), em parceria com o Banco Mundial e a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

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Neste artigo apresentaremos reflexões sobre a importância da produção de dados para combate a corrupção, uma avaliação do esforço brasileiro para com essa agenda e os desafios da implementação da recomendação.

Por que medir melhor importa? o pano de fundo da conferência

A ONU alerta que a corrupção ameaça a estabilidade social, corrói a democracia e bloqueia o desenvolvimento sustentável. O desafio, porém, começa na falta de dados confiáveis: a natureza oculta do problema, metodologias divergentes entre países e a predominância de índices de percepção dificultam avanços. No congresso realizado em Nova York, a mensagem foi clara: só será possível enfrentar a corrupção de forma eficaz se aprendermos a medi-la melhor.

O que foi produzido durante a convenção?

Um dos produtos da convenção será a publicação do documento “New Yourk Recomendations on the Future of Corruption Measurement” (Recomendações de Nova Yorke), que deve se tornar público nas próximas semanas. Este documento consiste em um conjunto de diretrizes que pretendem remodelar a forma como os Estados coletam, analisam e utilizam dados sobre corrupção.

A construção das Recomendações de Nova York visa superar a dependência histórica de índices de percepção e avançar para métricas capazes de refletir experiências, riscos reais, registros administrativos e a efetividade das políticas de integridade.

A importância da participação brasileira

No último ano, ficou evidente o esforço do Brasil para integrar de forma coordenada as agendas de integridade, governança de dados e transparência. A atuação da Controladoria-Geral da União (CGU) reforçou esse movimento com iniciativas como a publicação do Referencial Técnico de Integridade Publica, da Portaria n. 3.032/2025 – que sistematizou novos enunciados da Lei Anticorrupção, além da promoção da Semana de Governo Aberto, da Semana Dados BR 2025 e do Encontro Nacional da Corregedorias, entre outros marcos relevantes.

Nesse contexto, a presença do Brasil na conferência da ONU sobre medição da corrupção projeta impacto direto sobre três dimensões centrais da governança pública:

  1. Aproximação das melhores práticas internacionais

As Recomendações de Nova York destacam que muitas formas de corrupção podem — e devem — ser medidas objetivamente, com base em dados administrativos, registros de justiça, compras públicas, dados financeiros e analytics avançado. A experiência brasileira coloca o país em posição estratégica para:

  • adotar padrões métricos mais robustos;
  • evitar distorções entre percepção e realidade;
  • fortalecer políticas de prevenção orientadas por evidências.
  1. Fortalecimento das instituições de controle e da coordenação nacional

A conferência sublinhou a necessidade de coordenação entre órgãos anticorrupção e órgãos nacionais de estatística, promovendo interoperabilidade, governança de dados e metodologias comuns. Para o Brasil, isso representa:

  • integrar bases de dados hoje dispersas;
  • alinhar métricas entre órgãos federais, estaduais e municipais;
  • reduzir redundância, aperfeiçoar diagnósticos e aumentar transparência.
  1. Vantagens para a política pública, para o setor privado e para a competição econômica

Entre as conclusões expressadas na conferência, uma das de maior destaque é que: medir corrupção com qualidade melhora o ambiente de negócios e assegura concorrência leal.

Ao incorporar essas metodologias, o Brasil:

  • amplia sua credibilidade internacional;
  • reduz incertezas regulatórias;
  • fortalece mecanismos de due diligence e governança corporativa;
  • facilita a atração de investimentos e parcerias internacionais.

O que se espera do Brasil a partir de agora?

As Recomendações de Nova Yorke oferecem um roteiro claro — e ambicioso — para o futuro da medição da corrupção. Entre os pontos mais relevantes para o contexto brasileiro, destacam-se:

  1. Criação ou fortalecimento de sistemas nacionais de dados sobre corrupção

O documento recomenda que países desenvolvam sistemas nacionais integrados, com:

  • metodologias padronizadas;
  • dados interoperáveis;
  • indicadores diretos e não apenas de percepção;
  • uso combinado de bases administrativas, pesquisas e dados digitais.

No Brasil, isso significa aproximar CGU, IBGE, TCU, Ministério Público, órgãos estaduais e municipais — algo desafiador, mas essencial.

  1. Adoção de “mínimos mensuráveis” baseados no UNODC Statistical Framework

O Brasil é chamado a adotar indicadores mínimos comuns, permitindo comparabilidade internacional e evolução progressiva das métricas. Isso pode provocar alterações na forma como monitoramos riscos, avaliamos políticas e estruturamos programas de integridade.

  1. Uso estratégico de tecnologia e inteligência de dados

A conferência destacou o papel transformador de:

  • machine learning;
  • cruzamento automatizado de dados;
  • detecção preditiva de padrões;
  • visualização interativa de informações.

O Brasil, com experiências consolidadas em painéis públicos, sistemas antifraude e monitoramento em compras públicas, tem grande potencial para liderar essa agenda.

  1. Inserção ativa em redes internacionais de cooperação

As Recomendações de Nova Yorke estimulam que a conferência global se torne um fórum bienal permanente de cooperação e alinhamento metodológico.

Para o Brasil, isso significa:

  • ocupar espaço de protagonismo;
  • influenciar padrões globais;
  • receber e oferecer cooperação técnica;
  • alinhar suas políticas às exigências de um ambiente global mais transparente.

Da conferência à prática: quais transformações podem surgir para o Brasil?

A adoção das recomendações pode gerar efeitos concretos na administração pública, tais como:

  • políticas anticorrupção baseadas em evidências, não apenas em percepções;
  • monitoramento contínuo da efetividade de programas de integridade;
  • modelos de risco mais precisos para prevenção, inspeção e auditoria;
  • melhor comunicação com a sociedade, com dados verificáveis e metodologias claras;
  • redução de assimetrias entre órgãos de controle;
  • convergência com padrões da OCDE — uma dimensão crucial para a inserção global do país.

Tais avanços podem beneficiar desde políticas sociais até grandes projetos de infraestrutura, onde riscos de captura, fraudes e desvios tendem a ser maiores.

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Conclusão: um passo decisivo para o Brasil do futuro

As Recomendações de Nova York apontam para uma transformação necessária: sair do paradigma da percepção e entrar definitivamente no paradigma da evidência.

Para o Brasil, isso implica em fortalecer o compromisso institucional, coordenação federativa, investimento em tecnologia e compromisso político com a transparência.

A boa notícia é que o país tem desenvolvido – e muito – a sua capacidade técnica, olhado para a escala de dados e investido em instituições maduras para liderar essa agenda. O ganho desse investimento não é apenas em integridade, mas em desenvolvimento, competitividade e confiança social.

O desafio agora é transformar recomendações em realidade.